Ainda dá tempo de mudar 2030

 

GARY STAHL

 

“O que fizemos de errado? Por que não podemos viver como as outras crianças do mundo?”, pergunta o pequeno Ali, de 9 anos, um dos 1,8 milhão de crianças afetadas pelo conflito do Iêmen. O futuro de Ali e outras crianças que sofrem com pobreza, exclusão e conflitos em todo o mundo começará a ser traçado nesta semana na Assembleia Geral da ONU, em Nova York.

ANDRÉ MELLO

Líderes de mais de 150 países, inclusive o Brasil, deverão se comprometer nesse evento a adotar a chamada Agenda Pós- 2015, considerada uma das mais ambiciosas da história da diplomacia internacional. A partir dela, as nações trabalharão para cumprir 17 compromissos para acabar com a extrema pobreza, resolver a questão ambiental e reduzir as desigualdades e a injustiça até 2030. Em outras palavras, impedir que as projeções mais sombrias se transformem em realidade nos próximos 15 anos.

Mas podemos construir esse 2030 para as novas gerações? A experiência recente mostra que uma agenda global com objetivos e indicadores comuns pode gerar resultados. Em 2000, 188 países e o Brasil concordaram em cumprir oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio ( ODMs) para melhorar, até 2015, as condições de vida de pessoas em todo o mundo em comparação a 1990. Hoje, sabemos que parte desse progresso foi alcançado. Um exemplo é o número de pessoas vivendo na extrema pobreza no mundo, que caiu pela metade.

No entanto, ainda vivemos em um mundo extremamente desigual, com problemas sociais e ambientais. Mais de 60% da população de 1 bilhão de pessoas extremamente pobres vivem em apenas cinco países. A escassez de água afeta 40% da população mundial e as projeções apontam para o agravamento da situação, o que afetará especialmente os mais excluídos.

É nesse novo cenário que a mobilização dos ODMs dará lugar, a partir deste mês, à Agenda Pós- 2015. Com ela, o mundo se mobilizará para alcançar os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável ( ODSs) até 2030. São metas que tratam de questões tão diversas quanto importantes para a vida no planeta, como pobreza, desigualdade, meio ambiente, educação inclusiva, consumo e produção, cidades sustentáveis. Diferentemente dos objetivos da virada do milênio, as novas metas integram dimensões econômicas, sociais e ambientais do desenvolvimento e envolvem tanto os países pobres quanto os ricos.

No centro dessa nova pauta global está o enfrentamento das desigualdades. E não poderia ser diferente. Desigualdades geram instabilidade econômica, minam a coesão social, impedem o desenvolvimento de nações, comunidades e indivíduos. Sem reduzir as desigualdades, não há como avançar com as demais agendas.

As desigualdades são ainda mais implacáveis com as crianças, mais vulneráveis quando a população em geral não possui elementos essenciais como alimentos, água, saneamento e atenção à saúde. São elas as primeiras a morrer quando as necessidades básicas não são atendidas.

Por essa razão, construir um 2030 justo e sustentável significa colocar as crianças no centro da nova agenda. Como queremos que elas sejam os agentes de transformação no futuro se falhamos com elas no presente, negando seus direitos à educação, à saúde e à proteção?

Além disso, não faltam evidências mostrando que investir na infância tem um impacto no desenvolvimento das nações. Veja como exemplo a evolução do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal ( IDH- M) no Brasil: entre 1991 e 2010, os indicadores relacionados a crianças e adolescentes, comparados aos indicadores da população adulta ou geral, tiveram um grande crescimento e influenciaram dimensões como a educação e a longevidade.

O Brasil tem um papel central nessa nova agenda. Nas últimas décadas, o país deu mostras inegáveis de sua capacidade de reduzir o abismo entre pobres e ricos, de prevenir as mortes de suas crianças pequenas e avançar em seus indicadores de educação. Conseguiu, por exemplo, cumprir integralmente e antes do prazo dois ODMs: reduziu a fome pela metade antes de 2015 em relação aos níveis de 1990 e também a mortalidade infantil em dois terços.

Porém, ainda enfrenta grandes desafios. Entre eles, o de garantir que os avanços na educação e saúde cheguem aos mais excluídos e impedir o assassinato de adolescentes negros, um problema que coloca o país em segundo lugar no ranking mundial de assassinatos de pessoas nessa faixa etária.

A história que será contada a partir deste mês de setembro é a da busca de um novo modelo de desenvolvimento, capaz de garantir os direitos de crianças e adolescentes de hoje e suas famílias sem comprometer o futuro de novas gerações.

Não há dúvidas de que uma agenda ambiciosa trará grandes desafios para os países. O monitoramento das metas e o financiamento das ações estão entre as questões ainda a ser definidas. No entanto, uma coisa é certa: se não formos capazes de cumprir os compromissos da nova agenda global, teremos perdido a oportunidade de mudar a história de 2030. Para o pequeno Ali e todas as crianças do mundo. Sem exceção.