Correio braziliense, n. 19090, 01/09/2015. Política, p. 2

 

CPI perde a viagem (mais uma vez)

JOÃO VALADARES
EDUARDO MILITÃO

 
Deputados vão a Curitiba e gastam quatro horas para tentar ouvir cinco acusados de desvios na Petrobras entre eles o ex-ministro José Dirceu que nada esclareceram às investigações. Custo da apuração realizada na Câmara é um mistério.

A CPI da Petrobras perdeu a viagem no primeiro dia da visita a Curitiba. Ontem, 11 deputados ficaram das 9h às 13h tomando depoimentos de cinco pessoas que não queriam falar, mas, no máximo, sorrir para os parlamentares. O ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, executivos da empreiteira Andrade Gutierrez, e o ex-diretor da Petrobras Jorge Zelada e outros presos na Operação Lava-Jato nada explicaram aos parlamentares.

A Câmara não informou ao Correio quanto custou a viagem, nem a previsão de gastos. Também não esclareceu quanto custou a primeira missão a Curitiba, em maio, quando os deputados assistiram à doleira Nelma Kodama mostrar os bolsos traseiros de sua calça jeans para exibir onde escondia dinheiro lavado de esquemas de corrupção. Ontem, a Câmara só respondeu a um pedido do jornal — feito 30 dias antes — em que afirma que as despesas da CPI foram de apenas R$ 257 mil, embora os gastos com a investigação da Kroll sejam de mais de R$ 1 milhão e somente a acareação de delatores na semana passada tenha custado R$ 180 mil.

Até o momento, a CPI não avançou nas investigações da Lava-Jato feitas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público. A não ser quando o quesito é investigar contas bancárias de delatores e alguns suspeitos. O advogado do doleiro Alberto Youssef, Antônio Figueiredo Basto, critica a comissão e diz que seu objetivo é desacreditar os denunciantes que colocam políticos sob a mira da Justiça.

Ontem, integrantes da CPI defenderam a viagem a Curitiba. Um deles disse ao Correio que é mais barato mandar os parlamentares para o Paraná do que receber os presidiários em Brasília. Citou o exemplo de Youssef e do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa. A acareação deles custou R$ 180 mil, segundo disseram os parlamentares na ocasião. E a única novidade foi a informação dada pelo doleiro de que um novo delator esclareceria uma acusação de Paulo Roberto. Ele afirmou que o ex-ministro da Casa Civil Antônio Palocci pediu R$ 2 milhões para a campanha da presidente Dilma Rousseff de 2010.

Risada
O deputado Altineu Cortes (PR-RJ) tentou quebrar o silêncio do investigado João Antônio Bernardi. Ele disse que “ladrão que rouba ladrão tem 100 anos de prisão”. Bernardi deu uma risada. Depois, sorriu para a deputada Eliziane Gama (PPS-MA), em vez de responder suas perguntas sobre um assalto de R$ 100 mil que sofreu, quando, segundo o Ministério Público, a propina foi perdida.

Hoje, a CPI tenta ouvir o presidente da Odebrecht, Marcelo Bahia Odebrecht; os executivos da empreiteira Márcio Faria, Rogério Araújo, Alexandrino Alencar e César Rocha; e o gerente da Petrobras Celso Araripe.

Passagens aéreas
Por meio da Lei de Acesso à Informação, a Câmara disse que, até o dia 27, a CPI da Petrobras havia gastado R$ 257.432,82 com passagens, diárias, hospedagens e serviços de tradução. No entanto, os gastos são bem maiores. Só com a contratação da Kroll, por exemplo, o colegiado torrou R$ 1 milhão. Na conta oficial, também foram omitidos despesas com gráfica. Os deputados receberam, em diária, R$ 97,1 mil. O maior gasto foi com passagens aéreas. No total, a Câmara desembolsou R$ 140 mil. No entanto, só com a acareação de Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef, de acordo com integrante da própria CPI, pagou R$ 180 mil para trazê-los até Brasília.

O jornal pediu todas as despesas, incluindo contratação de empresas terceirizadas para serviços específicos. Na resposta, a CPI informou que não tinha acesso a todos gastos. “Quanto às demais informações solicitadas, a CPI não dispõe dos dados, devendo estes ser buscados nos órgãos administrativos da Câmara dos Deputados com atribuições de ordenadores das despesas respectivas.”

O colegiado também comunicou que “o serviço de Comissões Parlamentares de Inquérito não realiza controle setorizado de despesas com materiais de expediente (tal como papel e caneta etc.) tendo em vista que o consumo desses itens no âmbito da Coordenação de Comissões Temporárias se dá de maneira compartilhada entre comissões especiais, externas e parlamentares de inquérito”.

Os gastos milionários da CPI contrastam com a pouca eficácia do trabalho realizado. Após seis meses de funcionamento, o colegiado não conseguiu avançar em relação à investigação da Operação Lava-Jato.
Como mostrou o Correio em 2 de agosto, os trabalhos da Justiça Federal, do Ministério Público e da Polícia Federal renderam 31 pessoas condenadas, 138 denunciadas, 94 prisões, R$ 870 milhões recuperados e R$ 2,4 bilhões bloqueados em contas bancárias os parlamentares não conseguem revelar nenhuma novidade ao Brasil. Paralelamente, a CPI acumula reuniões com baixos resultados.

Acareações canceladas, depoentes em silêncio, repetição de informações já conhecidas pela Justiça, ausência de análise de quebra de sigilos importantes, blindagem aos grandes empreiteiros e protelação de depoimentos de peças-chaves na engrenagem da corrupção. Quebras de sigilo bancário não renderam informações relevantes.
O oficial é assim
Gastos que a Câmara diz ter feito com a CPI da Petrobras
Passagens aéreas R$ 140.007,87
Diária R$ 97.123,95
Taxas de embarque e desembarque R$ 15.894,96
Hospedagem R$ 1.871,64
Alimentação R$ 64,40
Tradução simultânea R$ 2.400,00
Total 257.432,82

Dirceu pede transferência
O ex-ministro da Casa Civil José Dirceu elogiou a Polícia Federal ontem por meio de seu advogado, Roberto Podval, ao pedir a transferência para uma cela de um presídio mais espaçoso. Em pedido ao juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, Sérgio Moro, ele afirma que está sendo bem tratado na carceragem da Superintendência da PF no bairro Santa Cândida, na região norte da capital paranaense. “O peticionário e estes defensores gostariam de consignar, desde já, a maneira impecável com que estes profissionais desenvolvem seus trabalhos”, afirmou a defesa. “A carceragem tem boas condições e a atuação dos agentes federais que ali trabalham sempre foi cordial e respeitosa, conferindo, ao peticionário, tratamento absolutamente digno.”

No entanto, o espaço é considerado apertado. A carceragem não permite os mesmos benefícios de um presídio, como visitas familiares mais longas e espaços mais abertos, como os para banho de sol. Por isso, Podval pede a Moro que Dirceu seja transferido para o Complexo Médico Penal, em Pinhais, uma penitenciária na região metropolitana de Curitiba, onde estão outros investigados da Lava-Jato.
No primeiro dia, ao chegar à carceragem, no início de agosto, Dirceu perguntou aos policiais quais eram as regras do local. “Sou uma pessoa disciplinada”, afirmou ele, de acordo com fontes ouvidas pelo jornal. O ex-ministro se dedica à leitura na Superintendência. (EM e JV).