O globo, n.30.011, 08/10/2015. Opinião, p.18

 

Flexibilização do Desarmamento é retrocesso

 

Articulação da bancada da bala com presidente da Câmara para desconstruir o Estatuto é um tiro no pé do país no esforço para reduzir os indicadores de violência

As equivocadas opções da política econômica do lulopetismo, a partir do segundo governo Lula, estão na base do enfraquecimento do Planalto de Dilma II, com a perda de espaço no Congresso. Foi nesse desvão de uma aguda crise de popularidade do governo que a Câmara dos Deputados, à frente o presidente Eduardo Cunha declarando- se vítima de uma perseguição a partir do Palácio, debruçouse sobre uma agenda de pautas que se presta mais a confrontar PT e aliados que a analisar temas de real interesse para a sociedade.

Entre outras insanidades, avançou- se perigosamente na desconstrução do Estatuto do Desarmamento. Esse tema é música para os ouvidos da bancada da bala — o grupo de parlamentares reunidos em torno da defesa dos interesses da indústria armamentista, fonte de boa parte dos recursos de campanha da maioria deles.

Desde que foi instituída, em 2003, a lei tem sido objeto de ataques em todas as legislaturas, mas, fora um arranhão ou outro, manteve- se firme como o principal, por bem- sucedido, instrumento dissuasório da proliferação das armas de fogo no país.

Mas o ataque de agora tem potencial de letalidade maior que a de outras tentativas. Não só devido à ação em si da bancada da bala, mas em razão de, por afinidade ideológica de parlamentares, a composição do Congresso — em particular da Câmara, dócil diante das vinditas políticas de Cunha — garantir um número considerável de votos para a deletéria revisão do Estatuto.

A proposta, por enquanto, é discutida em comissão especial da Câmara, mas essa é a antessala do plenário das duas Casas do Congresso. O que se pretende com essa investida sobre a lei é uma aberração num país em que o excessivo número de armas em circulação é um dos responsáveis por um índice assustador de mortes à bala — 21,9 óbitos por cem mil habitantes, mais que o dobro do patamar a partir do qual a ONU considera a violência epidêmica.

São 116 assassinatos por dia, segundo o Mapa da Violência, 94,5% deles cometidos com armas de fogo. É uma taxa alta, a segunda maior da série histórica — evidência inquestionável de que, em lugar de flexibilizar a lei, o país precisa endurecer os critérios para a posse de armamento. Sintomaticamente, a mais alta relação de óbitos por cem mil habitantes ( 22,2) foi registrada em 2003, quando se mediu pela última vez o número desse tipo de homicídio sem o anteparo do Estatuto.

A insanidade que se pretende levar a plenário prevê absurdos como a redução do limite de idade para andar armado, o alargamento, quase ao limite da liberação geral, dos critérios para a concessão do porte de arma etc. Uma aberração em si, a desconstrução do Estatuto rema na direção contrária, por exemplo, de um sentimento de crítica à excessiva liberdade de andar armado que ganha corpo nos EUA, em razão dos sucessivos massacres. O Brasil não pode entrar nessa contramão da História.