Lobby documentado

 

RENATO ONOFRE, THIAGO HERDY E CLEIDE CARVALHO 

 

Documentos apreendidos pela Polícia Federal mostram tentativas do presidente da empreiteira de influenciar ações do Planalto. Instituto Lula diz que atuação foi ‘ lícita, ética e patriótica’

E- mails apreendidos pela Polícia Federal na sede da Odebrecht, no âmbito da Lava- Jato, detalham a relação entre a empreiteira e o Palácio do Planalto nos governos Dilma Rousseff e Lula. Nas mensagens, Marcelo Odebrecht, presidente da construtora, hoje preso em Curitiba, sugere o que deveria ser dito por Lula e Dilma a chefes de Estado, em viagens oficiais. Em pelo menos um caso, o ex- presidente repete em discurso o tema proposto pelo empresário. Em email a executivos da construtora, em 2009, o então ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Miguel Jorge, confirma que Lula atuou em favor da empresa junto a líderes estrangeiros. “O PR fez o lobby”, diz o texto. O ex- ministro disse que presenciou Lula, ao menos “meia dúzia de vezes”, vendendo empresas brasileiras a outros chefes de Estado, de forma “transparente”. O Instituto Lula disse que a atuação foi “lícita, ética e patriótica”. - SÃO PAULO- E- mails apreendidos pela Polícia Federal nas buscas realizadas na sede da Odebrecht em São Paulo, em junho deste ano, no âmbito da Operação Lava- Jato, mostram uma relação de influência da empreiteira junto ao Palácio do Planalto, durante os governos de Dilma Rousseff e Lula Inácio Lula da Silva. Nas mensagens, o presidente da construtora, Marcelo Odebrecht, tenta interferir diretamente no que será dito pelos presidentes a chefes de Estado de outros países. Em alguns casos, a pressão surte efeito. Em mensagem para executivos da construtora, em 2009, o então ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Miguel Jorge, afirmou que Lula fez lobby pela empresa em um dos encontros com líderes estrangeiros. Em mensagem apreendida pela PF, Miguel Jorge escreveu: “O PR ( presidente da República) fez o lobby”.

Os documentos mostram que o chefe de gabinete de Lula na época, Gilberto Carvalho, era um dos elos entre a Odebrecht e o presidente, de acordo com a interpretação da PF. Carvalho nega. Para os investigadores, o ex- chefe de gabinete, que tem uma ligação forte com a Igreja Católica, é o “seminarista” a quem Marcelo Odebrecht se refere em mensagens. No governo Dilma, o papel que era do “seminarista” passou a ser cumprido por Giles Azevedo, chefe de gabinete da presidente, e Anderson Dorneles, assistente pessoal de Dilma. Os dois também recebiam mensagens enviadas diretamente por Marcelo Odebrecht, em nome dos interesses da empresa.

Em 5 de junho de 2012, quatro dias antes de encontro de Dilma com o presidente da República Dominicana, Danilo Medina, Marcelo encaminhou a Giles e a Anderson uma nota com sugestões para a pauta da reunião. No documento, ele diz ser importante Dilma “reforçar” dois pontos na conversa: “A confiança que tem na Organização Odebrecht em cumprir os compromissos assumidos” e “a disposição de, através do BNDES, continuar apoiando as exportações de bens e serviços do Brasil, dando continuidade aos projetos de infraestrutura prioritários para o país”.

FINANCIAMENTO PARA DUAS USINAS

O GLOBO verificou que o encontro com Medina constou da agenda oficial da presidente em 2012. Não foi possível estabelecer se Dilma usou as sugestões de Marcelo. Em entrevista depois do encontro, o presidente da República Dominicana disse ter recebido aceno do governo brasileiro favorável à concessão de financiamento para construção de duas usinas no país. O projeto seria contemplado dois anos depois, ao custo de US$ 656 milhões. De US$ 2,5 bilhões emprestados pelo BNDES a empresas brasileiras entre 2003 e 2015 para contratos na República Dominicana, US$ 2 bilhões foram destinados a projetos desenvolvidos pela Odebrecht.

As mensagens de Marcelo Odebrecht para Lula eram enviadas por intermédio de Alexandrino Alencar, o diretor da empreiteira mais próximo ao petista. Alencar foi preso na Operação Lava- Jato, assim como Marcelo. As recomendações eram dadas por meio de documentos que tinham o mesmo título: “Ajuda memória”. Em 2 de maio de 2005, na véspera de uma visita do presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, ao Brasil, Marcelo Odebrecht pediu a Lula que reconhecesse o papel de Santos como “pacificador e líder regional”, e que fizesse menção às ações realizadas por empresas brasileiras em Angola, com destaque para a Odebrecht.

“Dr. Alex, aqui está o documento. Dr. Marcelo pede- lhe a gentileza de encaminhar ao seminarista”, escreveu Darci Luz, secretária de Marcelo, a Alexandrino Alencar. No dia seguinte, Lula recebeu Santos com um discurso em que mencionou a forma como ele “soube liderar Angola na conquista da paz”, e saudando- o por sua “perseverança e visão de futuro”. No discurso, Lula citou o projeto de construção da hidrelétrica de Capanda, mencionado no mesmo e- mail de Marcelo Odebrecht como um exemplo da cooperação entre os dois países: “Reforçamos, assim, um mecanismo financeiro que tem sido o grande motor da expansão dos investimentos brasileiros em Angola. A hidrelétrica de Capanda, símbolo maior da presença econômica brasileira em Angola, não teria sido possível sem a linha de crédito ( do BNDES)”, discursou Lula.

“PEDIDO QUE LULA DEVE FAZER POR NÓS”

Ao ser convidado por Lula para um almoço com o chefe de Estado da Namíbia, em Brasília, em fevereiro de 2009, Marcelo Odebrecht respondeu com cópia para seus diretores: “Pode ser uma boa oportunidade em função de nossa hidrelétrica ( Capanda). Seria importante enviar uma nota memória antes via Alexandrino, com eventualmente algum pedido que Lula deve fazer por nós”.

As mensagens captadas pela PF mostram que horas antes do almoço, o executivo da Odebrecht Marcos Wilson escreveu ao então ministro Miguel Jorge pedindo que Lula manifestasse a líder da Namíbia “sua confiança na capacidade desta multinacional brasileira chamada Odebrecht” assumir o projeto de uma hidrelétrica binacional na África. Miguel Jorge respondeu:

“Estive e o PR fez o lobby. Aliás, o PR da Namíbia é quem começou, disse que será licitação, mas que torce muito para que os brasileiros ganhem, o que é meio caminho andado”.

Os estudos de viabilidade da usina hidrelétrica Baynes, a ser construída na fronteira entre Angola e Namíbia, foram realizados por consórcio formado pelas estatais Furnas e Eletrobras e por Engevix e Odebrecht. O contrato foi assinado um ano antes da reunião mencionada nas mensagens. Apesar do pedido de Lula, o projeto ainda não saiu do papel, segundo a Odebrecht.

Integrante de comitivas do ex- presidente Lula em viagens à África, o empresário José Carlos Bumlai, amigo de Lula, também é citado nas mensagens de Marcelo como motivo de preocupação. Em 2011, executivos informaram a Marcelo Odebrecht presença do presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, em evento com a participação de Lula, que na época já não era mais presidente.

“Importante não deixar o pecuarista solto por lá”, diz o executivo da Odebrecht, numa menção a Bumlai, que ficou famoso como agropecuarista e tinha interesse em investimentos na África.

“Alexandrino vai estar colado no Lula e no pecuarista todo o trajeto”, respondeu Marcelo.

As mensagens mostram, ainda, o presidente da Odebrecht participando ativamente dos pormenores de discussões sobre contratos da Petrobras e relacionamento da empresa com diretores que hoje são investigados na Lava- Jato. Em 2008, Marcelo Odebrecht discutiu com Pedro Barusco, gerente de engenharia da estatal hoje acusado de corrupção, o programa de construção de sondas.

Nos relatórios de perícia dos documentos, a PF ressalta que a análise apresentada nos autos em relação a todos esses e- mails é “preliminar”, e tem “o intuito de se identificar questões relevantes, que posteriormente serão aprofundadas ou complementadas”.