‘Atuação foi lícita’, diz Instituto Lula; Odebrecht não vê problema

 

RENATO ONOFRE, THIAGO HERDY E CLEIDE CARVALHO

 

Em mensagem, Marcelo Odebrecht ofereceu ao então presidente da Vale, Roger Agnelli, ajuda para escolher o piso do pátio do Alvorada. A empresa fazia obras no Palácio. - SÃO PAULO- A assessoria do Instituto Lula classificou de “lícita, ética e patriótica” a atuação do ex- presidente Lula ao defender os interesses de empresas brasileiras no exterior. A atuação de Lula foi revelada em e- mails apreendidos pela Polícia Federal durante a busca e apreensão na construtora Odebrecht.

GERALDO BUBNIAK/ 20- 06- 2015E- mails. Marcelo Odebrecht é preso na Lava- Jato: “atuação institucional”

“Em seus dois mandatos, Lula chefiou 84 delegações de empresários brasileiros em viagens por todos os continentes. A diplomacia presidencial contribuiu para aumentar as exportações brasileiras de produtos e serviços, que passaram de US$ 50 bilhões para quase US$ 200 bilhões, e isso representou a criação de milhões de novos empregos no Brasil”, escreveu a assessoria de Lula, que atacou a imprensa:

“Só uma imprensa cega de preconceito e partidarismo, poderia tentar criminalizar um ex- presidente por ter trabalhado por seu país e seu povo”.

“SEM SACANAGEM”

No texto, a assessoria afirma haver uma “repetitiva, sistemática e reprovável tentativa de alguns órgãos de imprensa e grupos políticos de tentar criminalizar a atuação lícita, ética e patriótica do ex- presidente na defesa dos interesses nacionais, atuação que resultou em um governo de grandes avanços sociais e econômicos, com índices recorde de aprovação”.

Por telefone, o ex- ministro Miguel Jorge admitiu a troca de mensagens com os executivos da Odebrecht. Ele afirmou que presenciou pelo menos “meia dúzia de vezes” o ex- presidente Lula vendendo empresas brasileiras a outros presidentes.

— Essa palavra lobby, depois deste escândalo, passou a ser muito pejorativa. O que esses caras ( investigados na Lava- Jato) fizeram não foi lobby, foi corrupção. Agora, é absolutamente natural um presidente de um país atue no interesse em um consórcio de empresas brasileiras, das quais duas eram estatais. Ainda mais em uma situação importante de uma obra de não sei quantos bilhões de dólares. Isso foi feito de maneira absolutamente transparente, sem nenhuma sacanagem no meio — garantiu o ex- ministro.

“LULA, UM CAIXEIRO VIAJANTE”

O ex- chefe de gabinete de Lula, Gilberto Carvalho, disse em nota “negar categoricamente que recebeu diretamente de Marcelo Odebrecht ou Alexandrino Alencar qualquer sugestão para discursos em agendas internacionais ou assuntos relativos à Odebrecht”.

Segundo Carvalho, “o presidente Lula sempre expressou que queria se transformar em um caixeiro viajante do Brasil”, por isso, em viagens, “sempre fez questão de convidar muitos empresários, realizando reuniões nos países visitados na perspectiva de abrir novas negociações para empresas brasileiras; a Odebrecht foi uma dentre muitas”, afirmou.

Por meio de nota, a Odebrecht informou que “os trechos de mensagens eletrônicas divulgados apenas registram uma atuação institucional “legítima e natural” da empresa e sua participação nos debates de projetos estratégicos para o país — nos quais atua, em especial como investidora”.

A empresa disse lamentar a divulgação das mensagens nos processos contra a Odebrecht, por considerar que os e- mails não têm “qualquer relação com o processo em curso”.

O GLOBO perguntou à assessoria da Presidência se era comum a presidente Dilma Rousseff receber mensagens de Marcelo Odebrecht orientando seu discurso e se ela acatava as sugestões. O governo apenas divulgou nota informando ser “de interesse do país que empresas se internacionalizem e exportem seus serviços”. “Essa é uma prática usual em todos os países, assim como é comum que integrantes do governo se reúnam com empresários nacionais para ouvir contribuições na definição da agenda econômica internacional”, escreveu a assessoria da Presidência.

 

De fritura de autoridades ao piso do Alvorada

 

RENATO ONOFRE E THIAGO HERDY

 

Em e- mail a executivos, o presidente da Odebrecht critica nome cotado para cargo no Ministério de Minas e Energia: “Caso não haja condições, melhor queimá- lo logo.” As preocupações de Marcelo Odebrecht não se limitavam à Presidência da República. Nos e- mails interceptados pela PF, o empresário discutia desde o monitoramento de ministros que não tinham pensamento convergente com o interesse da construtora até o melhor revestimento do piso para o Alvorada. Marcelo também estava atento às relações da empresa no exterior. Ele mesmo ajudou a definir quais os presentes seriam levados em nome da empresa a autoridades cubanas, entre elas o presidente Raúl Castro.

Marcelo observava atentamente a movimentação no governo. O ex- ministro de Minas e Energia Nelson Hubner, que ficou interinamente no cargo de maio de 2007 a janeiro de 2008, foi alvo da atenção do empresário. Tudo por conta da atuação de Hubner no leilão da Usina de Santo Antônio, do Rio Madeira, que interessava à construtora. Marcelo Odebrecht escreveu: “Alex, o Hubner está querendo jogar o PR ( presidente Lula) contra nós. Importante você fazer essa mensagem chegar no seminarista ( Gilberto Carvalho) ainda hoje”.

Por influência ou não da Odebrecht, Hubner deixou o cargo. Após a saída dele, um dos funcionários da Odebrecht escreve sobre os nomes que podem assumir a secretaria executiva da pasta. Eles avaliam o nome do ex- presidente da Eletronorte José Antônio Muniz Lopes. Um diretor da Odebrecht menciona a proximidade de Muniz Lopes com a Camargo Corrêa, o que preocupava Marcelo, que escreve: “Existe ( sic) condições pelo histórico de trazê- lo para o nosso lado, ou pelo menos deixá- lo neutro? Caso não haja condições, é melhor queimá- lo logo”, orienta.

Marcelo também tinha interesse na rotina do Alvorada. Em outubro de 2007, numa outra troca de e- mail com o então presidente da Vale, Roger Agnelli, ele sugeriu ajudar na reforma do local. “Vamos evoluir na reforma do pátio do Alvorada? Se precisar de ajuda para definir qual pedra é a mais adequada, me avise”. A Vale fazia obras no Alvorada na época.

Amenidades também passavam pelo crivo de Marcelo. Em maio de 2011, às vésperas de viagem com Lula ao Porto de Mariel, em Cuba, o empresário definiu com funcionários quem receberia presentes da empreiteira na viagem. O 1 º da lista era o presidente Raúl Castro, que faria aniversário em 3 de junho. Os também seriam dados a Pedro Perera, das Forças Armadas de Cuba; Rodrigo Malmierca, ministro do Comércio Exterior de Cuba; e ao embaixador brasileiro no país, José Felício.