O FGTS e a injustiça social

Nilson Teixeira

26/08/2015

A Câmara dos Deputados aprovou, na semana passada, o projeto de lei que trata da alteração da remuneração do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). A medida eleva o rendimento dos novos depósitos a partir de 2016 dos atuais TR + 3% por meio de um escalonamento: TR + 4% no ano seguinte à sanção da medida, TR + 4,75% no segundo ano, TR + 5,5% no terceiro e, a partir daí, de acordo com os mesmos parâmetros fixados para a poupança. Os depósitos mensais efetuados pelos empregadores permaneceram em 8% do salário pago aos empregados. A mudança será, agora, discutida e votada no Senado.

O FGTS, criado em 1966, é constituído de contas abertas para cada cidadão com contrato de trabalho formal no setor privado e também para trabalhadores rurais e empregados domésticos, entre outras categorias. Essa poupança forçada pode ser sacada em algumas situações: demissão sem justa causa, aposentadoria, aquisição de imóvel novo ou usado, construção, amortização de financiamento habitacional e doenças graves.

A utilização dos recursos foi ampliada em 2007, com a criação do Fundo de Investimento FGTS (FI-FGTS), administrado pela Caixa, para direcionar recursos para a construção, ampliação ou implantação de empreendimentos de infraestrutura em rodovias, portos, hidrovias, ferrovias e obras de energia. Esse fundo pode realizar aplicações em participações societárias, dívidas corporativas, certificados de recebíveis imobiliários, derivativos, títulos públicos e fundos imobiliários, de crédito e de participações.

Proposta aprovada na Câmara para novos depósitos vai na direção certa, mas é insuficiente para mudar a situação

O saldo das contas vinculadas alcançou cerca de R$ 300 bilhões no fim de 2014, com a arrecadação bruta superando R$ 100 bilhões. Os dispêndios do FGTS ultrapassaram R$ 140 bilhões em 2014, dos quais um valor superior a R$ 85 bilhões foi sacado pelos beneficiários e mais de R$ 55 bilhões foram aplicados no crédito habitacional e no financiamento de obras de saneamento e infraestrutura.

Infelizmente, o projeto de lei aprovado na Câmara dos Deputados não garante a atualização pela inflação e muito menos a remuneração que o Tesouro Nacional paga aos compradores dos títulos públicos, supostamente o instrumento financeiro de menor risco disponível no país. Um trabalhador que recebeu um salário mínimo por mês desde 2000 e não sacou seu FGTS teria cerca de R$ 7,8 mil em sua conta em julho de 2015. Caso tivesse sido remunerada pela inflação IPCA, essa conta teria quase R$ 9 mil. Se supusermos uma remuneração próxima à que o Tesouro paga aos compradores dos seus títulos, o saldo dessa conta alcançaria algo em torno de R$ 13 mil.

Argumenta-se que uma remuneração mais elevada impediria a concessão de financiamentos subsidiados para o programa Minha Casa, Minha Vida e o financiamento a juros baixos para os mutuários do sistema habitacional. Embora eu entenda que subsidiar o programa Minha Casa, Minha Vida seja justo, querer prover subsídios e benefícios sociais com o FGTS não é. Essa não é sua função. Cabe ao Congresso e ao governo alocarem dotação orçamentária para garantir, quando necessário, esses subsídios.

Do mesmo modo, o objetivo do FI-FGTS pode ser considerado aceitável por alguns. Porém, o setor público tem instituições mais adequadas para alocar esses recursos do que a estrutura existente. De fato, não me parece ser a função do FGTS prover esses benefícios.

Como contrapartida à aprovação de uma maior remuneração do FGTS do que a aprovada na Câmara dos Deputados, o Senado e o governo poderiam propor: o fim do mecanismo de abono salarial, a cobrança de imposto de renda sobre os ganhos dos depósitos nas contas do FGTS, o fim da multa de 40% do FGTS cobrada das empresas no caso de demissão sem justa causa e o fim da multa de 10% sobre o valor desse saldo em benefício do próprio fundo. Essas medidas caberiam muito bem na Agenda Brasil, em gestação no Senado, nas áreas referentes à Reforma Trabalhista e à redução do Custo Brasil.

O FGTS é um dos exemplos de instrumento de poupança forçada criado para supostamente proteger os trabalhadores em momentos de maiores dificuldades, sob a premissa de que o trabalhador menos qualificado não saberia fazer a alocação de recursos de sua poupança de forma eficiente. Portanto, o setor público precisaria fazer as escolhas certas pelos trabalhadores no que se refere à formação de uma reserva pessoal.

Além de essa última hipótese ser equivocada, as alternativas propostas pelo governo nas últimas décadas não têm trazido ganhos inequívocos. Ao contrário, os saldos das contas de FGTS têm perdido uma parte significativa do seu valor, em termos reais. Por exemplo, os depósitos realizados na década de 80 e que não foram sacados durante aquele período foram dilapidados pela alta inflação e pelos muitos planos econômicos implementados naquela época. Essas perdas, de uma forma ou de outra, têm tido como contrapartida as vantagens obtidas por pessoas físicas e por empresas com menos necessidade do que a maioria dos portadores de contas do FGTS. Isso é mais um claro exemplo das distorções e políticas regressivas do país.

Os instrumentos de poupança oferecidos aos mais pobres, mesmo considerando as novas regras aprovadas na Câmara dos Deputados para o FGTS, continuam não protegendo essa reserva nem contra a inflação. Essa é mais uma das razões para a baixa taxa de poupança no país. A proposta aprovada na Câmara para os novos depósitos é um passo na direção certa, mas insuficiente para mudar essa situação. É necessário muito mais para reduzir essa injustiça social.

Valor econômico, v. 16, n. 3828, 26/08/2015. Opinião, p. A13