‘Câmbio é um termômetro do desconforto com o país’

 

 Rennan Setti

O globo, n. 29999, 25//09/2015. Economia, p. 21

 

O que o BC pode fazer para controlar o dólar?

A situação atual é sui generis, já que não se trata propriamente de um ataque especulativo para forçar o BC a fazer isso ou aquilo, mas, sim, um mal- estar generalizado ao ver o câmbio funcionando como um termômetro da sensação de desconforto das pessoas com o país. Quem opera câmbio sabe fazer conta, as coisas ficaram ruins. É uma pedra rolando a ribanceira, e a situação só vai mudar se houver mudança na ribanceira.

O dólar caiu forte após as declarações do presidente do BC. O que mudou?

Nada mudou no líquido, tudo é espuma. Estamos em uma situação em que qualquer fala, ainda que não tenha muito conteúdo, tem impacto. Mas ele é passageiro, uma vez que as fragilidades continuam do mesmo tamanho.

Então o Brasil não sofre um ataque especulativo, como muitos falam?

Não há um ataque contra a moeda, até porque o BC tem instrumentos poderosos que permitem controlar o câmbio. Mas polícia é mesmo sempre capaz de controlar a multidão. Mas o crucial é saber por que a multidão está tão nervosa. E a multidão não é só o mercado financeiro e, sim, todo mundo. Basta olhar os níveis de aprovação do governo.

Mas o que o senhor faria se estivesse no comando do BC hoje?

Não sei responder, porque é preciso ter um panorama da cadeia de comando para saber. Mas uma diferença crucial em relação ao que eu vivi foi que passei, mais de uma vez, por situação de ataque especulativo. Ou seja, evento cambial em que existe motivação associada à política cambial e a uma crise externa. O que ocorre hoje é um haraquiri, um derretimento da moeda devido a políticas equivocadas dentro de casa. E o BC não tem instrumento para tratar disso. São problemas ligados às políticas fiscal e partidária e, portanto, o BC só poderá fazer uma atuação tópica. Mas a pedra vai continuar rolando a ribanceira. Em tempos de Rock in Rio, me ocorre o “Like a Rolling Stone”, de Bob Dylan...

O sr. acha que o BC deve vender reservas?

Ele pode até vender reserva, mas o fluxo cambial não está negativo a ponto de precisar disso. Não se trata de um movimento cambial e, sim, de uma crise de confiança. As empresas não precisam de dólar, precisam da proteção do swap, que não compromete reserva. Essa é uma atuação relevante e importante.

Nos anos 90, os juros foram importante para manter o câmbio. O BC deveria elevar as taxas?

Não vejo razão para isso. A dosagem já é apropriada. Mas não se sabe o efeito que essa desvalorização cambial vai adicionar à inflação. Essa deve ser uma preocupação do BC, mas é apenas uma delas.

 

‘ Brasil está sob ataque especulativo dos grandes fundos de hedge globais’

 

O presidente do BC mencionou a possibilidade de usar reservas internacionais para conter a alta do dólar. Essa seria uma saída?

Se eu fosse o Tombini, aumentaria a taxa de juros em três pontos percentuais, para 17,25%, de uma só tacada. Seria um movimento temporário que enviaria uma mensagem aos fundos de hedge globais que estão promovendo um ataque especulativo contra o Brasil. Esses caras são tubarões que farejam sangue na água e estão se aproveitando demais do BC e da paralisia do governo para criar o caos. O aumento repentino dos juros iria atrair um enorme volume de capital, elevando o preço dos ativos brasileiros e o real, provocando grandes perdas a esses fundos que apostam contra o Brasil. Seria uma balde de água fria sobre eles.

Então o real está mesmo sob ataque especulativo?

Totalmente! Sem a menor sombra de dúvida se trata de um ataque especulativo. O Brasil está, hoje, sob ataque dos grandes fundos de

hedge globais. Hoje vi um número alarmante que prova isso. É sobre o comportamento do iShares MS CI Brazil Capped, um fundo do tipo ETF( Exchance Traded Funds, negociado em Bolsa) que acompanha ações brasileiras e é negociado em Nova York. O fundo é o maior a acompanhar os papéis brasileiros. Esse fundo tem cerca de 84 milhões de ações emitidas, e 59 milhões, ou 70%, estão short ( jargão de mercado para vendas a descoberto). É um nível que eu jamais vi.

O que isso significa?

Isso significa que os fundos de hedge venderam ações que não possuem, papéis que alugaram com o objetivo de vendê- los, apostando na queda de sua cotação. Quando o valor do papel cai, esses fundos os compram a preço de mercado e devolvem para quem alugou. Assim, eles ganham com a diferença. Por um acaso, estou, hoje, em Nova York e a toda hora passa no canal de economia da TV, a CNBC, alguém falando que o melhor short que tem no mundo hoje são a moeda e os ativos brasileiros. A precificação dos ativos brasileiros está totalmente deslocada da realidade. Já estamos em um patamar ridículo que não faz o menor sentido.

Esses fundos são culpados pela situação atual, então?

É claro que não é simplesmente isso, a crise do país tem fundamentos. O negócio dos fundos é esse mesmo, ganhar dinheiro. Por isso o BC deveria enviar uma mensagem a eles.

Mas subir juros não seria ruim em uma economia já em recessão?

É claro que a melhor solução seria um ajuste fiscal ter sido feito lá atrás. Mas, na falta dele, a política monetária tem que compensar essa ausência para, depois, o país voltar a crescer.