Título: Prazeres do poder
Autor: Corrêa, Maurício
Fonte: Correio Braziliense, 18/09/2011, Opinião, p. 21

Candidatos eleitos para cargos executivos dificilmente deixam de disputar a reeleição. Só não se recandidata quem sabe que vai perder o pleito ou quem prefere disputar posto mais alto na hierarquia política, ou ainda quem se acomoda em concorrer ao que seja mais fácil de ganhar. Basta dar uma olhada panorâmica sobre os governadores e prefeitos nos estados, e sobre o presidente da República em Brasília, para se constatar a veracidade do fato. Desde que foi criado o instituto da reeleição até hoje os dois últimos presidentes da República se recandidataram e se reelegeram. Com os prefeitos e governadores de estado não é diferente.

Não se sabe se essa tradição vai se repetir com a atual ocupante do Palácio do Planalto ou se a vez será cedida ao ex-presidente a quem ela sucedeu. Nos estados, prefeitos e governadores, em regra, têm concorrido a reeleições. Essas se transformaram em procedimento normal de consequência do direito de quem se elege num primeiro mandato para depois se reeleger. O país acabou se acostumando com o instituto como se já tivesse sido incorporado ao sistema constitucional brasileiro há tempos.

Com a inovação trazida, assegurou-se um segundo mandato para o ex-presidente. Foi ele que, em meados de 1997, conseguiu a aprovação da emenda constitucional instituidora do tema. Depois, todo mundo endossou a regra, e ninguém mais fala sobre a questão. Para ser franco, um mandato apenas de quatro anos para o chefe do Poder Executivo é pouco. Pensava anos atrás que a soma de quatro anos da eleição e mais quatro da reeleição pudesse ser um exagero, mas hoje convenci-me de que uma reeleição pode ser um estímulo para o bom governante.

Se o poder não fosse tão desejado pelos políticos, não seria por certo tão procurado. Mandar afinal é um anelo inato no homem e com muito mais razão nos políticos. Alcançar o poder traduz quase sempre o coroamento de anos de luta. A liderança exercida pelo político que se investe nessa condição não é raro atrair a reverência, o respeito e a atenção do povo. Seria bem auspicioso que quem fosse eleito para cargo de relevância política ¿ chefe de um importante Poder Executivo, por exemplo ¿ fosse estimulado com aplausos e incentivos pelo trabalho. Não está fora de dúvida que pode é receber vaias e insultos, quando não manifestações de indignação mais candente.

Mesmo assim, com todos os ônus e adversidades, o poder é sempre atraente e almejado. A sensação de usufruí-lo é costumeiramente agradável. Gera um sentimento de realização, de glória até, de triunfo. Não concordo com os que dizem que preferem se retirar do poder a ter de conviver com as cobranças e apupos populares. Conversa fiada, ninguém deixa o poder por impropérios dessa ordem. Pelo contrário, briga-se para permanecer nele enquanto for possível. Balela, brincadeira de quem diz que está cansado do poder. Quem está nele não quer afastar-se dele, mesmo com todas as turbulências que oferece. O poder não cansa, fortalece.

Os fundamentos da reeleição se assentam nessas premissas de utilidade do cargo eletivo. Como todo mundo gostou da institucionalização do preceito, a matéria agora se acha superada. Não sei se me atrevo a ingressar numa seara com a qual em princípio nada tenho a ver. Nessa perspectiva, falo como mero cidadão que hoje nem filiação partidária tem, mas nem por isso se abstém do dever de discutir temas políticos que digam respeito ao país. Ouvi declarações de Lula de que a presidente Dilma deverá ser a candidata à reeleição pelo PT nas eleições presidenciais de 2014. Apesar da clareza da afirmação, os passos dados pelo ex-presidente em andanças políticas conspiram contra ele quanto ao anúncio feito. O que de tudo se intui de seus pronunciamentos leva a crer ser ele o candidato à sucessão presidencial, aspiração que, de resto, ninguém também tem nada a ver.

Embora a questão sucessória presidencial esteja distante, sendo prematura qualquer análise nesse sentido, o certo é que, se desde a aprovação da Emenda Constitucional nº 16, de 1997 ¿ que instituiu a reeleição ¿, todos os presidentes puderam ser reeleitos, por que não se garantir a mesma situação para a presidente da República? Como essa é uma questão interna corporis do PT, só a ele caberá decidir, na época própria, qual será o seu candidato a presidente da República. De qualquer maneira, nada impede que se formulem votos para que se dê o mesmo tratamento dispensado ao próprio presidente Lula quando de sua reeleição à Presidência da República.

Seria injusto não reconhecer na presidente o empenho para se livrar dos corruptos em órgãos da administração pública. Todos sabem dos acordos partidários que são entabulados para se governar um país como o Brasil. O esforço do governo para expurgar dos órgãos públicos os servidores corruptos é meritório. Mas o fato é que, como diria Brizola, o sapo barbudo pode ser mesmo o candidato à Presidência outra vez. Provou quando chefiou o governo que ama o poder. Pode querer mesmo voltar. Se for verdadeiro o projeto de que vai apoiá-la, não fará mal à República porque a presidente vai bem. No contraditório eleitoral com Aécio Neves, quem sabe, no futuro, a nação não possa assistir a um confronto de boas ideias de dois ilustres mineiros.

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