Correio braziliense, n. 19075, 17/08/2015. Política, p. 2

A voz das ruas contra Dilma, Lula e o PT

João Valadares e Paulo de Tarso Lyra

Presidente, antecessor e partido concentram as críticas das milhares de pessoas que protestaram em todo o país. Após reunião no Palácio da Alvorada, ministros avaliam que não se pode ignorar o sentimento de indignação de setores da população

Com menos força do que o primeiro protesto contra a presidente Dilma Rousseff, realizado em março, manifestantes voltaram às ruas durante o dia de ontem para pedir novamente o impeachment da petista. Foram registrados atos públicos em todos os estados brasileiros e no Distrito Federal. Em São Paulo e no Rio de Janeiro, as manifestações reuniram uma maior quantidade de pessoas. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva também foi alvo de críticas. Os movimentos sociais não participaram do ato. Os dados oficiais variaram nas 27 unidades da Federação, com números de manifestantes que oscilaram entre 610 mil, nas avaliações mais modestas, a 890 mil. No segundo ato do ano, em abril, foram de cerca de 700 mil.

A avaliação governista é de que o movimento de ontem foi menor; no entanto, é preciso ficar atento diante da gravidade do quadro político brasileiro. O governo decidiu adotar uma posição de neutralidade em relação às manifestações. O ministro da Comunicação Social, Edinho Silva, afirmou apenas que “o Planalto viu as manifestações dentro da normalidade democrática”. À tarde, ministros da articulação política se reuniram com a presidente Dilma Rousseff no Palácio da Alvorada para fazer um balanço dos protestos. Todos desviaram da entrada principal da residência oficial e preferiram uma entrada lateral para evitar a imprensa. Além de Edinho Silva, estavam presentes Jaques Wagner (Defesa) e José Eduardo Cardozo (Justiça). O vice-presidente da República, presidente nacional do PMDB e articulador político de Dilma, não estava no encontro. Na reunião, os ministros comentaram o fato de haver um boneco inflável de Lula vestido de presidiário. Interlocutores do governo estranharam o fato de a alegoria ter “custado caro”.

“O governo continua muito preocupado com as manifestações. Apesar de ausência do ‘povão’ nas ruas, de ter sido uma manifestação claramente da classe média, não dá para ignorar que milhares de pessoas foram às ruas reclamar. O clima pelo impeachment está mais brando, mas ainda tinha muito ‘fora, PT’, ‘fora, Lula’ e ‘fora, Dilma’. Não tem golpe, mas a pressão contra o governo continua alta”, avaliou, reservadamente, um ministro petista. Outro integrante do primeiro escalão declarou que o “o importante é saber agir com tranquilidade, o governo começou a acertar politicamente (na semana passada)”.

Em São Paulo, o protesto só ganhou força à tarde. Às 14h, parte da Avenida Paulista foi tomada pelos manifestantes com as palavras “impeachment” e “intervenção, já”, com enormes faixas abertas na via. Por volta das 15h30, os manifestantes ocupavam 10 quarteirões da avenida, que tinha nove carros de som. A Polícia Militar informou que 465 mil pessoas foram às ruas no estado: 350 mil na Paulista e 115 mil em outros municípios. Os organizadores falaram em 1 milhão de manifestantes, e o Instituto Datafolha apontou 135 mil.

O senador tucano José Serra (PSDB-SP) participou do protesto. Afirmou que estava lá como cidadão. “Vim como José. As pessoas protestam, estão impacientes, mas fazem isso de maneira pacífica e até alegre.” O tucano afirmou que o governo federal está perdido. “O Brasil está numa situação difícil, estados e municípios em frangalhos. Governo federal perdido. Quando governo não tem rumo, nenhum caminho leva a nenhum lugar”, salientou. Sobre a aproximação do presidente do Congresso, senador Renan Calheiros (PMDB-AL), com a presidente Dilma Rousseff, Serra minimizou: “São movimentações que ocorrem toda semana na política”. Eduardo Jorge, que disputou as últimas eleições presidenciais pelo PV, também esteve na manifestação.

Em frente ao Museu de Arte de São Paulo (Masp), a modelo Ju Isen fez topless. “É melhor tirar a blusa do que tirar o dinheiro do povo”, disse. Ela já havia tirado a roupa nas manifestações anteriores.


Lava-Jato

No Rio de Janeiro, a concentração da caminhada ocorreu na Praia de Copacabana. Os dois maiores opositores da presidente Dilma Rousseff no estado, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), presidente da Câmara, e Jorge Picciani, presidente do PMDB-RJ e da Assembleia Legislativa, ficaram longe da manifestação. Rompido oficialmente com o governo após ser acusado pelo executivo Júlio Camargo de receber US$ 5 milhões em propina, Cunha argumentou que deve manter a isenção diante de ataques e também da defesa da presidente Dilma Rousseff.

Nas manifestações de todo o país, havia muitas faixas e cartazes de aprovação ao juiz federal Sérgio Moro, que determinou a prisão de vários envolvidos na Operação Lava-Jato e menções a suspeitos de participação no chamado escândalo petrolão. Uma das faixas dizia “Fora, Renan”, referindo-se ao presidente do Senado, também investigado na Lava-Jato. Depois de entrar em confronto com o governo, Renan voltou a se aproximar da presidente Dilma Rousseff, na semana passada, ao apresentar uma lista de propostas, denominada “Agenda Brasil”, para que o Executivo tente sair da crise.