O globo, n.30.010, 06/10/2015. País, p.7

Apesar de manobra do governo, TCU mantém análise de contas

‘O governo está tentando intimidar a mim e ao tribunal’, diz Nardes

Mesmo com a manobra do governo para tentar adiar o julgamento, os ministros do Tribunal de Contas da União mantiveram para amanhã a sessão que analisará as contas de 2014 da presidente Dilma. A decisão foi tomada ontem, menos de duas horas após a Advocacia Geral da União (AGU) protocolar pedido de suspeição do relator, Augusto Nardes (na foto). Antes da votação, o plenário analisará o recurso do governo. -BRASÍLIA- Menos de duas horas depois de o governo protocolar no Tribunal de Contas da União (TCU) o pedido de suspeição de Augusto Nardes, relator do processo sobre as contas de 2014 da presidente Dilma Rousseff, os ministros do tribunal decidiram ontem manter a sessão extraordinária de amanhã, destinada a analisar as contas. Primeiro o plenário do tribunal vai analisar a arguição de suspeição de Nardes, apresentada pelo ministro Luís Inácio Adams, da Advocacia Geral da União (AGU), e logo em seguida, caso o relator seja mantido na função, será iniciado o julgamento.

A decisão foi tomada em reunião no início da noite no gabinete do presidente do TCU, Aroldo Cedraz, com a participação de Nardes e de outros quatro ministros: Bruno Dantas, Raimundo Carreiro, José Múcio Monteiro e Benjamim Zymler. Segundo ministros, é muito pequena a possibilidade de o tribunal afastar o relator.

CORREGEDORIA NÃO IMPEDIRÁ VOTAÇÃO

Cedraz despachou a arguição de suspeição ao gabinete do relator e também a Carreiro, corregedor do TCU. A tramitação do processo na Corregedoria não impedirá uma votação sobre a arguição de suspeição amanhã. Será uma questão preliminar a ser votada pelos ministros.

Em nota, Nardes acusou o governo de tentar pressionar o tribunal. “O governo está tentando intimidar a mim e ao Tribunal de Contas da União, mas não vamos nos acovardar. Realizamos um trabalho técnico de forma eficiente e coletiva na análise das contas”, disse.

Após a decisão de Cedraz de manter a sessão de amanhã, Nardes comentou:

— O momento é importante para o TCU. O que houve foi para tirar o foco. Vamos votar com equilíbrio. Demos um elástico prazo de defesa, todo o contraditório foi estabelecido. O próprio Adams esteve comigo entre oito e dez vezes. Não adianta quererem atingir o relator. O trabalho foi coletivo. O mais importante é defender os interesses da nação.

O parecer prévio distribuído por Nardes recomenda a rejeição das contas de Dilma. O documento foi encaminhado quinta-feira aos demais ministros que vão julgar o balanço de 2014. “As contas não estão em condições de serem aprovadas, recomendando-se a sua rejeição pelo Congresso Nacional”, diz o parecer. A oposição planeja usar um eventual parecer pela rejeição, que precisa ser validado pela maioria dos ministros, para embasar pedido de impeachment da presidente. A palavra final sobre as contas é do Congresso.

O relator lista 12 irregularidades mantidas, depois de análise das defesas protocoladas pela presidente, e consideradas como razão para a rejeição das contas. Entre elas, estão as chamadas “pedaladas fiscais”, manobra que consistiu num represamento de repasses de recursos aos bancos oficiais, que se viram obrigados a arcar com o pagamento de benefícios como o Bolsa Família, o seguro- desemprego e o abono salarial. O montante envolvido é de R$ 40 bilhões entre 2009 e 2014, segundo o TCU.

TCU JÁ REJEITOU PEDIDO DE AFASTAMENTO

Integrantes do TCU acreditam não existir elementos para adiar a votação em razão de um precedente: no julgamento sobre os prejuízos com a compra da refinaria de Pasadena, no Texas, um pedido de suspeição do relator — o então ministro José Jorge — foi decidido rapidamente em plenário e não resultou em adiamento da votação.

Em 23 de julho de 2014, o plenário do TCU apontou um prejuízo de US$ 792,3 milhões na compra da refinaria e responsabilizou 11 gestores e ex-gestores da Petrobras pelo mau negócio, determinando inclusive o bloqueio de bens dos responsáveis. José Jorge apresentou suas explicações e disse não se considerar suspeito para atuar no julgamento. Os ministros concordaram e a votação ocorreu em seguida.

 

Estratégia do Planalto é pedir ao Supremo a nulidade do julgamento

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Gleisi chama Nardes de ‘golpista’; Aloysio
diz que governo recorreu a ‘chicana’

-BRASÍLIA- O governo dá como certo que o Tribunal de Contas da União (TCU) não vai aceitar o pedido de afastamento do ministro Augusto Nardes, mas auxiliares da presidente Dilma Rousseff afirmam que a possível rejeição, em vez de caracterizar uma derrota do Planalto, reforçará a estratégia de recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar obter a nulidade do julgamento, caso as contas de 2014 de Dilma sejam rejeitadas.

O argumento do governo é que a eventual rejeição da arguição de suspeição de Nardes criaria uma “nulidade definitiva”, já que os demais ministros do TCU não teriam sanado um vício na tramitação do processo. O Planalto só não decidiu ainda o momento em que recorrerá ao STF, se após a eventual rejeição das contas pelo TCU; quando o processo das contas for para apreciação no Congresso; ou após o julgamento pelos parlamentares.

— O objetivo do governo ao pedir o afastamento de Nardes é configurar que estaria havendo politização do julgamento, abrindo caminho para eventual pedido de nulidade ao STF lá na frente — disse um auxiliar direto da presidente.

Após cerimônia de posse de novos ministros, ontem no Palácio do Planalto, o ministro José Eduardo Cardozo ( Justiça) defendeu a decisão de pedir a suspeição de Nardes. Para Cardoso, o julgamento está sendo politizado e a oposição busca transformar um assunto jurídico em terceiro turno das eleições de 2014.

— O magistrado deve agir com imparcialidade, não deve antecipar julgamento e nem levantar questões políticas. Deve agir com comedimento, com cautela. Espanta que falem em violência. Quem pensa assim é contra a democracia e quer conseguir um terceiro turno eleitoral. Querem no tapetão o resultado que não conseguiram nas urnas — afirmou Cardozo.

DEBATE NO CONGRESSO

No Congresso, o pedido de afastamento de Nardes provocou debates entre governo e oposição. A ex-ministra da Casa Civil senadora Gleisi Hoffmann (PTPR) partiu para o ataque ao relator do TCU:

— Comporta-se o ex-deputado Nardes como um parlamentar da oposição, e não como um magistrado da Corte de Contas, que haverá de elaborar o voto e o parecer que embasará a decisão deste Congresso. É uma postura, no meu entender, golpista, somando-se aos esforços de grupos e partidos que militam pelo afastamento da presidente da República, inconformados com a sua vitória legítima nas últimas eleições. O ex-deputado Nardes tem conspirado contra o governo eleito — disse Gleisi.

O senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) contestou dizendo que o governo está promovendo uma “chicana” (manobra de má-fé) para tumultuar o julgamento das contas presidenciais. Aloysio defendeu Nardes das acusações de ter antecipado seu voto.

— Ele foi eleito pelos seus pares da Câmara, não deve favor a ninguém e nem é hostil a ninguém. O mais é chicana. É uma operação de chicana essa de tentar tumultuar o processo. É uma chicana fadada ao fracasso — disse Aloysio.

O ministro Luís Adams, advogado-geral da União, defendeu o afastamento de Nardes:

— Nós queremos garantir que, rejeitadas ou aprovadas, as contas da presidente sejam julgadas de maneira imparcial, objetiva e ponderada, e não de forma dirigida e de forma associada a movimentos externos ao tribunal. Vamos procurar o Supremo sempre que verificarmos uma violação de direitos que deva ser apreciada.