Recuos nos preços das commodities costumam anteceder quedas da atividade

Tainara Machado e Camilla Veras Mota 

31/08/2015

O aperto nas políticas fiscal e monetária desde o início do ano podem ter ajudado a derrubar a demanda, mas para alguns economistas uma parte significativa da desaceleração recente do Produto Interno Bruto (PIB) pode ser explicada pela evolução do cenário externo, especialmente dos preços de commodities. Apesar de ser uma economia fechada, o Brasil é exportador líquido de matérias-primas, o que significa que elevações de preços têm efeitos positivos sobre a renda dos produtores que superam os efeitos negativos para os consumidores. Em momentos de queda, o raciocínio inverso é válido e por isso, entre outros fatores, a economia tende a desacelerar, dizem economistas.

Como 70% da pauta de exportação do Brasil é concentrada em commodities, o economista Ricardo de Menezes Barboza, do Grupo de Conjuntura Econômica do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), procurou avaliar, em artigo, o impacto da evolução das commodities sobre o nível de atividade do país, a partir da evolução da taxa de variação do preço internacional desses produtos, medido pelo CRB em dólares, e da variação do PIB. Segundo artigo do economista, a correlação encontrada entre as duas variáveis, a partir de um modelo de regressão, foi de 83% desde 2004. Os testes estatísticos também sugerem que a variação do CRB costuma preceder a do PIB.

Barboza pondera que o comportamento do PIB é determinado por uma série de fatores, domésticos e externos, e que apesar dessa elevada correlação sugerir que os preços de commodities têm impacto sobre o produto, a política econômica não fica isenta de méritos ou culpas sobre os resultados dos últimos anos. Ou seja, se em parte a desaceleração era esperada, diante de queda de mais de 30% do CRB desde o pico, em 2011, possivelmente esse movimento não teria sido tão intenso não fosse a política econômica implementada, diz. "Aliás, outros países exportadores de commodities como Chile, África do Sul e Austrália não estão sofrendo como nós."

"É comum o questionamento sobre se foi a nova matriz ou a crise internacional que explicou o comportamento do PIB nos últimos cinco anos. Foi um pouco dos dois, não dá para ser binário", afirma Bráulio Borges, economista-chefe da LCA Consultores. Por meio de um modelo econométrico, Borges procurou estimar quanto do crescimento é determinado por fatores exógenos à política econômica. Para tanto, o modelo leva em consideração qual seria o comportamento estimado do PIB a partir de cinco variáveis: comércio global, termos de troca, população, fornecimento de energia e número de dias úteis.

A partir desses indicadores, diz, o Brasil deveria ter registrado crescimento médio anual de 1,6% entre 2011 e o primeiro semestre de 2015. É um número apenas um pouco superior ao avanço médio de 1,3% observado de fato nesses anos, comenta. Já entre 2004 e 2010, o crescimento médio anual efetivo foi de 4,5%, enquanto o modelo sugere avanço médio de 2,7% do PIB no período. "O governo abusou das políticas anticíclicas de 2008 em diante, talvez confiante que o cenário global favorável ia durar, e a ressaca desse crescimento excessivo agora contribui para o PIB mais fraco", diz.

Para Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, as dificuldades atuais têm origem doméstica e não dependem tanto da redução dos preços das commodities. Entre os maiores obstáculos hoje postos à atividade, Vale cita os efeitos da Operação Lava-Jato, o aumento dos juros e o menor crédito disponível ao setor produtivo. Em sua avaliação, o bom momento da economia entre 2003 e 2008, no auge do boom de commodities, também não dependeu tanto dos preços das matérias-primas. Naquele período, diz, parte importante do saldo positivo da balança comercial brasileira não veio das trocas com a China, mas das vendas a países do Mercosul, da Europa e dos Estados Unidos. Em 2007 e 2008, a balança com o país chegou a registrar déficit, de US$ 1,9 bilhão e de US$ 3,5 bilhões, respectivamente. "Nós também importamos bastante da China nesse período", pondera.

Mesmo com a queda nas cotações, acrescenta o economista, agropecuária e mineração estarão entre os poucos componentes que darão contribuição positiva ao PIB neste ano - crescendo 2,8% e 4,9%, respectivamente.

Barboza, da UFRJ, avalia que há outros possíveis canais de transmissão desses preços para a atividade, apesar da economia muito fechada, como o fato de um aumento das cotações representar um choque de demanda positivo e atrair fluxos de capital para países exportadores desses produtos, com efeitos positivos sobre a liquidez e o crédito. Preços em alta também aliviam a situação do balanço de pagamentos, o que permite à demanda crescer acima da produção nacional, como observado no Brasil nos últimos anos. Em momentos em que os preços caem, esse cenário se inverte, com um choque negativo de demanda e mais dificuldade para financiar o balanço de pagamentos, explica.

Há outro elemento, este institucional, que torna o comportamento da economia tão cíclico, diz Barboza. Metas rígidas de superávit primário levam o governo a gastar mais em épocas de forte crescimento - e há evidências de que as commodities influenciam na arrecadação. Quando o PIB perde força, a receita desacelera e o governo precisa reduzir gastos, o que aprofunda a queda da demanda. "O ideal seria uma banda, para que a política fiscal não exacerbasse os ciclos econômicos", conclui o economista da UFRJ.

Governo lança Renave para simplificar venda de carros

Raphael Di Cunto 

O governo lança hoje em São Paulo uma ação para simplificar os contratos de compra e venda de carros por concessionárias e revendedoras que promete reduzir em 65% o custo destas transações ao unir os sistemas da Receita Federal e do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran). A proposta, batizada de Renave, é possibilitar economia de R$ 6,5 bilhões por ano para as empresas do setor.

Segundo o ministro Guilherme Afif Domingos, da Secretaria da Micro Pequena Empresa, quando a revendedora lançar a nota fiscal eletrônica da venda, todas as informações sobre o veículos seguirão automaticamente para o departamento de trânsito. O prazo para o sistema entrar em funcionamento é 1º de março de 2016. Afif afirma que a previsão é reduzir os custos com cartórios e documentação de R$ 1,5 mil para R$ 520. A redução de despesas ocorreria ao unir os sistemas da nota fiscal eletrônica aos registros dos veículos. Atualmente, cada revendedora precisa manter livro de controle de estoque manual, registrado nos departamentos de trânsito, e certificar vários documentos em cartórios. Essa burocracia será extinta.

Valor econômico, v. 16, n. 3831, 31/08/2015. Brasil, p. A2