Correio braziliense, n. 19096, 07/09/2015. Política, p. 3

 

Temer repudia "conspiração"

Pedro Rocha Franco

Depois de causar mal-estar na cúpula do governo federal com uma declaração controversa sobre a continuidade da presidente Dilma Rousseff (PT) no Palácio do Planalto até o fim do mandato, o vice-presidente Michel Temer (PMDB) publicou nota ontem afirmando ter havido interpretação errônea das palavras ditas por ele em um debate na quinta-feira. Ele afirmou trabalhar junto de Dilma para melhorar os rumos do país e foi incisivo ao afirmar que "a divisão e a intriga são hoje grandes adversárias do Brasil e agravam a crise política e econômica", diz trecho da nota assinada pela Assessoria de Comunicação Social da Vice-Presidência da República.

Em tom semelhante ao discurso adotado pelo ministro da Comunicação Social, Edinho Silva, para explicar a polêmica, a nota afirma que Temer "não é frasista. Não se move pelos subterrâneos, pelas sombras, pela escuridão. A sua única cartilha é a Constituição." Ambos consideraram erro de interpretação o direcionamento dado pela imprensa das palavras ditas pelo vice-presidente. "A hora é de trabalho e de união. Apesar de zelo, e atento ao cargo que ocupa, não são poucas as teorias divulgadas de que suas atitudes podem levar à ideia de conspiração. Repudia-a", diz a nota da assessoria, para logo depois afirmar ser Temer "legalista por convicção e vício profissional", e trabalhar para superar a crise.

A polêmica declaração do vice-presidente foi dada na quinta-feira em debate em São Paulo com um grupo de empresários e estudiosos favoráveis ao impeachment de Dilma. Ao ser questionado sobre a continuidade do governo em meio à baixa popularidade do governo, o vice-presidente disse acreditar em dias melhores em meados do ano que vem. "Hoje, realmente, o índice é muito baixo. Ninguém vai resistir três anos e meio com esse índice baixo (...) Se continuar assim, eu vou dizer a você, para continuar 7%, 8% de popularidade, de fato fica difícil passar três anos e meio", concluiu. Ao longo do discurso, o político afirmou ser "cíclica" a avaliação popular. "Muitas vezes, se a economia começar a melhorar, se a classe política colaborar, o índice acaba voltando ao patamar razoável."

Com a declaração ganhando as manchetes de alguns dos principais jornais do país, a cúpula do governo considerou desastroso o discurso e poderia indicar a tentativa de conspiração de Temer para derrubar a presidente, principalmente depois de o vice ter se afastado da interlocução política no Congresso. Contudo, paralelamente a isso, por recomendação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Palácio do Planalto tenta reforçar laços com o PMDB para superar a crise política. O peemedebista teria reclamado pessoalmente com Dilma por não ter sido avisado de reuniões do governo com congressistas.

Encontro
Amanhã, os sete governadores do PMDB reúnem-se com Temer e os presidentes do Senado e da Câmara, Renan Calheiros e Eduardo Cunha, respectivamente. No encontro, serão apresentadas propostas de reforma tributária, trabalhista e previdenciária. "Precisamos nos movimentar, procurar caminhos. Não é uma quadra simples da vida nacional. Não é de um band-aid que precisamos. Precisamos de reformas estruturais no nosso país. Estamos flertando com a desorganização", disse o governador do Espírito Santo, Paulo Hartung.

"Não há razão para impeachment", diz Lula
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse, em entrevista ao jornal argentino Página 12 publicada ontem, que não há "nenhuma razão" para o impeachment da presidente Dilma Rousseff e que as denúncias de corrupção devem ser separadas da condução do governo. "Não há nenhuma razão (para o impeachment), nenhuma razão para acusar Dilma. Todo mundo sabe o caráter da presidente", disse. "Há alegações de corrupção, mas que devem ser separadas da condução do governo". Apesar de reconhecer as dificuldades do governo com o Congresso, Lula afirmou que o "dever" da presidente Dilma é governar, pois ela foi eleita por 204 milhões de brasileiros. "Eu sei que hoje temos alguma incerteza na base política do governo por diferenças entre o Casa e o governo, entre os partidos políticos (...) Mas se recuperarmos a harmonia política também podemos resolver os problemas econômicos", disse.

"Apesar de seu zelo, e atento ao cargo que ocupa, não são poucas as teorias divulgadas de que suas atitudes podem levar à ideia de conspiração. Repudia-a. Seu compromisso é com a mais absoluta estabilidade das instituições nacionais" 
Nota da assessoria do vice-presidente

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Desgaste de ministros

A investigação de dois ministros diretamente ligados à presidente Dilma Rousseff, ambos com gabinete no Palácio do Planalto, é mais um fator de desgaste para a petista e mais um ingrediente pesado ao clima político já ruim de Brasília. Um ministro tentou minimizar o problema alegando que “investigação não é denúncia”. Justificou ainda sua tese lembrando que, no fim do mês passado, a Procuradoria-Geral da República, responsável pelas investigações da Operação Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), pediu o arquivamento do inquérito contra o ex-governador de Minas Gerais e senador Antonio Anastasia (PSDB-MG) depois de ter, primeiro, aberto uma investigação, porque a PGR entendeu que não havia “elementos mínimos” para prossegui-la. E é nisso que eles apostam.

A presidente Dilma tem defendido todas as investigações, mas também destacado que não é possível fazer prejulgamento de ninguém. Nesse clima, pelo menos por enquanto, não se fala em afastamento deles no Planalto. Mas a presidente sabe que será cobrada a endossar ou reiterar sua confiança neles, ou ainda sair em defesa deles, como fez na última quarta-feira, em relação ao ministro da Fazenda, Joaquim Levy, por motivos completamente diferentes.

Os ministros da Comunicação Social, Edinho Silva, e da Casa Civil, Aloizio Mercadante, que tiveram autorização dada pelo STF para investigação, têm reiterado que todas as doações foram legais. Mas uma das linhas desta investigação é se os recursos doados, mesmo que por meios legais, são oriundos de desvios de contratos, ou seja, de propina.

A presidente Dilma teve, ontem à tarde, uma reunião com ministros, no Palácio da Alvorada, e o tema girou entre a crise política e a busca por soluções para cobrir o rombo de R$ 30,5 bilhões do Orçamento.

Mercadante nega irregularidades

O ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, divulgou nota ontem em que nega qualquer irregularidade na contabilidade de recursos recebidos como doação de campanha, em 2010, quando foi candidato ao governo de São Paulo. “Segundo as notícias divulgadas pela imprensa, o senhor Ricardo Pessoa, em sua delação, teria afirmado que doou R$ 500 mil, sendo R$ 250 mil de forma legal e outros R$ 250 mil mediante recursos não contabilizados. Ora, essa tese é absolutamente insustentável, uma vez que são exatamente R$ 500 mil os valores declarados, em 2010, e devidamente comprovados em prestação de contas à Justiça Eleitoral, inclusive já aprovada sem qualquer ressalva”, diz o ministro.