Risco de interrupção do mandato de Dilma diminui no Congresso

Raymundo Costa 

26/08/2015

O risco da presidente Dilma Rousseff sofrer um processo de impeachment a curto prazo está afastado, segundo avaliam dirigentes partidários, líderes do Congresso e o Palácio do Planalto. "O oxigênio foi dado ao paciente", disse ao Valor um senador com trânsito no governo e na oposição, referindo-se às apreensões com os desdobramentos da crise manifestadas por entidades de classe empresariais como a Fiesp e a Firjan, grupos financeiros como o Bradesco e o Itau, além de empresas da área de comunicação - preocupações que foram recepcionadas no Congresso, especialmente pelo Senado. "Se o oxigênio dado será suficiente para retirar o paciente da UTI é outra coisa", complementou o mesmo congressista.

É essa dose de oxigênio que explica o esboço de reação feito pela presidente Dilma Rousseff, ao anunciar a redução no número de ministérios, cortes de cargos comissionados e a promessa de uma reforma ministerial que dê aos partidos pastas mais fortes. Ontem a presidente liberou R$ 500 milhões de restos a pagar de emendas parlamentares ao orçamento e preencheu cargos que já estavam negociados por Michel Temer, antes de o vice deixar a função de coordenador político do governo.

O ministro Eliseu Padilha, que ainda acumula a Secretaria da Aviação Civil com a de Relações Institucionais, disse a amigos, em tom de lamento, que "os tempos da burocracia e da política são diferentes". A liberação já poderia ter ocorrido e evitado o desgaste que levou à saída de Temer da coordenação. O próprio Padilha vai começar a dar meio expediente na SRI e meio na SAC. A Secretaria de Relações Institucionais deve ser extinta na reforma planejada por Dilma, pois praticamente perdeu a função com a aprovação do orçamento impositivo. A SRI era o balcão.

O paradoxo da situação é que a saída de Temer reduziu a margem de apoio da presidente no PMDB, mas ela foi beneficiada pelas manifestações empresariais. A Agenda Brasil não é necessariamente para ser executada, mas é uma boia lançada pelo presidente do Senado, Renan Calheiros, para a presidente se agarrar e a partir dai tentar se recompor politicamente no Congresso e apresentar um programa efetivo de recuperação da economia. Mas há ideias que podem ser aproveitadas.

O senador José Serra (PSDB-SP), por exemplo, estima que o governo poderia economizar cerca de R$ 10 bilhões apenas com a revisão dos contratos públicos - uma das propostas das agenda. Renan adotou esta medida ao assumir o Senado, um universo bem menor, e conseguiu uma economia de R$ 530 milhões.

Renan disse aos aliados que está disposto a ajudar no esforço para a saída da crise. "Se cair, cai de maduro. Nós não vamos derrubar", disse o senador a interlocutores, segundo apurou o Valor. Além da Agenda Brasil, Renan também ajudou para que o Tribunal de Contas da União (TCU) ampliasse o prazo de defesa do governo sobre as contas do exercício de 2014.

No Palácio do Planalto a expectativa é que o TCU reverta a tendência manifestada até agora e aprove as contas, com ressalvas e recomendações para que os erros não sejam repetidos neste ano. Fontes do tribunal afirmam que dificilmente o TCU deixará de recomendar a rejeição das contas, mas pode amenizar nos adjetivos.

A avaliação dos senadores é que as contas de 2014 deixaram de ser um risco imediato para o impeachment da presidente. Mesmo que o TCU recomende sua rejeição, Renan já avisou que não pretende votar a sugestão do tribunal. A palavra final, neste caso, é do Congresso. Como não há precedentes, caberá a Renan Calheiros estipular os ritos da votação.

O "oxigênio" dado ao paciente é visto no Congresso, talvez, como a derradeira oportunidade para a presidente Dilma Rousseff retomar a condução da política. Por trás da ajuda a Dilma está a ideia de que o impeachment "mata" a presidente, mas não "mata" o modelo econômico praticado pelo Partido dos Trabalhadores (PT), pelo menos, desde a crise de 2008, considerado centralizador e intervencionista.

Segundo um dos senadores envolvidos nas conversações tripartites - Congresso, governo, empresários - não é exato dizer que o "PMDB do Senado" está no comando do projeto para ajudar Dilma a se recompor. Trata-se de um esforço mais amplo a partir da compreensão de que não será bom para as instituições democráticas do país tirar um segundo presidente da República, em apenas 30 anos de normalidade democrática contínua, após o fim do regime dos generais.

Num ambiente onde o escândalo da tarde supera a crise da manhã, ninguém é capaz de fazer apostas seguras sobre o futuro do governo. A avaliação de senadores é que Dilma reagiu bem ao fazer a autocrítica de seus erros na condução da política econômica e anunciar que o governo fará sua parte no esforço para reequilibrar as contas públicas. Mas já voltou ao errar na política ao deixar claro que Temer saiu não porque concluiu a votação do ajuste fiscal, mas por acreditar que ele se colocou como opção, para o caso de substituição da presidente.

A liberação de R$ 500 milhões ajuda inclusive a reativar pequenas obras espalhadas por milhares de municípios, mas é pouco diante do total de R$ 4,6 bilhões previstos. "É uma injeção na veia contra o desemprego nos pequenos municípios", disse o ministro Padilha. Ainda não há expectativa sobre quanto ainda pode ser liberado até o final do ano, mas Padilha argumentou, no governo, que "o barato às vezes sai caro", ou seja, o Tesouro economiza um pouco ao segurar o pagamento das emendas, mas leva de troco da Câmara uma "pauta bomba" que custa muito mais.

FHC diz que crise política é maior que a econômica

Cibelle Bouças 

O ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso disse ontem em palestra realizada para empresários do setor varejista que espera para os próximos meses momentos mais difíceis na esfera política do que na economia. "A economia tem seu próprio ciclo. Ela passa por ajustes de produtividade agora, mas tem seu ciclo de saída e recuperação. A política é diferente, não existe um novo ciclo se ele não for criado", afirmou.

Fernando Henrique defendeu a necessidade de o governo acelerar o processo de reforma na Previdência e criticou a decisão de integrantes do seu partido de votar pelo fim do fator previdenciário, ao examinar o projeto de conversão de uma medida provisória do ajuste fiscal. "Achei um erro que integrantes do PSDB tenham votado contra o fator. Tem que haver coerência, é preciso votar no projeto em que se acredita", disse.

"Fiz uma tentativa de melhorar a situação no meu governo. Tentei criar a idade mínima para aposentadoria e a proposta não passou no Congresso. Então foi criado o fator previdenciário, que tinha o mesmo efeito no fim das contas. O Congresso acabou de derrubar isso. Como vai financiar a previdência agora?", afirmou FHC.

Na visão de Fernando Henrique, tanto o governo atual quanto futuros governantes terão que renegociar um pacto com a sociedade para que a população retome a confiança nos governos, aceite e ajude no processo de mudanças pelas quais o país terá de passar. As mudanças, segundo ele, passam pelas reformas política e previdenciária.

"Os gastos públicos não podem se expandir mais rapidamente que o Produto Interno Bruto (PIB). A Dilma [Rousseff, presidente da República] devia ter reduzido há muito tempo os ministérios", disse FHC. Ele afirmou ainda que o país se encontra atualmente sem liderança e defendeu o diálogo com toda a sociedade. "Não adianta fazer conchavo, temos que restaurar a confiança, dizendo de antemão o que vai ser feito, quais possibilidades estão se abrindo. Isso se chama liderança. Temos um problema de liderança", afirmou. O ex-presidente acrescentou que o governo precisará discutir como solucionar o aumento do seu nível de endividamento, hoje de R$ 2,6 trilhões. "O Brasil é um país que já enfrentou muitas dificuldades. Sair da crise a gente sai, mas vamos ter que inventar a saída. Precisamos todos juntos buscar um caminho para a retomada do crescimento", disse.

Valor econômico, v. 16, n. 3828, 26/08/2015. Política, p. A8