Correio braziliense, n. 19090, 01/09/2015. Economia, p. 6

 

Rombo de R$ 30,5 bi põe país perto de caloteiros

 

ROSANA HESSEL
Governo encaminha Orçamento de 2016 ao Congresso com previsão de deficit. É a primeira vez que isso acontece na história. Dilma pede a deputados da base aliada que aprovem o projeto e ajudem a buscar receitas para evitar nono vexame.

A proposta para o Orçamento de 2016 entregue ontem pelo governo ao Congresso prevê aumento de R$ 104,8 bilhões na despesa total enquanto a receita deverá crescer R$ 76,5 bilhões, o que resultará em um rombo de R$ 30,5 bilhões, o equivalente a 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB). A falta de cortes mais drásticos nos gastos, segundo analistas, elevou o risco do rebaixamento do país, ameaça que puxou o dólar para cima e derrubou a bolsa de valores.

Apesar de desistir da volta da CPMF, o governo pretende ampliar a arrecadação em mais R$ 11,2 bilhões com aumento de impostos e obter R$ 37,3 bilhões com a venda de ativos, como imóveis e participações acionárias, além de concessões na área de infraestrutura. Nem assim, o país conseguirá sair do vermelho. Ao que tudo indica, serão três anos seguidos de deficit fiscal, fato inédito desde 1997, quando o país optou por buscar o equilíbrio das contas públicas.

A peça orçamentária foi entregue ao Congresso pelos ministros Joaquim Levy (Fazenda) e Nelson Barbosa (Planejamento). Logo depois, a presidente Dilma Rousseff se reuniu com deputados da base aliada para pedir apoio ao projeto, sobretudo na busca de receitas que possam reverter o rombo. Os números são preocupantes. Com deficit, a dívida bruta, que pode ser determinante para que o país perca o selo de bom pagador, subirá de 65,5% do PIB neste ano para 68,4% em 2016 e para 68,8% em 2017.

É a primeira vez na história que o governo entrega um Orçamento prevendo deficit. Para o jurista Ives Gandra Martins, nesses termos, a proposta fere os artigos 165 a 169 da Constituição. “Teria que haver cortes para que o Orçamento fosse equilibrado”, destacou. Já para José Roberto Afonso, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV) e professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) não proíbe que a proposta orçamentária apresente deficit primário.

Barbosa saiu em defesa do governo e negou que haja irregularidade no envio, ao Congresso, de uma proposta orçamentária que preveja deficit fiscal. “A Lei de Responsabilidade Fiscal estabelece que você tem que mandar o Orçamento como uma meta, não estabelece se tem de ser positivo ou negativo. Por isso, não há problema em uma meta negativa”, enfatizou. No entender dele, entregar um Orçamento com um rombo passa uma imagem realista para o mercado financeiro. “É um orçamento realista, e há soluções para enfrentar esse deficit”, frisou.

Desprestigiado no governo, o vice-presidente da República, Michel Temer, em um seminário em São Paulo, criticou o aumento de impostos, ao fazer uma referência à tentativa do Planalto de recriar a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). “Ninguém quer carga tributária mais elevada. Ninguém suporta mais isso”, disse. “A sociedade vai aplaudir se os gastos forem cortados, mas a volta da CPMF, a sociedade não aplaude”, completou.

Segundo o ministro do Planejamento, as ações para enfrentar o buraco de R$ 30,5 bilhões passam pelos gastos, que têm 90% de caráter obrigatório ou semi-obrigatório. “A redução das despesas envolve medidas legais que precisam ser enviadas ao Congresso. Em paralelo a esse Orçamento, temos ações para construir reformas de longo prazo, políticas de longo prazo, para controlar os principais gastos da União, assegurou, ressaltando que é possível controlar esses gastos e, ainda assim, atender às demandas da população.

Barbosa destacou ainda que a proposta orçamentária prevê deficit primário do setor público consolidado seja negativo em 0,34% do PIB em 2016. Como o deficit projetado para a União é de 0,5%, o projeto encaminhado ao Congresso embute expectativa de saldo positivo de estados e municípios. Para 2017, a projeção é de um superavit primário de 1,3% do PIB e, para os dois anos seguintes, de 2% do PIB a cada exercício.

Pode piorar

Apesar do discurso de Barbosa e Levy, a reação dos especialistas foi ruim. Para o economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini, o governo “conseguiu piorar o que estava ruim” e, por conta disso, a perda do grau de investimento do país será inevitável. “Isso causa preocupação, porque não é o protocolo. A dúvida agora é se o deficit será apenas de R$ 30,5 bilhões. É bem provável que seja bem maior do que isso”, destacou.

Questionado sobre o risco de rebaixamento, Barbosa disse que o importante é ter um orçamento realista e tomar as medidas necessárias. “Temos uma situação fiscal mais difícil neste ano e no próximo, mas as condições não mudaram. Continuamos um país com grande potencial de desenvolvimento”, afirmou. A proposta é “transparente e provoca reflexão, no momento em que o Brasil enfrenta uma mudança significativa do ambiente econômico”, completou Levy, que demonstrou bastante desconforto durante o anúncio, já que tinha um compromisso em São Paulo e teve que obedecer a presidente Dilma e participar da entrevista ao lado do titular do Planejamento.

PIB de 0,12%
Depois de prever queda de 1,8% no PIB deste ano, o governo estima crescimento modesto de 0,2% em 2016. O Orçamento do próximo ano estará mais engessado, pois as despesas discricionárias, que o governo não pode cortar, somarão R$ 250, 4 bilhões. Desse montante, R$ 42,4 bilhões serão destinados ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que inclui o programa Minha Casa Minha Vida (R$ 15,6 bilhões). O deficit nominal, de acordo com a peça orçamentária, deve representar 7% do PIB, neste ano; 5,86%, em 2016; e 3,54%, em 2017.

Mínimo de R$ 865,50

ANTONIO TEMÓTEO
O salário mínimo será reajustado em 9,83% em 2016 e chegará a R$ 865,50, conforme o Orçamento de 2016 encaminhado ao Congresso Nacional pelo governo. Esse aumento impactará as contas da Previdência Social. Analistas estimam que, a cada R$ 1 de alta no piso da renda dos brasileiros, os gastos do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) aumentam em R$ 300 milhões. Com a revisão, que significará um acréscimo de R$ 77,50, a despesa com benefícios terá uma expansão de R$ 23,25 bilhões.

Além da alta no salário mínimo, as contas da Previdência serão impactadas pelo aumento do desemprego e pela queda de faturamento das empresas. Menos contribuições serão feitas e a despesa aumentará significativamente. O ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, estimou que serão gastos R$ 491 bilhões com o pagamento benefícios e serão arrecadados apenas R$ 366,1 bilhões. Com o isso, o rombo do INSS no próximo ano será de R$ 124,9 bilhões e corresponderá a 2% do Produto Interno Bruto (PIB).

Dados do próprio Planejamento apontam que a necessidade de financiamento em relação à geração de riquezas no país registrará a quinta alta consecutiva. Já deficit total projetado para o Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) dos servidores civis da União e de militares para 2016 é de R$ 69,97 bilhões. Esse montante corresponde a 1,12% do PIB previsto para 2016, o que representa queda de 1,19% em relação a estimativa para 2015. O ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, detalhou que 40% das despesas obrigatórias do governo correspondem aos gastos com o INSS e será necessário endurecer as regras concessão de benefícios para que o sistema seja sustentável a longo prazo.

Idade mínima

Uma das propostas a serem apresentadas pelo governo é a instituição e idade mínima para a aposentadoria. Isso deverá ser levado ao Fórum de Debates sobre Políticas de Emprego, Trabalho e Renda e de Previdência Social a partir de amanhã. Participarão das discussões ministros e representantes de centrais sindicais. Conforme Barbosa, o governo está empenhado em diminuir gastos, mas algumas medidas dependem de mudanças legislativas. “Precisamos repensar a Previdência, a saúde e a educação”, comentou.

O governo também apresentou as expectativas de reajustes do salário mínimo para os próximos anos. Em 2017, o Executivo estimou que a o piso da renda mensal dos brasileiros será de R$ 910,40, em 2018 de R$ 957,80 e em 2019 de R$ 1.020,80. As estimativas levam em conta as projeções de inflação do ano anterior e o resultado do PIB de dois anos antes.