Gasto com juros já consome quase 8% do PIB

Flavia Lima 

31/08/2015

Os gastos do governo com juros são altos e devem permanecer em níveis elevados - ao redor de 8% do Produto Interno Bruto (PIB) - nos próximos meses. A trajetória da taxa Selic e as operações de swaps cambiais, dizem especialistas, indicam que a conta salgada não deve ter alívio no curto prazo. Em 12 meses até julho, a conta de juros alcançou R$ 452 bilhões, ou o correspondente a 7,92% do PIB. É o maior percentual desde 2003 (8,41% do PIB), período iniciado com uma taxa Selic de 25,5% ao ano. Hoje, a Selic é de 14,25% ao ano. Com isso, o resultado nominal, que inclui o resultado primário e os juros nominais apropriados, atingiu um déficit de R$ 502,8 bilhões, ou 8,81% do PIB.

O economista Fabio Giambiagi espera que as despesas com juros se mantenham em torno de 7% do PIB nos próximos dois a três anos. Antes disso, já no fim de 2015, o gasto com juros deve ficar em torno de 8% do PIB. Embora a expectativa seja de recuo da inflação, diz Giambiagi, é preciso incluir no cenário de juros a retomada da alta da taxa americana ainda neste ano, o que deve limitar o espaço para a queda dos juros locais. Além disso, diz ele, a trajetória futura da conta dependerá das operações de swaps.

"Quando o governo precisa honrar um vencimento e o câmbio está pressionado, no mês em que isso ocorre gasta-se um valor muito elevado a título de juros. O contrário ocorre se o câmbio [o real] se aprecia, mas isso não tem sido muito comum recentemente", diz Giambiagi. Grosso modo, as operações de swap cambial equivalem à venda de dólares no mercado futuro e funcionam como operações de troca entre a variação da taxa de câmbio e a Selic. Quando o câmbio varia menos do que a Selic, o BC tem lucro. Na situação contrária é o BC que paga ao mercado - o que vem ocorrendo no período mais recente diante da desvalorização do real, com prejuízos ao BC. Como resultado, sobe o gasto com juro e também o déficit nominal.

Especialista em contas públicas, Felipe Salto diz que os 2,5 pontos percentuais a mais de juros desde dezembro - de 11,75% para uma taxa Selic de 14,25% ao ano - significam gasto adicional na despesa com juros de R$ 15,625 bilhões entre agosto e dezembro, ou 0,3% do PIB. Simplificado, o cálculo diz que cada aumento de um ponto no juro gera gastos de R$ 15 bilhões em 12 meses. À conta, Salto soma mais 0,2% do PIB, que é o efeito do resultado desfavorável esperado para as operações de swaps cambiais no período, considerando projeção conservadora para o dólar no fim do ano, de R$ 3,50. Selic e swaps cambiais juntos, portanto, levariam a despesa com juro para perto de 8%. "É uma fábula", diz ele, que é também assessor econômico do senador José Serra (PSDB-SP).

Outra variável com efeito significativo sobre a conta de juros, explicam os especialistas, são as compromissadas, operações do BC com o mercado, cujo objetivo é suprir a demanda por títulos de curtíssimo prazo e que somam mais de R$ 830 bilhões. "Por terem prazo muito curto, as compromissadas são muito sensíveis às mudanças na taxa de juros, quase como se fossem LFTs [títulos pós-fixados]", diz o professor de economia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Luiz Fernando de Paula. O problema, diz, é que essa "revigorada no overnight" (a taxa de um dia) ocorre em meio à Selic superior a 14%. "É uma situação econômica e política muito complicada", diz de Paula, para quem a dinâmica recria mecanismos de financeirização da economia altamente perversos do ponto de vista de distribuição de renda.

Para Marcio Garcia, professor do Departamento de Economia da PUC-Rio, excluindo-se os efeitos dos swaps, ou seja, considerando que o governo deixe de perder recursos nas operações de rolagem, é possível que a conta de juros caia um pouco. Ainda assim, diz ele, ela deve se manter em níveis altos porque o Banco Central combate uma inflação que se mostra muito elevada e persistente, e a dívida pública é muito alta. Além disso, diz, os resultados fiscais são pífios por conta da recessão. "Por mais que o Joaquim tente, está fazendo um trabalho de Sísifo [personagem da mitologia grega]: ele empurra a pedra para cima e a pedra rola de volta ou até mais para baixo porque o Congresso passa umas coisas esquisitas", diz Garcia.

A trajetória do que o governo gasta com juros mostra um recrudescimento bastante rápido dessa conta nos últimos meses. No primeiro governo de Dilma Rousseff, por exemplo, a conta ficou, na média, em 5,1% do PIB, piorando bastante em um prazo mais curto e recente. O comportamento dessa conta nos governos anteriores, no entanto, reforça o quão difícil é para o país se livrar dessa fatura: nos oito anos de Lula, a conta de juros ficou, na média, em 6,3% do PIB, após encerrar os oito anos de Fernando Henrique em 6,5% do PIB.

O governo de Dilma Rousseff tentou baixar juros. Guiada por um BC que temia os sinais vindos do cenário externo, em outubro de 2012, a Selic chegou a 7,25% ao ano e manteve-se nesse nível até março do ano seguinte. A 'era do juro baixo', porém, durou pouco. Para Rogério Sobreira, diretor financeiro e de crédito do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais, a tentativa foi "válida".

O problema, diz ele, é que não se muda a convenção apenas forçando uma redução da taxa de juros. "Para tanto, seria necessário ter superávits primários e também um PIB crescendo de forma consistente, além de inflação baixa por muitos anos", afirma. Segundo Sobreira, em algum momento vai ser preciso "desafiar o mercado" e baixar a Selic, mas isso não pode ser feito sem que se entregue o resto: disciplina por período prolongado.

Assim como Sobreira, economistas dos mais diversos perfis concordam que a receita para juros mais baixos passa longe do voluntarismo. Para Salto, a redução feita recentemente não considerava que, naquele momento, as expectativas de inflação estavam aumentando. O momento atual, diz Salto, é diferente. "Com o PIB caindo 2,5% neste ano, sem recuperação até o fim de 2017, a expectativa é que a inflação vai se acomodar em níveis mais baixos. Por isso é equivocado continuar subindo juros", diz.

Para Salto, o peso dos juros torna o programa de ajuste fiscal de Joaquim Levy uma "quimera". Em meio a uma economia em recessão, buscar o primário que estabiliza a dívida é simplesmente "inviável", afirma. A saída passa por medidas que também afetem o custo médio da dívida. "Se primário fosse suficiente para derrubar a Selic, os 4,5% do PIB de primário obtidos no primeiro governo Lula teriam sido suficientes para derrubar a Selic que, como todos sabem, continuou alta", diz, em referência à primeira passagem de Levy pelo governo.

Para Giambiagi, a ideia de que "menos juros equivale a mais gasto em saneamento ou saúde" é equivocada. "Menos juros gerará apenas menos déficit, porque com déficit de 8 % ou 9 % do PIB como o atual só um doido iria gastar o obtido com eventual redução da despesa com juros em outras rubricas. Isso implicaria perpetuar o déficit em níveis insustentáveis", diz.

Segundo Giambiagi, o déficit tem que voltar a algo próximo de 3% do PIB e o grosso dessa queda terá que vir necessariamente da redução da despesa com juros, já que o país não vai conseguir fazer um superávit primário de 5% do PIB. "O déficit atual nesse nível, se prolongado, é um passaporte para a Grécia."

Na visão geral, assim como a inflação nos anos 1990, os juros altos podem se transformar na nossa "grande briga" econômica daqui em diante. "É uma das condições para se resolver o problema do baixo crescimento do país, diz Sobreira. Para baixar os juros de forma consistente, complementa Garcia, ter gastos abaixo do PIB não é o melhor caminho, mas o único, diz.

Conta de restos a pagar já caiu R$ 72 bi este ano

Renata Batista 

O estoque de restos a pagar do governo federal que ainda não foram pagos e nem cancelados vem subindo ano após ano, mostra estudo da Diretoria de Análise de Políticas Públicas (Dapp) da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Ao longo de 2015, no entanto, este montante, que somava R$ 186 bilhões em janeiro, já está em torno de R$ 114 bilhões em agosto. O levantamento foi realizado a partir do SIGA Brasil, sistema de acompanhamento do Orçamento do Senado Federal, e considera os chamados 'restos a pagar a pagar'. "Aparentemente, o ministro Joaquim Levy está adotando estratégia de acelerar os pagamentos", diz o coordenador de pesquisa da Dapp, Rafael Martins de Souza, que trabalhou com os pesquisadores Andressa Falconiery e Wagner Oliveira.

Esses R$ 114 bilhões representam 1,94% do PIB e 5,81% do Orçamento da União autorizado para este ano, metade do que foi inscrito no Orçamento na virada do ano, que foi de R$ 227,7 bilhões. Habitualmente, os especialistas falam na conta dos restos a pagar inscritos no Orçamento. No entanto, os pesquisadores da FGV acompanham os valores descontando os montantes já cancelados e pagos, o que explica a diferença dos números.

Os dados do Dapp/FGV mostram que a forte evolução do estoque desses valores se verifica a partir de 2007, quando estes restos a pagar (que levam em conta os que não foram cancelados nem pagos) representavam apenas 1% do Orçamento autorizado para o ano e 0,36% do PIB.

Pelas contas dos pesquisadores, enquanto o Orçamento aumentou 343% entre 2000 e 2013, os restos a pagar não processados (empenhados e não liquidados) avançaram 864% e os processados (empenhados, liquidados e não pagos) aumentaram 1.975% no período. Tal situação afetou principalmente transferências para Estados e municípios, concessões de empréstimos e financiamentos e isenções/subvenções econômicas. Ou seja, os subsídios aumentaram, mas a conta está sendo carregada de um ano para o outro. Assim como cresce o volume de recursos de Estados e municípios represados pelo governo federal, o que explica a crescente insatisfação desses entes da federação.

Em todo o período analisado (2001-2015), 95% dos restos a pagar são da rubrica investimentos, despesas correntes e inversões financeiras - na maior parte, despesas discricionárias (e não obrigatórias). "O estudo mostra que, além de investirmos pouco, muito do que é alocado para essa natureza é retido na conta de restos a pagar", diz Rafael de Souza, do Dapp.

A postergação de pagamentos na função encargos especiais, que de 2000 para 2001 equivalia a 0,34% do PIB, alcançou 1,14% do PIB em 2013. Essa função engloba concessões de empréstimos, subvenções econômicas e repasses para Estados e municípios, como as compensações de Impostos sobre Produtos Industrializados (IPI) previstas na Lei Kandir. As inscrições de transferências para Estados e municípios como restos a pagar saltaram de R$ 7,6 bilhões no orçamento de 2012 para R$ 18,8 bilhões em 2013. Já o volume de restos a pagar na rubrica empréstimos e financiamentos passou de R$ 1,7 bilhão (2011) para R$ 9,2 bilhões (2012). Voltou a cair, mas ainda foi em 2013 de 4,5 bilhões. O item equalização de preços e taxas subiu - passou de 1% do total de restos a pagar no início da amostra para 12% no último ano analisado (2014).

Os pesquisadores da Dapp/FGV tentaram identificar sinais de que o expediente de restos a pagar estivesse sendo usado como parte da política anticíclica. "O indicador mais claro sobre isso que identificamos foi a postergação da última folha de pagamentos da Previdência Social, que aconteceu pela primeira vez de 2008 para 2009. Isso alterou o patamar de transferências de restos a pagar de um ano para o outro", diz Souza.

Para eles, a lógica de postergação está associada à preocupação em entregar os resultados fiscais esperados, mas também abre brechas na execução orçamentária. A conta de restos a pagar, dizem, funciona praticamente como um orçamento paralelo.

De acordo com o artigo elaborado pela Dapp/FGV, os itens inscritos nessa conta não precisam mais passar por todo o processo decisório (Plano Plurianual e Lei de Diretrizes Orçamentárias). Também não está sujeito aos mesmos controles e fiscalizações. "A inscrição de despesas no item restos a pagar garante orçamento para o ano seguinte sem que o item passe por todo o processo decisório (Plano Plurianual e Lei de Diretrizes Orçamentárias)", explicam.

Ferramenta Mosaico Orçamentário permite acompanhar gasto público no site do Valor

Em parceria inédita com a Diretoria de Análises e Políticas Públicas (Dapp) da Fundação Getúlio Vargas, o Valor está lançando uma nova ferramenta para acompanhar os gastos do governo. OMosaico Orçamentário, que pode ser acessado no portal Valor, dentro da categoria Brasil, permite visualizar, de forma amigável, a execução orçamentária da União por tipo de gasto e por órgão, desde 2001, segregando parcelas obrigatórias e discricionárias dos gastos.

Na ferramenta, é possível ver ainda quanto foi executado do Orçamento por cada ministério, de forma gráfica e intuitiva. Além disso, os dados de tabelas podem ser exportados para planilhas Excel, permitindo que o leitor faça novas análises, como o estudo sobre a evolução dos restos a pagar entre 2001 e 2014. O Mosaico está também disponível no Valor PRO, serviço de informação em tempo real do Valor.

"O jogo orçamentário é espelho do jogo político e a construção do Mosaico favorece esse entendimento", afirma o diretor da Dapp, Marco Aurélio Ruediger. "As informações são calibradas para atingir uma faixa ampla da sociedade. Permitem olhar o orçamento da União na profundidade que interessa, nem muito simplificada, nem muito especializada", diz o presidente da FGV, Carlos Ivan Simonsen Leal.

Segundo Simonsen Leal, o Mosaico fornece transparência, de fato, a informações que hoje, mesmo disponíveis, são pouco compreensíveis. "A ferramenta responde a uma demanda que deve crescer se a sociedade brasileira quiser ser realmente democrática. Ajuda a dar racionalidade ao país, ao levar as pessoas a desenvolver capacidade para escolher as políticas que preferem e que candidatos têm políticas compatíveis", completa.

O Mosaico Orçamentário foi desenvolvido há cerca de um ano e meio e a parceria com o Valor começou a ser discutida há três meses. A ferramenta utiliza a base de dados Siga Brasil, sistema de acompanhamento do Orçamento utilizado pelo Senado Federal. Para ter acesso a esses dados, a FGV contou com o apoio da consultoria do Senado.

Para analisar os dados e desenvolver ferramentas como o Mosaico, a Dapp conta com cerca de 20 pesquisadores permanentes e dez flutuantes, entre economistas, cientistas políticos, sociólogos, antropólogos, filósofos, linguistas e designers. "A onda que vai carregar o Brasil e o mundo nos próximos anos é transparência, 'compliance' e comunicação em rede. O futuro da administração pública é ser mais porosa para a opinião pública", completa Ruediger, frisando a importância do design para traduzir informações tão complexas. 

Valor econômico, v. 16, n. 3831, 31/08/2015. Especial, p. A12