Setor externo é esperança com 'poréns' para PIB

Marta Watanabe, Tainara Machado, Ligia Guimarães e Camilla Veras Mota 

31/08/2015

O setor externo contribuiu de forma positiva para o Produto Interno Bruto (PIB) do segundo trimestre, com aumento de 3,4% nas exportações de bens e serviços e queda de 8,8% nas importações, na comparação com o trimestre anterior. Para analistas, porém, boa parte da "ajuda" é reflexo do baixo dinamismo econômico pressionando os desembarques e não da expansão das exportações, o que torna a contribuição positiva do setor externo mais vulnerável.

No lado dos embarques, assinalam, há poucas possibilidades de expansão por conta da baixa participação de manufaturados na pauta de exportação e da desaceleração maior da China. Nas importações, a boa notícia é que a redução não se origina só da retração no consumo, mas também da substituição de importações propiciada pelo câmbio.

"Sem a ajuda do setor externo, o PIB estaria colapsando", diz Fernando Honorato Barbosa, economista-chefe da Bradesco Asset Management (Bram). Em suas contas, a absorção doméstica - soma do consumo das famílias, do governo e do investimento - tirou 5,3 pontos do PIB no segundo trimestre, contra o mesmo período de 2014. As exportações líquidas adicionaram 2,7 pontos percentuais ao produto do segundo trimestre e evitaram queda maior da atividade, que foi de 2,6% em relação a igual período de 2014.

A indústria, diz, pode se beneficiar desse cenário, principalmente por meio da substituição de importações. Como o consumo de importados cai mais do que a demanda doméstica, parte da demanda interna tende a se deslocar para a produção da indústria nacional, que passa a ter horizonte um pouco mais favorável do que há um ano.

Ao mesmo tempo, pondera Honorato, não dá para esperar que o setor externo seja o "Santo Graal" da economia porque o cenário externo é pouco favorável aos países emergentes, com desaceleração da China e alta de juros iminente nos Estados Unidos. Para voltar a crescer, diz, o Brasil terá que resolver os problemas internos, como aumento da dívida pública, inflação alta e crescimento de salários acima da produtividade. "Não há solução mágica. [A volta do crescimento] passa por esforço continuado da atual política econômica e das empresas e famílias de se tornarem mais produtivas."

"O resultado do setor externo ainda é muito fruto da recessão interna, e não uma reação da indústria e de outros setores", diz Julio Gomes de Almeida, professor da Unicamp. Para ele, o processo de substituição de importações já se iniciou. "A impressão é de que ainda é uma substituição de importação fácil, sem muita sofisticação." Um exemplo, diz, são os outlets, que têm aumentado o movimento porque as pessoas não trazem mais importados do exterior com tanta facilidade. A substituição mais difícil, avalia, é a do processo de produção, principalmente em insumos e equipamentos de produção.

José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), diz que o processo de substituição é lento e deve se intensificar a partir de 2016, embora os desembarques devam seguir afetados pela queda de demanda doméstica. O problema é que a desaceleração da China pode ter impacto sobre o volume embarcado de commodities para o país asiático, como o minério de ferro, que neste ano já recuou 1,15% de janeiro a julho.

A exposição comercial do Brasil em relação à desaceleração da China, porém, é considerada relativamente baixa na comparação com outros países emergentes, bem atrás de países como Chile, Malásia, Peru e África do Sul. As exportações brasileiras para a China representam 2,21% do PIB, bem abaixo de outros exportadores de commodities, como Chile, com 8,18%, e África do Sul, com 12,76%. A conclusão consta de relatório da Eurasia Group, consultoria de risco político.

No critério dos efeitos indiretos ao comércio exterior, o risco do Brasil é também considerado relativamente baixo. A consultoria verificou o total das exportações em relação ao PIB de cada país considerando quatro produtos que compõem a chamada "cesta chinesa" por mostrar grande sensibilidade às flutuações de demanda da China: petróleo, cobre, minério de ferro e soja. A redução de preços desses produtos, portanto, deve afetar a exportação total de grandes produtores de commodities, mesmo que o destino total não seja a China. No caso do Brasil, essas exportações somam 2,94% do PIB, bem atrás dos 16,36% do Chile ou dos 6,65% do Peru.

Indústria de transformação já enfrenta dois anos de queda

A recessão se generalizou no segundo trimestre, mas tornou também mais evidente a longa crise da indústria - e dos investimentos - no país. A Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF, medida das contas nacionais do que se investe em máquinas, equipamentos, construção civil e pesquisa) cai há oito trimestres consecutivos, sequência mais longa desde o início da série atual das Contas Nacionais, que teve início em 1996. Entre abril e junho, o recuo foi de 8,1% na comparação com os três primeiros meses do ano e de 11,9% em relação ao segundo trimestre de 2014.

Com o desempenho bastante dependente dos investimentos, o Produto Interno Bruto (PIB) da indústria de transformação também encolhe há oito trimestres.

Para Julio Gomes de Almeida, professor da Unicamp, chama a atenção o espalhamento da crise. "A construção está sofrendo de tudo que é lado. A indústria está sofrendo de tudo que é lado. Talvez nunca tenhamos tido, com exceção de episódios muito marcantes, como as crise de 1929 ou 2009, uma generalização tão grande da recessão. Isso que dá esse sabor tão amargo na boca de todo mundo que comenta a cena brasileira."

Segundo análise do Centro de Estudos do Instituto Ibmec (Cemec), existem fortes razões para acreditar que o principal fator para a recessão da economia doméstica hoje é queda forte dos investimentos, "seja por seu efeito direto sobre a demanda, seja pelo seu efeito multiplicador de renda".

A partir da consolidação dos balanços de todas as 320 companhias abertas não-financeiras e de mais de 400 empresas fechadas, estudo do Cemec, dirigido por Carlos Antônio Rocca, sugere que a queda se concentrou no investimento privado, principalmente na indústria de transformação e naquelas que sofrem influência de políticas públicas, caso da Petrobras e Eletrobras.

"Sem dúvida, o quadro de atividade que a gente observa é fruto das diretrizes de política econômica nos últimos anos até 2014. É um equívoco acreditar que as decisões tomadas em 2015 são as responsáveis", comenta Alexandre Bassoli, economista-chefe do Opportunity. Para ele, a longa e intensa recessão dos investimentos resulta de dois fatores. De um lado, medidas que reduziram a produtividade da economia, como nível maior de protecionismo econômico, participação maior de bancos públicos no crédito e maior intervenção do governo no sistema de preços. "Todos esses fatores, aparentemente, produziram redução da eficiência da economia, e tiveram efeitos negativos sobre a produtividade."

O segundo aspecto, diz Bassoli, é a piora da previsibilidade do ambiente macroeconômico, com aumento da inflação e redução da geração de superávits primários.

Bráulio Borges, da LCA Consultores, pondera que também a Operação Lava-Jato teve grande efeito sobre a derrubada do investimento neste ano. Apenas o PIB da construção, lembra, caiu 8,2%, responsável por 0,4 ponto percentual da queda de 1,9% do PIB no segundo trimestre "A gente só vai ter ideia mais clara do quanto os efeitos diretos e indiretos da investigação tiraram do PIB a posteriori, mas faz sentido esperar que o impacto seja considerável", comenta.

O cenário da LCA está em revisão, mas as estimativas atuais são de que metade da queda de 2,2% esperada para o PIB no ano venha da Lava-Jato. Outro 0,8 ponto percentual, diz Borges, pode ser atribuído à queda de 20% da produção da indústria automotiva.

É por isso que, no ano que vem, diz o economista, o PIB pode ter desempenho melhor do que espera hoje a média do mercado. "O setor automotivo deve se estabilizar ano que vem, ainda que em nível muito baixo, mas já deixa de atrapalhar." Antes da divulgação pelo IBGE, a LCA estimava alta de 0,6% do PIB em 2016.

Cristiano Oliveira, economista-chefe do Fibra, avalia que o cenário é bem mais negativo. Ele projeta queda de 3,1% do PIB neste ano e retração de 1% no ano que vem. Em sua avaliação, uma das consequências mais negativas da queda nos investimentos é a retração do produto potencial do país. Nas contas do Fibra, que leva em consideração a média de dois modelos, o PIB potencial chegou a 1,2% no segundo trimestre deste ano, contra uma média de 3,2% nos últimos dez anos.

"Infelizmente, ainda não parece que estamos próximos a um ponto de inflexão, e o Brasil não vai sair dessa recessão pelo consumo", diz Bassoli, do Opportunity. Para ele, é essencial criar as condições para retomada do investimento, com redução do nível de incerteza, o que ainda não está dado. Por isso, diz, o PIB pode cair neste e no próximo ano.

Valor econômico, v. 16, n. 3831, 31/08/2015. Brasil, p. A4