Queda de braço bilionária

 

ANA PAULA RIBEIRO, RENNAN SETTI E GABRIELA VALENTE

 

Apesar de o governo ter conseguido manter vetos a medidas que ameaçavam o ajuste fiscal, o dólar comercial não deu trégua ontem. A cotação abriu em queda, a R$ 4,016, mas logo disparou até alcançar R$ 4,15, levando o BC a leiloar US$ 5 bilhões. Na queda de braço com o mercado, a estratégia do BC surtiu pouco efeito, e o dólar fechou em novo recorde, a R$ 4,145. - SÃO PAULO, RIO E BRASÍLIA- Em um pregão dominado pelo nervosismo, o Banco Central ( BC) reforçou ontem a sua artilharia para tentar conter a volatilidade no mercado de câmbio. Foram anunciados dois leilões de linha, no total de US$ 4 bilhões, e uma nova oferta de contratos de swap cambial ( que equivalem a uma venda de moeda no futuro), de US$ 1 bilhão. Mas essa intervenção de US$ 5 bilhões não foi o bastante para segurar a cotação do dólar comercial, que encerrou a R$ 4,145, com alta de 2,24%, um novo recorde desde o início do Plano Real, em 1994.

Pouco depois do meio dia, quando o dólar comercial subia de forma consistente, o BC anunciou o primeiro leilão de linha ( em que recompra, mais à frente, o montante vendido), no valor de US$ 2 bilhões, além da oferta de novos contratos de swap — a estratégia, até então, era apenas rolar os já existentes, pois o estoque desse instrumento financeiro chega a US$ 104 bilhões. Com a moeda ainda em trajetória de alta, o BC anunciou no meio da tarde mais um leilão de US$ 2 bilhões com recompra para 2016. Hoje ainda haverá outra oferta de novos contratos de

swap, também de US$ 1 bilhão. Na avaliação de analistas, o pouco efeito dessas intervenções indica que os investidores estão demandando dólar no mercado à vista, ou seja, querem que o BC venda parte de suas reservas internacionais, atualmente em mais de US$ 370 bilhões, que são mais do que suficientes para cobrir todos os compromissos em moeda estrangeira do governo. No leilão de linha, como os dólares voltam para o BC, não há efeito sobre o preço da cotação. Já os contratos de

swap estão tendo pouca demanda: apenas 20% dos contratos ofertados ontem foram vendidos.

— A intenção do BC com esses leilões é reduzir a volatilidade, que está em um nível elevado. Mas nem sempre isso funciona, já que depende de outros fatores que estejam ocorrendo — disse Tatiana Pinheiro, economista do Santander.

' LEILÃO DE LINHA NÃO ALIVIA A TAXA DO DÓLAR’

Cleber Alessie, operador de câmbio da corretora H. Commcor, acredita que, para lidar com a atual escalada do dólar, uma vez que o ajuste fiscal ainda está sendo discutido, o BC deve, em algum momento, fazer o uso das reservas:

— Neste momento o mercado está demandando moeda e não instrumentos derivativos, como os Nossas reservas vão continuar elevadas mesmo que o BC use uma parcela significativa desse montante, como 10% ou 20% do total.

O governo, no entanto, não dá sinais de que irá utilizar as reservas a curto prazo. O chefe da mesa de operações do BC, Alan Mendes, frisou ontem que, apesar da volatilidade no câmbio, não está havendo saída de moeda estrangeira do país.

Segundo Italo Abucater, gerente de câmbio da corretora Icap do Brasil, a atuação mais intensa do BC tinha como objetivo mostrar que ele está atento aos movimentos do mercado.

— O BC agiu porque havia uma grande pressão para ele agir, uma vez que o dólar chegou em um patamar muito alto, subindo quase 2% todo dia e suscitando cobranças na imprensa. Mas o leilão de linha não alivia a taxa do dólar e, sim, o cupom cambial, que são os juros cobrados sobre aplicações sobre o dólar — explicou. — Para ter efeito na cotação do dólar, o BC teria de vender dólares à vista, mas aí iria queimar reservas. E o ( ministro Joaquim) Levy já deixou muito claro que não vai mexer nas reservas. O que o BC fez foi oferecer liquidez, apenas isso.

Outras fontes da equipe econômica que avaliaram a atuação do BC consideraram que ofertar empréstimos em dólar foi a ação adequada para tentar acalmar o mercado financeiro, além de aliviar a pressão sobre os cupons cambiais. Como não quer queimar reservas, o BC usou o leilão de linha para irrigar o sistema, combinado com operações de swap. Segundo essas fontes, não adiantaria vender dólares no mercado à vista, ou seja, sem o compromisso de recompra.

— Se abrir a guarda, o mercado vem e demanda uma fortuna. A gente não está vivendo uma crise cambial, mas política. Não é o caso de vender — disse um técnico.

O BC também resolveu oferecer swaps mais longos, de um ano. Eles permitem que as empresas façam hedge por mais tempo.

Levy afirmou ontem que, à medida que a economia iniciar uma recuperação, a volatilidade do dólar vai se esvair.

— As medidas que foram tomadas estão surtindo efeito, apenas que alguns resultados mais positivos estão represados por circunstâncias que trazem maior incerteza. Isso tem limitado a capacidade de investimento, a própria capacidade de arrecadação. Eu tenho convicção de que, vencidas essas incertezas, a capacidade de recuperação da economia será bem rápida — afirmou Levy. — Acredito que nós vamos ver maior estabilidade do dólar. É impossível fixar a taxa, mas tenho certeza de que essa volatilidade maior também vai se esvair à medida que algumas questões, como a votação dos vetos e o próprio Orçamento, forem equacionadas. O dólar até havia aberto ontem em queda, refletindo o fato do governo ter conseguido manter 26 de 32 vetos da presidente Dilma Rousseff a propostas que aumentam os gastos públicos. No entanto, vetos mais difíceis, como o que impede o aumento de salário de servidores do Poder Judiciário, ainda não foram votados. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha ( PMDB), voltou a declarar- se contrário à criação de uma nova CPMF mesmo com a redução do número de ministérios pelo Executivo.

— Nem tudo foi ganho, e a situação ainda está complicada. E preocupa o fato de o Congresso, de um lado, não querer votar o aumento de impostos e, do outro, ameaçar aumentar despesas — disse Reginaldo Galhardo, gerente de câmbio da Treviso Corretora.

Além do ambiente político, que dificulta a aprovação das medidas de ajuste fiscal, os investidores estão de olho na decisão da Fitch, que em breve deverá divulgar a revisão da nota de crédito ( rating) do Brasil. Nessa agência, o país ainda está com duas notas acima do grau especulativo. Na Moody’s, a margem é de apenas uma nota. Pela Standard & Poor’s, o Brasil não é mais grau de investimento.

A turbulência no câmbio desencadeou nervosismo também no mercado de juros futuros, que reflete a expectativa dos investidores quanto à trajetória da taxa básica de juros, a Selic, daqui para frente. O contrato futuro de Depósitos Interfinanceiros ( DI) com vencimento em janeiro de 2021 saltou de 16,14% para 16,80%. Já o DI para janeiro de 2017 subiu de de 15,75% para 16,47%, na maior alta diária registrada desde outubro de 2008, auge da crise financeira global.

— São os juros futuros mais longos, como o que vence em 2021, que guiam o investimento. Hoje, ficou muito claro para o investidor que tanto faz se o BC está disposto ou não a subir juros: o mercado já subiu — disse Ricardo Bicudo, superintendente de vendas e distribuição do Banco Votorantim.

A Bolsa de Valores de São Paulo ( Bovespa) perdeu 2%, aos 45.340 pontos. Essa queda, somada À valorização do dólar, fez com que a Bovespa perdesse para o México o posto de maior Bolsa da América Latina, segundo a Economática.