Impasse com PMDB adia reforma

 

JÚNIA GAMA, SIMONE IGLESIAS E WASHINGTON LUIZ 

O globo, n. 29999, 25//09/2015. País, p. 3

 

Um impasse interno no PMDB, maior partido da base aliada, travou a reforma ministerial que a presidente Dilma Rousseff pretendia anunciar ontem. Preocupada em manter o vice- presidente Michel Temer em seu entorno e em evitar o fortalecimento da tese do impeachment, Dilma tentou um acordo para manter o ministro Eliseu Padilha, braço- direito do vice, na Aviação Civil, além de deixar Henrique Alves ( Turismo) e Hélder Barbalho ( Pesca) no primeiro escalão, mesmo que em pastas diferentes das atuais. O espaço do PMDB seria então completado com a manutenção de Kátia Abreu ( Agricultura) e Eduardo Braga ( Minas e Energia) em seu postos e com a entrega de apenas um novo ministério para bancada do PMDB na Câmara. Só que a manobra gerou reação imediata entre os deputados peemedebistas, que haviam recebido da presidente a oferta de duas pastas.

O líder do partido, Leonardo Picciani ( RJ), mandou recados ao Palácio do Planalto de que, caso houvesse recuo da presidente, a bancada retiraria suas indicações e o apoio do PMDB na Câmara ao governo ficaria comprometido. Temendo uma revolta dos deputados, Dilma mandou emissários avisarem a Picciani que manteria seu compromisso de entregar dois ministérios à bancada. Antes, porém, tentou um acordo, via Temer, para viabilizar as mudanças. A presidente esteve com o vice ontem e pediu que conversasse com o governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão, para que ele convencesse Picciani a abrir mão de uma das pastas agora para, somente mais tarde, ser compensado.

PMDB PODE GANHAR CULTURA

Temer, no entanto, recusou o apelo de Dilma. Segundo interlocutores do vice- presidente, ele reafirmou que não irá bancar nenhuma indicação para o Ministério e que não poderia participar dessa disputa com a bancada do partido na Câmara. Para não criar um problema com a bancada de deputados do PMDB, cogita- se agora no Planalto dar ao partido o Ministério da Cultura.

— O Palácio se deu conta de que prometeu em excesso para a bancada dos deputados e que não teria condições de entregar a mercadoria prometida. Foi feita uma sinalização de que Padilha, Henrique e Hélder ficam e agora Dilma terá de negociar com Picciani a indicação só para o ministério da Saúde, que é a pasta com mais recursos na Esplanada — afirmou um interlocutor do vice.

Para solucionar esse impasse, o PMDB, cuja direção dizia não querer fazer indicações, poderá ficar com até sete ministérios. O número é o mesmo que vinha mantendo até perder a Secretaria de Assuntos Estratégicos, na semana passada, com o pedido de demissão de Mangabeira Unger. No entanto, ganhará a Saúde, ampliando significativamente seu poder no governo, poderá ficar com a Cultura, e, mesmo no caso do Ministério da Pesca, que será extinto, parte significativa de suas funções será realocada na Agricultura, que já é da peemedebista Kátia Abreu.

Desde que Temer se negou a fazer indicações nessa nova reforma ministerial, Dilma manifestou a auxiliares sua preocupação sobre a recusa sinalizar um distanciamento entre ela e seu vice e, por consequência, alimentar especulações sobre um eventual processo de impeachment. Para dificultar ainda mais o xadrez montado por Dilma, três dos ministros do PMDB ameaçados com a reforma ministerial — Eliseu Padilha, Henrique Eduardo Alves e Hélder Barbalho — se reuniram e chegaram a um acordo para se fortalecerem mutuamente. Se um deles for preterido para permanecer na Esplanada, os outros dois deverão entregar seus cargos.

Diante do novo quadro, a presidente passou a precisar de mais tempo para definir quais serão as dez pastas que serão cortadas. Como precisava embarcar na tarde de ontem para Nova York, para encontrar com o Papa Francisco e abrir a Assembleia Geral da ONU, Dilma decidiu adiar a reforma para a próxima semana. Além do problema do PMDB, a presidente precisa agora também convencer o PT a aceitar fusões de quatro áreas consideradas centrais para sua base social: as secretarias de Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos, e o Ministério do Desenvolvimento Social, que poderá integrar uma superpasta junto ao Trabalho e à Previdência.

Ontem, Dilma chamou ao Alvorada ministros que deixarão a Esplanada. Em uma única reunião, conversou com Eleonora Menicucci ( Mulheres), Nilma Lino Gomes ( Igualdade Racial) e Pepe Vargas ( Direitos Humanos). Eles relataram à Dilma que não há impasse quanto à fusão, que seria superada pelo surgimento de um ministério. No entanto, relataram que os movimentos sociais ligados às três áreas não abrem mão de ter seus nomes representados na Esplanada, por isso o nome da nova pasta deve ser Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos. Dilma sugeriu o atual ministro da Secretaria- Geral, Miguel Rossetto, para o cargo, mas houve impasse.

— Não há nenhum problema com Rossetto, mas a simbologia é muito ruim. Ele é um homem branco. Os movimentos sociais não aceitam que esse novo ministério não seja conduzido por um negro ou uma mulher — relatou ao GLOBO um integrante do governo que participa das negociações.

 

PT terá de ceder para a reforma não desandar

 

ILIMAR FRANCO

 

Orisco da abertura de um processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff ficou distante com a reforma ministerial que ampliou o espaço do PMDB no governo. O PSDB, que tinha pressa em votar o tema no plenário e pressionava o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, tirou o pé do acelerador. Os tucanos estão refazendo as contas. O Planalto também terá uma base mais sólida para manter os vetos à pautabomba.

A reforma dá estabilidade ao governo Dilma. Foi graças à sua base parlamentar que o ex- presidente Sarney sobreviveu à hiperinflação. Mas para que essa sustentação seja permanente, e não desande no meio do caminho, será preciso que o PT abra mão, aceite compartilhar ou seja desalojado dos cargos de segundo escalão. O maior embate se dará no Ministério da Saúde.

O preenchimento desses cargos e as promessas feitas, e não cumpridas, têm sido uma fonte permanente de desgaste do Planalto. Os petistas resistem à entrega dos cargos. Por isso, o PDT e, depois, o PTB se declararam independentes. Essa também foi a razão pela qual o vice Michel Temer, cansado de ver seus acertos não saírem do papel, abdicou da coordenação política.

Com a reforma ministerial, as nuvens carregadas do céu ficaram esparsas. Mas para que o céu fique azul, é preciso completar o serviço. A tarefa de compartilhar o poder, cumprir promessas e atender as expectativas dos aliados, será, agora, do Secretário de Governo, o ministro Ricardo Berzoini. Como resume um governista, “vai dar para o Berzoini se divertir bastante” .

 

Possível futuro ministro da Saúde perde pontos na disputa

 

Chamado antecipadamente de “ministro” pelos colegas nos corredores do Congresso, o deputado Manoel Júnior ( PMDB- PB), até ontem favorito para assumir o cobiçado Ministério da Saúde, perdeu pontos no Palácio do Planalto por seu histórico de declarações pouco simpáticas à presidente Dilma Rousseff.

Segundo interlocutores do governo, Dilma não gostou nada de saber que o deputado, há pouco mais de um mês, “aconselhou” que ela renunciasse ao mandato. A fala ocorreu em entrevista a um portal da Paraíba, durante evento no estado.

“Além da crise ética, moral, financeira e política do país, temos uma crise de confiança, e a presidente precisa neste momento pensar no país. Ela pensando no país saberá que a situação é quase insustentável. Se eu estivesse na situação dela, diante dos dados econômicos que nós temos, eu renunciaria”, afirmou.

Outra “mancha” no currículo de Manoel Júnior que fez cair sua cotação no Planalto foi sua reação ao programa Mais Médicos, menina dos olhos do primeiro mandato de Dilma. Em 2013, o deputado, que é médico, tentou fazer diversas alterações, com emendas, à Medida Provisória que criou o programa. Quis obrigar a revalidação de diplomas expedidos por universidades estrangeiras como pré- condição para a contratação de estrangeiros e impedir que os estudantes de Medicina que começassem o curso a partir de 2015 tivessem de trabalhar dois anos no SUS para conseguir o diploma. E ainda criticou a opção de importar profissionais para resolver o problema de mão de obra. “Minha impressão, não só de médico, mas de cidadão principalmente, é que o problema da saúde não será resolvido com a importação de profissionais, porque aqui temos profissionais de qualidade”, postou em seu Twitter, na ocasião.

Portador das indicações, o líder do PMDB, Leonardo Picciani ( RJ), minimizou o passado de Manoel Júnior:

— Temos que construir a relação olhando para o futuro, não para o passado — disse.

Ontem, em declaração a uma publicação de seu estado, o deputado disse que suas manifestações ocorreram em um contexto em que o país passava por um “momento muito difícil”, mas que, agora, Dilma estaria “mudando de atitude”.

“Sobre as críticas, elas são importantes. No caso da minha, feita à presidente, eu fiz e sempre farei sempre que possível e necessário. O país passava por um momento muito difícil, em meio a essa crise política e econômica e precisava dar um choque de gestão. Ela está mudando de atitude: enxugando a máquina, cortando gastos, fazendo reformas. Estamos atendendo ao chamado do governo e do povo para, juntos, encontrarmos o caminho para sair da crise, equilibrando a economia e o clima político", disse.