BC mostra seu arsenal

 

RENNAN SETTI, GABRIELA VALENTE E BÁRBARA NASCIMENTO

O globo, n. 29999, 25//09/2015. Economia, p. 19

 

Depois de cinco altas consecutivas, o dólar fechou ontem em forte baixa, de 3,69%, a R$ 3,992. Pela manhã, a moeda americana bateu novo recorde e chegou a R$ 4,249, levando o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, a declarar que poderia usar as reservas cambiais do país para conter a volatilidade do mercado. Ele também afirmou que a taxa de juros do país ficará estável. Com isso, os investidores diminuíram suas apostas contra o real, e o dólar caiu com força. O Brasil tem o sexto maior volume de reservas cambiais do mundo, com US$ 370 bilhões. Analistas divergem se a forte pressão sobre a moeda brasileira nos últimos dias foi resultado de ação especulativa ou se é mais um reflexo do agravamento da crise política e econômica. - RIO, BRASÍLIA E SÃO PAULO- Depois de cinco altas consecutivas, em meio a uma queda de braço entre o mercado e o Banco Central ( BC), o câmbio finalmente deu uma trégua ontem. O dólar comercial, após saltar 2,5% pela manhã, chegando aos R$ 4,249, encerrou em forte baixa: 3,69%, aos R$ 3,992 — a maior queda percentual para um dia desde 10 de maio de 2010. Entre a máxima e o fechamento, o tombo foi de 6%. A moeda perdeu força depois de o presidente do BC, Alexandre Tombini, afirmar que as reservas internacionais “podem e devem” ser usadas para atuação no câmbio. As reservas internacionais, hoje, chegam a US$ 370,8 bilhões. Tombini ainda reforçou que não pretende subir juros, o que, segundo analistas, afastou as especulações dos investidores de que a autarquia iria recorrer a isso.

Tombini apareceu de surpresa na entrevista coletiva de divulgação do relatório trimestral de inflação do BC. Além do impacto de suas declarações no câmbio, BC e Tesouro agiram de forma coordenada ontem, com o acompanhamento do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, para conter a escalada do dólar e dos juros no mercado futuro.

— As reservas são um seguro que pode e deve ser utilizado. Todos os instrumentos estão à disposição do BC e estão num raio de ação num período à frente. Não vejo o Banco Central limitado a um instrumento — disse Tombini, sem antecipar, porém, a estratégia de atuação no câmbio. — Como se dará, quando e se vamos usar este ou aquele instrumento, é algo que veremos no acompanhamento diário do mercado de câmbio. Eu não gostaria de detalhar as estratégias no momento.

O dólar reagiu às declarações das autoridades. Às 9h, abriu já em forte alta, atingindo seu pico às 10h30m. Entrou, então, em trajetória de queda, acentuada pelo início do discurso de Tombini, às 11h. Por volta das 11h10m, o dólar havia praticamente retornado ao mesmo patamar de fechamento do dia anterior.

Mas, enquanto o presidente do BC falava, começou a recuperar fôlego, voltando à casa dos R$ 4,20 por volta das 12h30m. Neste momento, surgiu a notícia de que o presidente do Senado, Renan Calheiros, havia marcado para o próximo dia 30 a conclusão das votações dos vetos presidenciais a medidas que ameaçam o ajuste fiscal. A moeda americana retomou a trajetória de queda.

‘ O MERCADO ESTÁ TESTANDO O BC’

Na entrevista surpresa, Tombini lembrou que as questões de câmbio sofrem impacto de “variáveis não econômicas”, ou seja, da crise política. Ele reforçou ainda que a estratégia do BC é manter a Taxa Selic, hoje em 14,25% ao ano, inalterada por período prolongado.

— As expectativas podem estar contaminadas pelo ambiente de mais volatilidade. Dito de outra forma, as taxas de juros do mercado não servirão como guia para a política monetária nos próximos meses — afirmou, em referência às taxas de juros futuros, que dispararam nos últimos dias.

Ele disse ainda acreditar que o esforço para aprovar o ajuste é capaz de evitar um novo rebaixamento da nota de crédito soberano do Brasil.

Para Jaime Ferreira, superintendente de câmbio da corretora Intercam, o mercado sentia falta de uma declaração mais direta do BC sobre o câmbio, e a fala de Tombini “deu um certo alívio”.

Nos últimos dias, os analistas atribuíram a alta do dólar ao temor de um novo rebaixamento e à crise política, que emperra o ajuste fiscal.

— Ataque especulativo é um termo muito forte ainda, mas é como se fosse isso. O mercado está, de certa forma, testando o BC — afirmou Ricardo Zeno, sócio- diretor da AZ Investimentos. — A desvalorização do real tem fundamentos, mas não nesses níveis.

Ontem, o BC conseguiu vender 20 mil contratos de swap cambial ( espécie de venda de moeda no futuro), equivalentes a US$ 1 bilhão. Na véspera, de 20 mil, só houve demanda para 4,4 mil. O BC também fez a rolagem de 9.450 contratos que venceriam em outubro. No fim do dia, anunciou que hoje serão oferecidos mais 20 mil contratos.

Luiz Roberto Monteiro, operador da corretora Renascença, no entanto, ressaltou que o que mais pesou no mercado foi o fato de Tombini afirmar que não subiria os juros.

— Muita gente especulou, nos últimos dias, que o BC iria parar de intervir no câmbio por meio de swaps e leilões de linha ( venda de reservas com compromisso de recompra) e partir para uma alta de juros. Quando ele afirma que não vai recorrer a isso e reforça que tem mecanismos para segurar o câmbio, faz uma demonstração de força — explicou Monteiro, que não considera uma boa ideia vender reservas. — A interpretação dos investidores seria a de que o BC perdeu as rédeas. O mercado iria, logo, pedir mais.

LEVY REFORÇA DISCURSO DE TOMBINI

Paralelamente à entrevista de Tombini, o Tesouro anunciou que fará uma série de leilões de compra e venda de títulos públicos entre hoje e 2 de outubro. Isso teve efeito direto no mercado de juros futuros. Os contratos futuros de Depósito Interfinanceiro ( DI) com vencimento em janeiro de 2021, que haviam atingido 17,55% pela manhã, fecharam em 16%, contra 16,80% da quarta- feira

À noite, em evento em São Paulo, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, reforçou o discurso de Tombini e disse que as reservas podem ser usadas e que o Brasil tem ainda outros mecanismos para lidar com a volatilidade.

— Eu acho que é uma possibilidade, mas quem decide isso evidentemente é o Banco Central. Mas nós temos mecanismos que têm se mostrado eficazes neste momento de maior incerteza doméstica e até global.

Para analistas, nenhuma ação isolada do BC conseguirá conter volatilidade, na página 20