O Estado de São Paulo, n. 44496, 15/08/2015. Economia, p. B6

Petrobrás põe dívida de R$ 6 bi no Refis

FERNANDA NUNES, MARIANA DURÃO 

 

A Petrobrás anunciou ontem sua adesão ao Programa de Parcelamento Especial (Refis) para eliminar uma dívida de R$ 6 bilhões que estava em discussão com a Receita Federal. Foi o segundo contencioso tributário que a estatal decidiu encerrar em um intervalo de uma semana. A decisão terá um impacto negativo de R$ 2 bilhões no balanço do terceiro trimestre, que também deverá ser afetado pela forte valorização do dólar no período de julho a setembro.

Os pagamentos da Petrobrás à Receita ocorrem em um momento em que o governo, controlador da empresa, busca melhorar seu resultado fiscal. O ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, garantiu, porém, que a decisão não tem relação com qualquer alívio ao Tesouro, mas sim com o novo modelo de gestão da companhia. Questionado a respeito na semana passada o presidente da estatal, Aldemir Bendine, foi taxativo: "Ninguém está aqui para fazer caixa para o Tesouro".

"O que vemos acontecer na Petrobrás é um redirecionamento da empresa. Não há interferência do governo", disse o ministro, em visita ao Rio. Braga admitiu que, ao quitar dívidas com o governo, a estatal contribui com o caixa da União. "Tem impacto porque estamos falando da maior empresa brasileira", disse.

Os débitos quitados são referentes ao não recolhimento de Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) sobre remessas à subsidiária Petrobrás International Finance Company, para pagamento de operações de importação de petróleo e derivados, referentes aos anos de 1999 a 2002, 2004, 2005 e 2007 a 2012.

Condições. De acordo com a Petrobrás, com a adesão ao Refis, a dívida cairá de R$ 6 bilhões para R$ 3 bilhões. Desse valor, segundo o comunicado da empresa, R$ 876 milhões serão liquidados com prejuízos fiscais, e haverá um dispêndio total de R$ 2,1 bilhões, sendo R$ 1,26 bilhão da conversão de um depósito judicial em pagamento definitivo e o restante com pagamento parcelado até 2017. O impacto negativo no resultado do terceiro trimestre será de R$ 2 bilhões, líquido de impostos.

Na divulgação dos resultados do segundo trimestre, a Petrobrás anunciou acertos para o pagamento de débitos do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), gerando um impacto negativo de R$ 3,9 bilhões. O lançamento de dívidas tributárias e a baixa de ativos levaram a uma queda de 89% no lucro. Na ocasião, Bendine indicou como prioridade sanear o passivo tributário e não descartou novos acordos se houvesse vantagem para a companhia.

Em nota divulgada ontem, a Petrobrás explica que levou em conta benefícios financeiros potenciais e a análise de riscos de possíveis decisões desfavoráveis nas esferas judicial e administrativa. A empresa continua a reavaliar seu contencioso para identificar outros débitos que possam ser incluídos no Refis. O prazo para a adesão termina em setembro.

A estatal afirma ainda que a judicialização da questão implicaria em uma despesa financeira adicional, com constituição de garantias, além do aumento do valor da dívida ao longo do tempo, com juros e ônus econômicos.

A notícia não foi bem recebida e as ações da Petrobrás encerram nas mínimas, com recuo de 2,21% (PN) e de 2,17% (ON). A queda também refletiu a preocupação de investidores com as manifestações marcadas para amanhã.

Para o analista Flávio Conde, da WhatsCall, o impacto negativo de R$ 2 bilhões do Refis no balanço do terceiro trimestre será agravado pela alta do dólar no período. O efeito será sentido no endividamento, maior problema da estatal. Como a Petrobrás tem uma parte significativa de sua dívida em moeda estrangeira, a valorização do dólar ante o real pressiona seu passivo.

 

 

Associação de investidores articula ação contra a estatal

 

A Associação de Investidores Minoritários se articula para ingressar com uma ação civil pública contra a Petrobrás em busca de indenização pelas perdas impostas à estatal na Bolsa de Valores em decorrência do esquema de propina revelado pela Operação Lava Jato. Os minoritários também tentam convencer acionistas relevantes da companhia, como a Previ, fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, a participar da ação ou processar civilmente os administradores da Petrobrás envolvidos em corrupção.

Pela Lei das Sociedades Anônimas, quando um administrador causa dano a uma companhia, a empresa pode mover ação de ressarcimento, desde que aprovada em assembleia geral. Caso a assembleia rejeite a proposta, a ação pode ser movida por acionistas que representem no mínimo 5% do capital social em nome da companhia.

O acionista também pode impetrar ação de responsabilidade civil quando considerar que seu patrimônio foi diretamente atingido. No caso da ação civil pública, a figura de uma associação sem fins lucrativos tem legitimidade para a propositura. A Associação de Investidores Minoritários teve protagonismo no caso da derrocada do grupo X, do empresário Eike Batista.

A advogada Érica Gorga, que atuou como perita nas ações movidas por acionistas da estatal na Justiça americana, apoia o movimento. Ela destaca que, além do governo, controlador da Petrobrás, BNDES e Previ são acionistas com participações importantes e por isso deveriam se engajar.

Para a advogada, o que justifica a falta de uma iniciativa para buscar algum tipo de reparação é a existência de "um conflito de interesses e uma questão política envolvendo esses minoritários". "A Previ é um acionista-chave. O fundo tem dever fiduciário com os pensionistas (do Banco do Brasil). Se a companhia em que investiu milhões está perdendo dinheiro, tem de tomar medidas judiciais para recuperá-lo", diz.

Procurada a Previ informou que está constantemente acompanhando e cobrando dos gestores das empresas nas quais detém participações acionárias informações e, quando necessário, toma medidas cabíveis visando à sustentabilidade das próprias companhias e, consequentemente, a geração de valor aos seus acionistas.

Na Justiça dos EUA, a Petrobrás já é alvo de 17 processos. Ao todo, são ações 11 individuais e seis coletivas, que vêm sendo abertas na Corte de Nova York desde dezembro de 2014. Para Érica, a lei brasileira é anacrônica e dificulta o ativismo dos acionistas. A advogada rechaça a classificação da Petrobrás como vítima.

"Uma pessoa jurídica não pode ter só direitos, sem obrigações. Quando ela faz uma oferta bilionária no mercado, o faz como companhia. Se o dinheiro começa a desaparecer por corrupção, a própria empresa deve indenizar. Isso fortalece o mercado de capitais", diz. / M.D.