STF volta a analisar situação de presídios

Beatriz Olivon 

28/08/2015

O Supremo Tribunal Federal (STF) começou a analisar se o sistema carcerário brasileiro enquadra-se na denominação de "estado de coisas inconstitucional". Por enquanto, apenas o relator, ministro Marco Aurélio, votou de forma favorável ao reconhecimento. Na prática, com a decisão que será dada no julgamento de uma arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF), os ministros poderão determinar a rápida adoção de providências para melhorar a atual situação dos presídios.

A arguição foi apresentada pelo Partido Socialismo e Liberdade (Psol) contra a União, Estados e Distrito Federal. No pedido, solicita liminar para que sejam adotadas medidas para amenizar a situação. Entre elas, a aplicação das audiências de custódia (rápida apresentação do preso a juiz nos casos de prisões em flagrante) e a necessidade de o juiz justificar a não aplicação de medidas cautelares, quando cabíveis. "A prisão provisória tem se tornado regra e não exceção. Isso entrou no piloto automático", disse o advogado que representa o Psol no caso, Daniel Sarmento.

De acordo com o advogado, a Colômbia fixou a categoria de "estado de coisa incondicional" para situação em que há violação maciça de direitos humanos e inércia das autoridades. "O equacionamento pressupõe medidas políticas complexas de diversos órgãos", afirmou. Em sua argumentação na Corte, Sarmento também destacou o risco do contingenciamento do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen), que tem a finalidade de proporcionar recursos para financiar e apoiar as atividades de modernização e aprimoramento do sistema penitenciário brasileiro.

Já o Advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, afirmou em sua argumentação que o tema não é um problema de contingenciamento, mas de aplicação da legislação. De acordo com Adams, a realidade prisional é dramática e requer ações, que vêm sendo tomadas, inclusive com decisões do STF sobre a matéria. Para o advogado-geral, é necessário buscar um diálogo nacional sobre o assunto para resolver o problema e não a declaração de uma liminar que obrigue o Executivo a produzir uma política nacional para o sistema carcerário. "Não é retirar o Funpen do contingenciamento que vai resolver. Nos últimos quatro anos a execução foi de quase 100%", disse.

No voto, o relator, ministro Marco Aurélio, citou diversas ações no STF que discutem aspectos referentes à situação nos presídios e listou os direitos e leis que estariam sendo desrespeitados, entre eles, a proibição de tortura ou tratamento degradante e a vedação à aplicação de penas cruéis e as leis de Execução Penal (nº 7.210 de 1984) e a que criou o Fundo Penitenciário Nacional. Para ele, os recursos do fundo estão sendo contingenciados pela União, o que impede a formulação de políticas públicas e contribui para o agravamento do quadro.

De acordo com o relator, a vontade política de um único órgão ou poder não servirá para resolver o quadro de inconstitucionalidades, o que será possível por meio de um trabalho conjunto. O papel do STF neste contexto é tirar os demais poderes da "inércia", segundo o magistrado. "Apenas o STF é capaz de superar bloqueios políticos institucionais", afirmou o relator. O julgamento deverá ser retomado na próxima quinta-feira com os votos dos demais magistrados, atendendo a um pedido da ministra Cármen Lúcia.

Valor econômico, v. 16, n. 3830, 28/08/2015. Legislação, p. E1