Título: Mudou o jogo
Autor: Sabadini, Tatiana
Fonte: Correio Braziliense, 18/09/2011, Mundo, p. 22/23

A ONU discute nesta semana a iniciativa palestina de pedir unilateralmente seu reconhecimento como Estado soberano e 194º país-membro. Seja qual for o resultado, abrirá um novo capítulo no conflito.

Na próxima sexta-feira, a comunidade internacional pode definir novos rumos para o interminável conflito entre israelenses e palestinos. A 66ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) servirá de palco para a disputa territorial que perdura há seis décadas. Primeiro, o presidente da Autoridade Palestina (AP), Mahmud Abbas, discursará para os representantes dos 193 países-membros e pedirá o reconhecimento como Estado soberano. Uma manobra arriscada, que põe em jogo acordos entre as duas partes, mas que busca no ato simbólico um maior poder de barganha. No mesmo dia, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, falará ao plenário para condenar o "gesto unilateral" e reafirmar que a soberania palestina só será conquistada pelas negociações diretas com Israel. A iniciativa palestina, que deve ter a aprovação de cerca de 140 nações, desde já evidencia o isolamento do Estado judeu e dos Estados Unidos ¿ que prometem vetar, no Conselho de Segurança (CS), a adesão da Palestina como 194º país-membro da ONU.

Abbas fará sua ofensiva diplomática em duas frentes. A primeira é o pedido de adesão plena, que deve ser apresentado ao Conselho de Segurança. A segunda é uma votação sobre a soberania na Assembleia Geral, que pode elevar o status da representação palestina para "Estado observador não membro". Depois de semanas de dúvida, o presidente palestino confirmou a opção de ir ao CS e forçar os EUA a recorrerem ao veto. "Isso poderia ser ruim para os americanos e também para os palestinos. O Congresso dos EUA tem na pauta um projeto de lei que corta parte da ajuda financeira à AP, se eles tomarem de fato esse caminho", aponta James Gelvin, professor de história da Universidade da Califórnia.

Os palestinos contam com o voto maciço da Assembleia Geral para voltar às negociações diretas com Israel dispondo de maior poder de pressão. Com o novo status na ONU, eles poderão iniciar medidas legais contra os israelenses em diversas esferas internacionais, como o Tribunal Penal Internacional, e por violações da Convenção de Genebra, por exemplo. Não é possível saber, no entanto, quais as consequências dessas ações. "Os palestinos ainda operam no mundo real, onde eles são dependentes dos outros no suporte político e assistencial. O quanto disso eles estão dispostos a arriscar é discutível", afirma o especialista americano.

Jogada de risco Para Mohammed Abu-Nimer, professor do Programa Internacional de Paz e Resolução de Conflitos da American University, o reconhecimento da soberania é um passo importante para a AP. "A votação na ONU vai permitir que Abbas mostre a seu povo algum progresso, e deve ser uma conquista para as aspirações palestinas de ter um Estado de fato", pondera o estudioso. "Isso fará com que as pessoas tenham um senso simbólico de vitória e a esperança de que suas demandas estão sendo debatidas internacionalmente. Também abrirá portas para pressionar Israel quanto às violações dos direitos humanos nos territórios ocupados e para propor sanções", comenta.

Embora ameaçada de perder a ajuda tanto dos EUA quanto de Israel, a AP ainda terá outras opções para levar à mesa de negociações. Segundo Abu-Nimer, a estratégia, ainda que envolva riscos, é positiva. "Nos últimos tempos, o governo israelense não quis negociar e o conflito ficou estagnado. A atual administração insistiu em um acordo sem precondições. Não existe negociação com essa liderança (israelense), que chegou a desafiar o presidente americano duas vezes e não está disposta a escutar o público ou a comunidade internacional. Os palestinos estão em uma posição na qual não podem fazer mais concessões sem perder a legitimidade", comenta o professor da American University.