O globo, n.30.012, 08/10/2015. Economia, p.19

Fracasso no leilão de petróleo

 

Sem Petrobras e grandes estrangeiras, ANP concede 14% dos blocos, pior resultado desde 2003

 

“A Petrobras tem sido a grande locomotiva dos leilões. E isso pode ter impactado a participação das estrangeiras” Magda Chambriard Diretora- geral da ANP

Sem a presença da Petrobras, o leilão de petróleo da ANP vendeu apenas 14% dos blocos. O governo previa arrecadar R$ 1 bilhão, mas só conseguiu R$ 121 milhões. Além da crise na estatal, uma nova regra para grandes campos, que geraria mais receita para o governo, afastou os interessados. - RIO E BRASÍLIA- Sem a participação da Petrobras e de grandes petroleiras estrangeiras, a 13 ª Rodada de Licitações da Agência Nacional do Petróleo ( ANP) foi considerada um fracasso por fontes de governo. De 266 blocos oferecidos ontem, apenas 37 foram arrematados, o equivalente a 14% do total. Trata- se do pior resultado desde a 5 ª Rodada, em 2003, quando apenas 11% dos blocos foram concedidos. Foi a primeira vez na história que a Petrobras ficou de fora de um leilão promovido pela agência. Para analistas e empresários, a queda no preço do petróleo para um patamar de US$ 50, a crise da estatal, que a obrigou a cortar investimentos, e mudanças nas regras da disputa justificam o resultado. O edital do leilão da ANP permite tratar campos próximos de petróleo como uma única área produtora. Com isso, como a produção é maior, incidem mais taxas governamentais, como royalties e participações especiais. O governo ganharia com a maior arrecadação, mas isso reduz os ganhos das petroleiras, que enfrentam situação econômica delicada.

ANTONIO SCORZADesacerto. Magda Chambriard, diretora- geral da ANP, observa protesto de índios no início da 13 ª Rodada de Licitações. Para ela, resultado da disputa ficou abaixo das expectativas

Desta forma, o certame gerou R$ 121,1 milhões em bônus de assinatura e investimentos mínimos obrigatórios de R$ 216 milhões. A previsão do governo era arrecadar R$ 1 bilhão com a disputa. Como parâmetro, se todas as áreas tivessem sido arrematadas, o leilão teria gerado uma arrecadação, com base no bônus mínimo, de R$ 978 milhões. Das dez bacias ofertadas, seis não receberam proposta: CamamuAlmada e Jacuípe ( Bahia), Espírito Santo, Campos ( Rio de Janeiro), Amazonas e Pelotas ( Rio Grande do Sul).

Magda Chambriard, diretora- geral da ANP, reconheceu que o resultado ficou abaixo do esperado. O fato de a Petrobras não ter participado, destacou ela, acabou afugentando as estrangeiras. Indagada sobre a ausência da Petrobras, Magda disse que “a locomotiva” não entrou na disputa:

— O resultado ficou aquém do esperado. O que deu errado terá de ser avaliado. Não fizemos estimativa de bônus para esta rodada. E já dizíamos que seria uma rodada com expectativas bem moderadas. Tenho certeza de que o atual nível de preço do petróleo pesou. E a ausência da Petrobras também. A Petrobras tem sido a grande locomotiva dos leilões no país. As estrangeiras querem e pleiteiam a parceria da Petrobras no leilão. E isso pode ter impactado a participação dessas estrangeiras. Em 13 anos de ANP, perdi a conta do número de empresas que querem ser best

friend da Petrobras.

ANALISTAS DEFENDEM MUDANÇA DE REGRA

A grande expectativa era a participação da Petrobras. Segundo uma fonte, os membros do Conselho de Administração da estatal só foram avisados de que ela não participaria do certame durante o evento. Marco Antônio Almeida, secretário de Petróleo do Ministério de Minas e Energia, disse que a companhia não avisou o governo de que ficaria fora da disputa.

— O entrave foi a mudança no edital que permite que os campos sejam tratados como um único campo. Isso eleva taxas e custos. Na diretoria da Petrobras, esse foi o principal fator que pesou na decisão de não participar — disse uma fonte.

Um documento elaborado pelo Instituto Brasileiro do Petróleo ( IBP) e entregue à ANP durante audiência pública da 13 ª Rodada já questionava a nova regra.

— Houve pedidos de alteração do edital do leilão. E essa mudança pode ter afugentado as empresas — disse uma fonte.

Para Antônio Guimarães, secretárioexecutivo do IBP, creditar o resultado à ausência da Petrobras é botar peso demais sobre a estatal para justificar o fato de as grandes estrangeiras terem ficado de fora:

— Poderia ter sido melhor. Tem que ver que aprimoramentos, de regulação ou de contratos, precisam ser feitos. Não dá para atribuir a um fator único. Algo precisa ser feito para recuperar a atratividade. Vários países vêm mudando suas legislações.

John Forman, presidente da JF Consultoria e ex- diretor da ANP, diz que as condições do mercado explicam o resultado:

— Com o preço do petróleo baixo, as possibilidades de receita são limitadas. Para empresas menores, o dinheiro está escasso e caro. Os blocos em oferta têm estimativas de recursos mais modestas. Isso não motiva as grandes empresas.

Indagada sobre as mudanças pleiteadas pelo setor privado, que envolvem reavaliação de condições contratuais e alteração nos percentuais exigidos de conteúdo nacional, Magda disse ter dúvidas de que estes fatores justificam o resultado:

— Vou levar a questão para a equipe da ANP. É este o problema por trás desse resultado ou ele vem de uma contingência externa?

O leilão foi marcado por manifestações. No início do evento, Magda deu a palavra a representantes de grupos de protesto. Uma liderança indígena e um membro da Coalizão Não Fracking Brasil falaram contra a introdução da técnica de fracionamento hidráulico para exploração de gás no país. Já o Sindicato dos Petroleiros do Rio de Janeiro criticou o leilão sob o argumento de que funcionaria como canal para privatizar a riqueza nacional.

Para Claudio Pinho, professor da Fundação Dom Cabral, a ausência das grandes companhias é um recado ao governo:

— É um sinal de que a ANP precisa revisar seu papel e sua política frente a essa nova fase, com preço do petróleo baixo e a Petrobras não participando. O conteúdo local e a escolha dos blocos podem fazer parte desta mudança.

O geólogo Pedro Zalan, da consultoria ZAG, disse que o leilão foi decepcionante e sem competição. Dos 37 blocos arrematados, apenas cinco receberam duas ofertas.

— Foi decepcionante. O fato de a Petrobras não ter apresentado propostas pode minar a produção futura. Quando Campos reduziu sua produção, tinha o pré- sal para substituir. E um dia o pré- sal vai cair e quem vai substituir? Deveria ter comprado áreas nas bacias de Espírito Santo e SergipeAlagoas.

Para Elói Fernandéz y Fernandéz, diretor- geral da Organização Nacional da Indústria do Petróleo ( Onip), o resultado veio em linha com as expectativas:

— Foi o leilão das pequenas empresas.

Para Aluizio dos Santos Jr., prefeito de Macaé, o desempenho foi frustrante:

— Bacias como Espírito Santo e Campos sem propostas são sinal de que a indústria está parada, apática. Ter menos propostas ou de valores inferiores é preocupante, mas não ter nenhuma é muito ruim.

A Petrobras disse que não participou “após exaustiva análise técnica e econômica dos blocos ofertados, cuja adesão ao portfólio da companhia não se mostrou vantajosa”. A decisão, lembrou, “atende à maior disciplina de gestão do capital da companhia, sinalizada com a redução das suas metas de investimentos e os cortes em seus custos gerenciáveis”.