Embrapa foca nova aliança para inovação

Fernando Lopes 

26/08/2015

Maurício Antônio Lopes assumiu a presidência da Embrapa, em outubro de 2012, com a clara visão de que a estatal precisava definir novas estratégias e fontes de recursos para preservar o status de principal referência global em pesquisas agropecuárias tropicais, sedimentado nas quatro décadas anteriores. Nesse período, entre outros feitos, colaborou decisivamente para tornar viável o plantio de grãos em grande escala e de forma competitiva no Cerrado.

No início de 2013, o pesquisador alçado ao posto de executivo tinha ao menos uma perna da equação que tentava resolver em gestação: começava a ser analisada no Congresso a criação da Embrapatec, subsidiária privada, de capital fechado, com o objetivo de comercializar as tecnologias da Embrapa e liberdade para se tornar sócia de outras empresas de seu raio de ação, de forma a multiplicar projetos e pesquisas. Isso mesmo com orçamento limitado - no total, foram R$ 2,6 bilhões em 2014, a maior parte destinada ao pagamento de seus funcionários, entre os quais 2.444 pesquisadores.

Mas Lopes sabia que não era suficiente. Para manter seu protagonismo e colaborar para o aumento dos investimentos em pesquisa e inovação no país a pelo menos 2% do PIB agropecuário (em 2012, último dados disponível, o percentual foi de 1,51%), a Embrapa precisaria ser ainda mais ousada. O gás para isso, segundo ele, veio neste ano, apesar das turbulências político-econômicas do país. Com apoio da ministra da Agricultura, Kátia Abreu, que assumiu o cargo no início de 2015, começava a ser delineada a Aliança para a Inovação Agropecuária, a grande aposta atual da estatal para maximizar seu protagonismo e seus resultados.

Anunciada no fim do primeiro semestre pela própria Kátia - a Embrapa é vinculada ao Ministério da Agricultura -, a Aliança já aparece nos slides como "Uma nova visão de futuro para pesquisa e a inovação". E é tratada por Maurício Lopes como uma "plataforma" que trabalhará os objetivos de longo prazo da estatal, e da pesquisa agropecuária em geral, a partir do estabelecimento de portfólios, processos e uma nova cultura de gestão. "Não podemos nos acomodar em lógicas e processos desenvolvidos nas últimas décadas". A ordem é dar vida nova à Embrapa, que em abril completou 42 anos.

Lopes esclarece que isso não significa que a Embrapatec tenha sido esquecida. Mas mudou, cresceu e agora está inserida na Aliança, que buscará acelerar seus resultados por meio de uma união de forças entre Embrapa, órgãos estaduais de pesquisa, universidades, produtores rurais e empresas. A ideia é que da união desses elos sejam produzidas as inovações, seja em unidades mistas tocadas com universidades em linha com o modelo francês de plataformas virtuais, seja a partir da capilaridade dos órgãos estaduais. Ou como no caso da soja transgênica Cultivance, lançada ontem em Brasília pela Embrapa e pela alemã Basf após 20 anos de cooperação e US$ 33 milhões em investimentos.

Trata-se da primeira tecnologia transgênica - a semente é resistente a herbicidas - 100% desenvolvida no Brasil. No ano que vem, adianta Lopes, será a vez de a Embrapa lançar no mercado um feijão geneticamente modificado com uma nova tecnologia, que ele preferiu não detalhar. Em outra frente, a estatal e as parceiras John Deere, Syngenta, Dow e Cocamar, entre outras empresas, investem cada uma R$ 500 mil por ano no desenvolvimento de modelos sustentáveis de integração lavoura-pecuária e lavoura-pecuária-floresta.

Quando fala em atrair mais investimentos privados para as pesquisas agropecuárias - 90% dos aportes nessa frente são provenientes do setor público -, Lopes não pensa apenas em empresas, mas também em produtores. Nesse caso, talvez o programa que esteja amadurecendo mais rapidamente é algo similar ao "soja check-off" que existe nos Estados Unidos. Financiado através de uma taxação equivalente a 0,5% do preço de mercado líquido de cada bushel (medida equivalente a 27,2 quilos) de soja colhido, o programa permite promoção do produto americano no país e no exterior, bem como pesquisas na melhoria do grão.

"Também temos que trabalhar melhor o conceito de inteligência territorial estratégica com um conjunto rico de dados e informações. Há mapas de todo o país [feitos com fotos tiradas de satélites] e podemos criar uma base extraordinária concentrada na Embrapa Gestão Territorial", diz o presidente da estatal. Do desenvolvimento desse conceito viriam planos mais bem embasados para aplicação em regiões como o "Matopiba" (confluência entre Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), o Semiárido e a Amazônia.

"Até por conta das mudanças climáticas e da preocupação com a segurança alimentar, o mundo tropical atrai cada vez mais interesse da Ciência", observa Lopes. Mas para que a Embrapa consiga responder às expectativas que gera, será preciso elevar um montante de aportes limitado a R$ 500 milhões em 2014 (entre custeio e investimentos nas pesquisas) e que, neste ano, talvez nem chegue a isso. Pouco para acompanhar o passo de multinacionais que investem mais de US$ 1 bilhão por ano e valor insuficiente para que o Brasil amplie sua fatia nos aportes globais em pesquisa e inovação agropecuária, hoje em torno de 5%.

Kátia Abreu tenta elevar orçamento da empresa

Cristiano Zaia 

A ministra da Agricultura, Kátia Abreu, disse ontem, em evento que marcou o lançamento de uma nova tecnologia transgênica desenvolvida no Brasil por Embrapa e Basf, que uma das ideias que poderão ser incluída na nova Lei Agrícola Plurianual que está em discussão é tornar viável, de forma previsível, um aumento anual do orçamento da estatal federal de pesquisas agropecuárias. Um projeto de lei com as diretrizes da nova lei poderá ser encaminhado já neste ano ao Congresso.

No que se refere à Embrapa, o objetivo é estabelecer orçamentos anuais em um horizonte de cinco anos e torná-los imunes a contingenciamentos. "Queremos encontrar mecanismos na Lei Agrícola que garantam um percentual de aumento do orçamento da Embrapa todos os anos, mas nada que seja exorbitante", afirmou a ministra.

Kátia Abreu também destacou a Aliança para a Inovação Agropecuária como uma importante ferramenta para o desenvolvimento de pesquisas nessa frente no país. "Queremos que a Embrapa faça parceria com várias empresas. Não queremos ficar distantes da inciativa privada, não temos preconceito de que pesquisa tem que ficar longe do comércio", afirmou ela.

Como salientou Maurício Lopes, presidente da Embrapa, em entrevista ao Valor na semana passada (ver matéria Embrapa foca nova aliança para inovação) e no evento de ontem, a ministra disse que o plano de incentivar as parcerias da estatal com a iniciativa privada passa pela criação da Embrapatec, uma sociedade anônima com mais agilidade para formar joint-ventures e dividir os custos das pesquisas.

"Não estamos falando de um IPO [oferta pública de ações] da Embrapa, em abrir o capital da empresa, mas sim de buscar parceiros que nos ajudem a financiar as pesquisas", disse Lopes.

Valor econômico, v. 16, n. 3828, 26/08/2015. Agronegócios, p. B12