Título: Arrocho no orçamento
Autor: Bonfanti, Cristiane ; Dinardo, Ana Carolina
Fonte: Correio Braziliense, 18/09/2011, Economia, p. 14

Inflação em alta e medo de desemprego levam as famílias de classe média a retirar produtos dos carrinhos de supermercados, inclusive alimentos, e a reduzir as despesas com lazer. Temor é de perder parte das conquistas dos últimos anosNotíciaGráfico

A dona de casa Maria José Lopes Faria, 58 anos, se acostumou com tempos de bonança. Beneficiada pelo movimento que levou mais de 40 milhões de pessoas à nova classe média desde 2001, ela não apenas passou a ter acesso a produtos que antes não estavam ao seu alcance, como conseguiu concretizar um sonho acalentado por mais de 20 anos: construir a casa própria. O rompimento dessa fronteira não foi, porém, uma garantia de manutenção do poder de compra. Hoje, com a crise mundial no horizonte e o temor do desemprego de volta, Maria José e os outros 105,4 milhões de brasileiros, mais da metade da população nacional com renda familiar entre R$ 1,2 mil e R$ 5,1 mil, sentem no bolso o mal da inflação. A escalada dos preços, principalmente de alimentos e serviços, está corroendo o orçamento dessa gente.

Nos últimos 12 meses, o custo da alimentação e das bebidas saltou 10,41%, bem acima da inflação média do período, de 7,23%. O vestuário e o transporte também subiram: 9,37% e 5,67%, respectivamente. No caso da moradia, a elevação foi de 6,42%. Diante dessa realidade, as famílias da classe média ¿ que se tornaram mais exigentes nos últimos tempos, lotaram supermercados, passaram a viajar de avião e a comprar computadores, carros e imóveis ¿ terão de rever os hábitos.

Maria José já está sentindo o baque da mudança. Em sua casa, são cinco pessoas sustentadas por uma renda total de R$ 4 mil por mês. Para se adequar a um cenário que preocupa o Brasil e ameaça empurrar milhões de pessoas de volta para a pobreza, ela passou a controlar as despesas na ponta do lápis. "Estamos gastando mais com alimentação. Não posso cortar, por exemplo, as frutas da minha neta. O jeito foi diminuir as viagens a deixar faltar produtos na mesa", diz.

Motivos não faltam para tamanha cautela. Dados do Data Popular revelam que os compromissos mais pesados da classe média estão relacionados justamente às categorias mais impactadas pela inflação. Alimentação, habitação e transportes consomem, juntos, 62% do orçamento dos lares. O impacto final da inflação, contudo, varia bastante. Marcelo Neri, coordenador do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV), explica que a alta dos serviços, que incluem viagens, hotelaria e restaurantes, prejudica, sobretudo, os menos abastados. "Cada 10% de aumento na inflação implicam queda de 6% no poder de compra da população que está no topo da pirâmide, nas classes A e B. Nas demais, com esse mesmo aumento nos preços, o poder de consumo cai 8%", calcula.

Tendência Até para ficar bela está mais caro. Nos últimos 12 meses, serviços pessoais, que incluem cabeleireiro, manicure e costureira dispararam 11% ¿ os serviços, em geral, subiram 9%. Os números já pesam no bolso das mulheres da classe média. Estima-se que 60% delas frequentem salões de beleza regularmente. Entre 2002 e 2011, o gasto desse público com beleza saltou 228%, de R$ 6 bilhões para R$ 19,7 bilhões.

As perspectivas não são boas. Para Elson Teles, economista-chefe da Máxima Asset Management, a alta nos serviços tende a se manter. "As elevações devem continuar acima da inflação", prevê. Ele observa, ainda, que o reajuste do salário mínimo aguardado para o início de 2012, de 13,6%, pressionará mais os preços, pois os prestadores tendem a repassar tal correção à clientela. "Pessoas que ascenderam à classe média e passaram a consumir com vigor devem sofrer. A remuneração aumenta e, consequentemente, cresce também a procura por bens. Mas a oferta não acompanha", diz. Na economia, o resultado dessa equação é óbvio: mais inflação.

Menos luxo Ninguém, contudo, assiste ao aumento de preços parado. A reação dos consumidores às turbulências no mercado costuma ser imediata, explica Renato Meirelles, sócio-diretor do Instituto Data Popular. Primeiro, em vez de abrir mão de uma certa categoria de artigos, o brasileiro opta por itens mais baratos. "Em todas as classes sociais, antes de excluir algo do carrinho de compras, a opção é trocar a marca. Mas isso também é diferente em cada camada da população", diz.

Para driblar os aumentos dos preços, as famílias da classe média trocam os produtos mais caros pelos mais em conta no caso dos produtos supérfluos ¿ entram na lista requeijão, iogurte, sobremesas, leite, congelados, biscoitos, sorvetes e geleias. As da classe A, por sua vez, fazem a migração, mas apenas dos produtos de limpeza e da cesta básica, como arroz, feijão e macarrão. Elas preferem manter a qualidade nas categorias que lhes dão status social. "No caso da classe D, o impacto é maior. Em vez de comprar dois quilos de carne, leva-se apenas um para casa", observa Meirelles.

Troca de marcas Na visão de especialistas, os brasileiros precisam se preparar. Se os preços continuarem a subir, para fechar as contas no fim do mês, em vez de apenas trocar as marcas, a classe média terá que suprimir itens da lista de compras. Para não tirar o alimento da mesa, primeiro deverá cortar o lazer, que responde por apenas 2% do orçamento, conforme números do Data Popular. É justamente o que a família de Maria José já está fazendo. "Eu e meu irmão íamos todo fim de semana a shoppings e a barzinhos. Gastávamos sem nos preocupar. Mas, agora, a diversão teve de ser sacrificada. Estamos saindo só uma vez por mês", diz Andrezza Lopes Faria, 24 anos, filha mais nova da dona de casa.

Nesse novo contexto econômico, o comércio também já sabe que venderá menos para a classe média. "Bens de maior valor agregado, como automóveis e eletroeletrônicos de última geração, já não estão saindo tanto", reconhece o presidente da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), Roque Pellizzaro Junior. Ele explica que a redução do prazo dos financiamentos faz com que a prestação se eleve acima da capacidade de pagamento de parte expressiva dos consumidores.

O professor de finanças da FGV e da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP) Fábio Gallo Garcia, ressalta que os brasileiros não imaginam o que vem pela frente. A dica, diz, é colocar as contas no lugar: "As despesas contornáveis devem ser revistas, como a academia de ginástica e as idas ao cinema", ressalta. O conselho de Cristina Helena Pinto de Mello, professora da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), é para que os brasileiros não façam novos compromissos no fim do ano. O 13º salário, por exemplo, pode ser guardado para emergências. "O momento é de cuidado, de alerta. O brasileiro deve pensar mais antes de tomar decisões e deve gastar com consciência para não se colocar em situação difícil", analisa.

(Colaborou Vânia Cristino)