A hora da verdade

Claudia Safatle

28/08/2015

O Orçamento da União para 2016 é a hora da verdade para o governo. Na segunda feira, a presidente Dilma Rousseff enviará o projeto de lei orçamentária para o Congresso contendo a proposta de recriação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), com alíquota de 0,38% e expectativa de arrecadação de 1,3% do PIB.

A presidente preferiu aumentar a cobrança de impostos sobre os cidadãos do que cortar mais os gastos públicos, cujo crescimento foi vertiginoso nos últimos anos.

Aumentar os impostos ou cortar mais as despesas é o que divide, hoje, o Ministério da Fazenda do restante do governo. Joaquim Levy, ministro da Fazenda, propôs uma ampla revisão dos programas e projetos que constam do Orçamento para checar a eficácia e o propósito de ações criadas no passado, que se perpetuam sem que se saiba mais para que e para quem. Com certeza o Orçamento contém gastos que existem hoje pela simples razão de que já existiam ontem ou anteontem. Somente depois de feita essa limpeza é que se poderia cobrar mais sacrifícios dos cidadãos.

Sem a CPMF a receita, em 2016, cresce 2% nominais

Fontes oficiais alegam que o projeto de lei do Orçamento traz mais cortes de gastos. Mas a volta da CPMF se faz necessária, porque o crescimento nominal da receita com os impostos e contribuições existentes, estimado para 2016, é muito baixo - de cerca de 2% - e insuficiente para garantir todo o orçamento da área de saúde para onde, em tese, irá parte da CPMF. Mais uma vez, portanto, o governo vai vincular o imposto do cheque à provisão de verbas para a saúde, como se o dinheiro fosse carimbado. Espera, assim, mobilizar a "bancada do jaleco" no Congresso.

Como 55% da despesa primária do governo federal é com a previdência social e esse é o gasto obrigatório que mais cresce, a presidente se convenceu, segundo um ministro, de que terá que enviar ao Congresso ainda este ano a proposta de idade mínima para aposentadoria. Os gastos discricionários, por sua vez, vão ficar congelados nos valores nominais de 2015.

A solução mais fácil para um orçamento complexo e com grave desequilíbrio estrutural é o aumento de impostos. Voltar com a CPMF, no entanto, é medida que precisa de aprovação do Congresso. Ontem o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), reiterou que é contra essa medida que considera "um tiro no pé".

O Palácio do Planalto está confiante, porém, na influência também dos governadores sobre as suas bancadas parlamentares, pois os Estados e municípios receberão uma fração (cerca de R$ 8 bilhões) do novo imposto.

A grande variável orçamentária, hoje, é a receita, na visão do economista Raul Velloso. Em 12 meses até julho, segundo dados divulgados ontem, enquanto os gastos cresceram 4,5%, as receitas tiveram queda de 4,9%. Desde novembro do ano passado a arrecadação tem contração real, fruto da recessão da economia.

Ele não subestima o esforço do ministro da Fazenda. "Levy está fazendo um ajuste fiscal só comparável ao de 1999", diz Velloso. Houve queda importante no crescimento da despesa, que foi de 6,1% em dezembro de 2014 e caiu para o patamar de 4,6% em 2015, argumenta.

Para atingir o superávit primário de 0,15% do PIB estabelecido para este ano, as despesas teriam que cair 1,6% e as receitas, crescer 0,6%. O mais complicado, aqui, é extrair da economia um crescimento, ainda que mínimo, das receitas tributárias.

Para que o governo volte a contar com crescimento da arrecadação é preciso ter expansão do PIB e, para que isso ocorra, é crucial a retomada da atividade econômica e dos investimentos que estão em contínua retração. Isso, contudo, depende da confiança dos empresários nas ações do governo e no futuro. Confiança que encontra-se em níveis baixíssimos e Dilma, até agora, fez pouco para conquistá-la.

A entrevista que concedeu esta semana poderia ter sido uma oportunidade para a presidente falar com clareza e sinceridade sobre o passado, o presente e o futuro. Ela até admitiu que pode ter errado em ter "demorado tanto para perceber que a situação era mais grave do que imaginávamos". Disse que "a crise começa em agosto, mas só vai ficar grave, grave mesmo, entre novembro e dezembro de 2014", ou seja, após as eleições de outubro.

Dilma pareceu associar a crise da economia brasileira à uma suposta crise internacional e à queda de preços das commodities no mercado externo, quando se refere à substancial redução dos preços do petróleo. O "boom" das commodities que o Brasil exporta terminou em 2011 e no ano passado não houve crise externa alguma, a não ser o fato de que o mundo cresce menos e isso não é novidade.

A crise que resultou na recessão e queda da arrecadação de tributos e complicou a situação fiscal foi construída pelas ações do governo no seu primeiro mandato.

É importante lembrar que Joaquim Levy removeu, em oito meses, uma parte dos problemas criados até o ano passado quando reajustou as tarifas que estavam defasadas, cortou o gasto público, conseguiu aprovar uma reforma de benefícios trabalhistas e previdenciários, subiu a TJLP e está desmontando a montanha de subsídios concedidos pelo BNDES com dinheiro da União.

A confiança que ele inspirou nos primeiros meses de governo vai se dissipando na medida em que o ambiente político permanece degradado.

A situação, porém, continua muito grave e, sem um diagnóstico correto, dificilmente a presidente tomará as medidas adequadas.

A gota d'água para a saída do vice-presidente Michel Temer da articulação política do governo, anunciada na segunda feira, foi a instituição pela presidente Dima Rousseff de uma coordenação política paralela, da qual fazia parte o seu assessor Giles Azevedo. No grupo, que contava também com os ministros Aloizio Mercadante, da Casa Civil, e Edinho Silva, da Comunicação, teria sido dada a Azevedo a missão de esvaziar a bancada do PMDB da Câmara, tentando fazer a migração do maior número de parlamentares para outros partidos. Temer é presidente do PMDB.

Valor econômico, v. 16, n. 3830, 28/08/2015. Brasil, p. A2