Título: Empresas mantêm investimentos
Autor: Martins, Victor
Fonte: Correio Braziliense, 18/09/2011, Economia, p. 16

Por enquanto, turbulência mundial e perspectiva de crescimento menor não inibem expansão de fábricas e lojas.

O impacto da quebra do banco de investimentos Lehman Brothers, em setembro de 2008, e a onda de pânico que varreu a economia global em seguida foram tão devastadores que, no Brasil, algumas das maiores empresas suspenderam imediatamente os investimento e, pior, demitiram milhares de trabalhadores. Os dois exemplos mais emblemáticos foram a mineradora Vale e a fabricante de aviões Embraer, que contaminaram, de forma assustadora, todo o setor produtivo. Com a atual crise batendo às portas do país, o governo teme que esse filme se repita. A preocupação é tamanha que assessores do ministro da Fazenda, Guido Mantega, e do presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, passaram a monitorar, diariamente, os projetos de expansão da indústria e do varejo para detectar problemas.

Ciente das preocupações do governo, a Embraer já emitiu sinais de que está longe de repetir o desastroso quadro de três anos atrás. Pelo contrário. Os investimentos deste ano estão mantidos e vão superar os US$ 100 milhões, mais do que o dobro dos US$ 44 milhões desembolsados em 2010. A companhia assegura que estão a pleno vapor a construção de uma fábrica nos Estados Unidos e a abertura de duas unidades em Portugal. O total de funcionários ¿ mais de 17 mil ¿ também, no entender da empresa, está no tamanho adequado para atender a todos os pedidos (a carteira passa de US$ 16 bilhões), diferentemente do que se viu em 2008, quando boa parte dos clientes sumiu.

A mesma mensagem foi ratificada pela Vale, que programou aplicar US$ 24 bilhões em 2011, 23,6% mais que no ano passado. Para a mineradora, a crise atual não está sendo uma grande dor de cabeça. Por uma simples razão: a China e o restante da Ásia, com as economias em plena expansão, continuam responsáveis por cerca de 50% de suas receitas. Há, ainda, uma sintonia maior entre o comando da companhia e o Palácio do Planalto, fruto da troca de Roger Agnelli por Murilo Ferreira na presidência da empresa.

Na avaliação do governo, apesar de a economia global estar em desaceleração, com os Estados Unidos e a Europa à beira da recessão, o Brasil apresenta condições muito melhores para enfrentar as intempéries. Essa avaliação, inclusive, está sendo respaldada pelos estrangeiros, que, pelas contas do diretor de Política Monetária do BC, Aldo Luiz Mendes, vão despejar no país um volume recorde de US$ 70 bilhões em investimentos diretos (IED).

O pilar que sustenta esse interesse é o tamanho do mercado consumidor brasileiro: apenas nos primeiros seis meses do ano, as famílias gastaram R$ 1,2 trilhão, 6% a mais do que no mesmo período do ano passado. Na Europa e nos EUA, entretanto, os consumidores andam com o pé no freio, assustadíssimos com o desemprego crescente. "Em Portugal, até as padarias estão fechando por falta de cliente", ressalta a professora Maria Júlia Ramalho, 56 anos.

Sem atraso A pujança da economia doméstica ¿ apesar de o poder de compra da nova classe média estar ameaçado pela inflação ¿ se reflete no segmento de shopping centers. A Associação Brasileira de Lojistas de Shopping (Alshop) informa que pelo menos nove companhias estrangeiras estão no país explorando oportunidades. São empresas dos EUA, de Portugal, de Israel, da Austrália e do Canadá. Neste ano, pelo menos 25 centros de compras estão sendo construídos ou passam por obras de reforma e expansão. Serão 18.456 lojas a mais. "Acreditamos que as obras que em andamento não serão interrompidas pela crise", diz Luís Augusto Idelfonso da Silva, diretor de relacionamentos institucionais da Alshop.

Ele explica que, em 2008, foi diferente: várias obras foram interrompidas ou atrasadas. "A economia brasileira continua muito forte e quem começou a tocar investimentos não deve retardar a entrega das obras. Com certeza, vão terminar os empreendimentos o mais rapidamente possível esperando o retorno", afirma. A portuguesa Sonae Sierra, por exemplo, investe R$ 384 milhões na abertura de um shopping em Goiânia e não tem a mínima perspectiva de parar o projeto. "Acreditamos no mercado brasileiro e vamos oferecer um projeto moderno", assegura José Baeta Tomás, presidente da companhia no Brasil.

O empresário Eike Batista faz piada das turbulências internacionais ao exaltar os números de investimento de seu grupo. Somente na unidade de Serra Azul, Minas Gerais, onde a MMX faz extração de minério de ferro, os desembolsos previstos para este ano são de R$ 4 bilhões. Empresas menores também mantêm os cofres abertos, caso do laticínio Piracanjuba, que aplicou R$ 35 milhões em uma fábrica em Santa Catarina.

Problema cambial O economista-chefe da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), André Rebelo, está menos otimista e lembra que, no setor produtivo, com exceção do segmento extrativista, tudo está estagnado. "Estamos enfrentando o problema cambial. Embora a demanda interna esteja aquecida, a produção se mantém estável há 15 meses, pois não há como competir com os importados. Nesse ambiente, os investimentos estão contraídos", diz. "De qualquer forma, o cenário de 2008 ainda não se repetiu, mas, se ocorrer, será em menor intensidade", minimiza.

NOVO SOCORRO NA EUROPA A diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Christine Lagarde, afirmou, ontem, durante reunião com ministros da União Europeia (UE), na Polônia, que os bancos da região terão de receber uma pesada injeção de recursos, por estarem muito fragilizados, alguns a ponto de quebrarem. As instituições terão prazo de seis a nove meses para fortalecer as bases de capital, seja por meio de reestruturação acionária, seja por fusões e aquisições. O objetivo é impedir que os bancos que já foram socorridos, mas não se ajustaram, recebam nova ajuda, pois não é justo que a conta recaia outra vez no colo dos contribuintes. Os ministros também discutiram a adoção de um imposto sobre transações financeiras. O comissário responsável pelo Mercado Interno e Serviços da UE, Michel Barnier, admitiu, porém, que não há consenso sobre a nova taxa. A oposição principal está no Reino Unido.