Odebrecht é dona de conta de onde partiram propinas

 

THIAGO HERDY 

O globo, n. 30001, 27//09/2015. País, p. 8

 

Longe dos holofotes da Operação Lava-Jato, um diretor e funcionário de confiança da Odebrecht está diretamente ligado a uma das provas de pagamento de propina pela empreiteira no exterior a ex-dirigentes da Petrobras. Hilberto Mascarenhas Alves da Silva Filho é quem assina carta localizada por autoridades suíças na sede do banco PKB. No texto, ele afirma que a Odebrecht é a única responsável pela conta da offshore Smith & Nash no banco. De acordo com o MPF, foi por meio desta conta que a Odebrecht pagou propinas a Renato Duque, Paulo Roberto Costa, Pedro Barusco e Jorge Zelada, integrantes da cúpula da estatal no governo Lula.

REPRODUÇÃOHilberto. Suíça pediu à Justiça brasileira que diretor fosse ouvido sobre conta

O GLOBO verificou que a assinatura de Hilberto na carta endereçada ao banco suíço, de 2013, é a mesma usada por ele em uma procuração para processo de despejo do inquilino de um de seus imóveis, em São Paulo. A semelhança reforça a autenticidade do documento suíço e a relação da Odebrecht com os pagamentos da Smith & Nash. De acordo com extratos obtidos na Lava-Jato, entre 2006 e 2011 a Odebrecht repassou US$ 45,4 milhões à Smith&Nash. Por sua vez, a offshore repassou US$ 9,5 milhões e 1,9 milhões de francos suíços para a conta de diretores da Petrobras ou offshores intermediárias. Há dois meses, autoridades suíças pediram à Justiça brasileira que Hilberto fosse ouvido sobre a conta no exterior, mas a oitiva ainda não ocorreu.

Desde a chegada na Odebrecht como estagiário, em 1975, Hilberto ocupou diferentes cargos executivos. Participou do conselho de administração da Braskem e foi assessor da diretoria financeira. Atualmente, é diretor da holding, com salário de R$ 77 mil, segundo o contracheque de dezembro de 2014. Em carta aberta para celebrar 30 anos de empresa, escreveu ter orgulho da “modesta contribuição à transformação do nosso negócio petroquímico em líder na América Latina” e referiu-se a Emílio Odebrecht como seu “líder educador”.

HIGH SOCIETY BAIANO

A relação de intimidade com o clã Odebrecht extrapola os negócios na área de construção. Ele teve participação na gestão de restaurantes em Salvador quando a família Odebrecht investiu na rede Baby Beef e na revitalização do Chez Bernard, o mais famoso restaurante francês da capital baiana. Os irmãos Marcelo e Maurício Odebrecht marcaram presença no casamento de seu filho Rodrigo, em 2008. Não foi a única vez — colunas sociais da Bahia registram a intimidade do diretor com a família e também amizade das mulheres de Marcelo e Hilberto. Em junho deste ano, três dias depois da prisão de Marcelo, Célia Silva, a mulher de Hilberto, trocou a foto de seu perfil no Facebook pela marca da empresa onde o marido trabalha.

Ao contrário dos patrões, Hilberto é figura carimbada em eventos do high society baiano. Frequenta camarotes do Festival de Verão e do carnaval de Salvador. Quando o publicitário Nizan Guanaes promoveu festa em Nova York para comemorar o aniversário do apresentador Luciano Huck, em 2010, convidou Hilberto e a esposa. Os dois recebem amigos com frequência na Quinta do Lago, propriedade ancorada na beira do lago em Cabaceiras do Paraguaçu, na Bahia. Sua mãe é uma das donas de uma ilha na Bahia de Todos os Santos, em Salvador, onde mantém intacta antiga casa com senzala e recebe socialites para jogar tranca. O pai é ex-presidente do Banco do Nordeste.

Localizado pelo GLOBO, por telefone, em viagem de trabalho ao exterior, Hilberto não quis responder sobre a Smith & Nash:

— Estou proibido pelos advogados da empresa de falar qualquer coisa sobre o assunto. Sou disciplinado, não vou falar.

Por meio da assessoria, a Odebrecht informou que “as manifestações das defesas dos executivos e dos ex-executivos se darão nos autos do processo”.

Ao rebaterem a acusação de crime de lavagem de dinheiro, advogados de Rogério Araújo, um dos executivos processados, deram pistas da linha de defesa da construtora em relação aos pagamentos: alegará a incompetência do Brasil para processar e julgar pagamentos realizados no exterior. “As hipotéticas operações financeiras, se existentes fossem, teriam se desenrolado inteiramente em território estrangeiro, sem possibilitar a atuação da Justiça Brasileira, ainda que de ilegalidade se estivesse falando”, escreveram.

Na petição, os advogados apontaram suposta “ilegalidade” da acusação: “Se a nunca identificada ilicitude porventura ocorreu, ela se deu no exterior e haveria de ter sido ao menos desenhada pela acusação quando descreveu os fatos tidos por criminosos”.