Crise é oportunidade para o setor de gás

Augusto Salomon

28/08/2015

Diz-se que o ideograma chinês para crise representa, ao mesmo tempo, risco e oportunidade. Nesse sentido, por que não transformar este momento - de fragilidade passageira da Petrobras em sua capacidade de realizar investimentos - em uma grande oportunidade de abrir espaço para a entrada da iniciativa privada?

Mais uma vez tem-se a possibilidade de que novos agentes, com capacidade de financiamento, entrem na indústria e, em parceria com nossa principal empresa petrolífera, realizem investimentos não apenas necessários para o desenvolvimento da infraestrutura nacional, mas que também atuem de forma contra cíclica, promovendo o crescimento e garantindo empregos.

Não se discute aqui a importância da Petrobras. Afinal, ao longo de mais de cinco décadas, a companhia foi a responsável por grande parte dos investimentos nas indústrias de petróleo e gás natural no Brasil - em todos os elos dessas cadeias produtivas. E ninguém tem dúvidas de que, por conta desses esforços, existe produção nacional em águas profundas, refino, transporte e distribuição de combustíveis.

A entrada da iniciativa privada viabilizaria investimentos em infraestrutura, abrindo o mercado a terceiros

Essa pujança da Petrobras tradicionalmente gerava expectativas no mercado sempre que a empresa estava por divulgar novos planos de negócios. Afinal, os investimentos ali previstos representavam parcela significativa do aporte de recursos em infraestrutura no Brasil.

No entanto, essas expectativas foram frustradas no novo Plano de Negócios e Gestão 2015-2019. O documento apresentou uma redução de 37% nos investimentos da companhia quando comparado ao plano anterior. E revelou que no período 2015/2016 a Petrobras pretende desinvestir um montante de US$ 15,1 bilhões, dos quais 40% em ativos de gás natural e energia elétrica.

Menos detalhado que os anteriores, o Plano 2015-2019 retrata a nova realidade da empresa, pela qual os investimentos em gás e energia apresentados para os próximos cinco anos (US$ 6,3 bilhões) basicamente destinam-se à manutenção das operações já realizadas no presente.

A conjuntura, ainda que não favorável à Petrobras e à indústria de petróleo e gás natural do país, pode dar lugar a avanços. Basta permitir o ingresso de novos agentes com fôlego suficiente para investir. E a própria entrada desses agentes altera a estrutura de mercado - hoje fortemente concentrada nas mãos da Petrobras. Isto contribuirá para que, no futuro, haja aumento da competitividade na indústria.

Além de desonerar o concessionário, a entrada da iniciativa privada viabilizaria investimentos em infraestrutura, dando oportunidades a terceiros de entrar no mercado. Investimentos em segmentos como escoamento e transporte de gás natural podem perfeitamente ser compartilhados entre a Petrobras e atores privados.

Vale recordar que está chegando à maioridade o processo de flexibilização do monopólio da União na indústria de petróleo. No dia 6 de agosto, a Lei do Petróleo, marco para setor, completa 18 anos, e, ao longo desse período, diversas empresas se inseriram nas indústrias de petróleo e gás no Brasil, em maior ou menor grau, dependendo da atividade. Também no decorrer desses anos a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) trabalhou no sentido de aperfeiçoar os instrumentos para a promoção de maior competição nestas indústrias, garantindo a qualidade no fornecimento de produtos ou serviços.

No tocante à atividade de produção de petróleo e gás natural, está em andamento na ANP a revisão do regulamento que trata da autorização para construção, ampliação e operação de dutos e terminais. A nova versão da norma apresentada em consulta e audiência públicas pela ANP prevê a inclusão de dutos integrantes da área de concessão como passíveis de receberem autorização da ANP para serem construídos e operados.

Sendo assim, a iniciativa privada poderia atuar como parceira da Petrobras na realização de investimentos importantes para escoamento da produção do pré-sal, como a Rota-3 (que liga a produção da Bacia de Santos ao Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro, o Comperj), proposta pela própria Petrobras, e a "Rota-4" (que prevê escoar gás natural da Bacia de Santos até a costa de São Paulo). Atores privados também poderiam investir em parceria com a Petrobras nas Unidades de Processamento de Gás Natural (UPGNs) que são as responsáveis por colocar o gás nas especificações necessárias para seu consumo. Diversos agentes privados já demonstraram interesse em participar como parceiros da Petrobras nessas atividades.

Particularmente, no caso do gás natural, destaca-se que a realização de novos investimentos em transporte depende de proposição do Ministério de Minas e Energia (MME). Uma vez que o MME faça a proposta para a construção de um gasoduto de transporte, o acesso à capacidade está garantido por meio de um mecanismo legal que permite a qualquer agente comprar "espaço" (capacidade) no gasoduto. Imaginando que a Petrobras seja a principal compradora de capacidade, a realização dos investimentos no transporte deve ser efetuada por outra empresa que não possua relação de controle ou coligação com a Petrobras.

Se é verdade que a economia brasileira está atravessando um período difícil, também é verdade que esse momento pode ser uma oportunidade para a entrada de novos atores que contribuam para o fortalecimento do mercado de gás natural do país. O momento é de cautela, mas, para aqueles visionários que sabem que a crise é passageira, o momento é de oportunidade para a realização de investimentos.

Valor econômico, v. 16, n. 3830, 28/08/2015. Opinião, p. A14