Os contribuintes e o acesso à informação

Paulo R. Sehn e Ana Carolina Utimati

31/08/2015

Na atual conjuntura da chamada "sociedade do conhecimento", a disponibilidade de dados se mostra tão essencial quanto o acesso aos meios tecnológicos para o exercício de direitos. E são vários os dispositivos constitucionais que garantem aos cidadãos o acesso a informações detidas pelos entes governamentais que sejam de seu interesse.

A constituição já preconiza que todo cidadão tem direito de receber dos órgãos públicos informações de interesse particular, coletivo ou geral (com exceção do que for imprescindível para segurança do Estado). Também regula o habeas data para assegurar o conhecimento e a correção de informações relativas aos cidadãos e impõe a elaboração de lei que assegure o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos de governo, o que foi materializado por via da Lei de Acesso à Informação (nº 12.527/2011).

Recentemente, ao julgar recurso admitido pelo sistema de repercussão geral (em que, por sua natureza, a matéria ultrapassa os interesses das partes no processo), o Supremo Tribunal Federal (STF) proferiu decisão unânime em que ficou definido que "o habeas data é a garantia constitucional adequada para a obtenção, pelo próprio contribuinte, dos dados concernentes ao pagamento de tributos constantes de sistemas informatizados de apoio à arrecadação dos órgãos da administração fazendária dos entes estatais", o que também se aplica a "todos os órgãos públicos integrantes da administração direta dos Poderes Executivo, Legislativo, incluindo as Cortes de Contas, o Poder Judiciário e o Ministério Público" (Recurso Extraordinário nº 673.707).

Espera-se que a decisão do Supremo aumente a transparência entre os contribuintes e os administradores públicos

Essa decisão deve pautar a conduta do Fisco federal, estadual e municipal, pois deixou claro que a diretriz fundamental é a observância da publicidade como preceito geral e do sigilo como exceção.

Dentre as várias lições que se podem extrair do voto do Min. Luiz Fux, destaca-se o reconhecimento de que "Aos contribuintes foi assegurado o direito de conhecer as informações que lhes digam respeito em bancos de dados públicos ou de caráter público, em razão da necessidade de preservar o status de seu nome, planejamento empresarial, estratégia de investimento e, em especial, a recuperação de tributos pagos indevidamente, dentre outras."

Entendeu-se, naquele caso, que as informações registradas em quaisquer dos sistemas informatizados de apoio à arrecadação federal não são de uso privativo da Receita Federal. Dessa forma, "deve-se entender como possível a impetração do habeas data de forma a esclarecer à pessoa jurídica ou física os valores por ela pagos a título de tributos ou qualquer outro tipo de pagamentos constantes dos registros da Receita Federal Brasil ou qualquer outro órgão de Administração Fazendária das outras entidades estatais."

Considerando as múltiplas obrigações acessórias às quais os contribuintes estão hoje submetidos (especialmente na esfera federal após a implantação do SPED - Sistema Público de Escrituração Digital), fica evidente que as autoridades fiscais têm acesso a enorme quantidade de informações não só sobre o recolhimento de tributos, mas sobre as operações e patrimônio dos contribuintes.

É verdade que, com o desenvolvimento do Portal e-CAC (Centro Virtual de Atendimento ao Contribuinte) nos últimos anos, o acesso dos contribuintes às informações fiscais está mais simples e amplo. Aliás, o relatório de situação fiscal, processos administrativos fiscais, declarações de períodos anteriores, declarações de compensação etc. estão disponíveis nesse ambiente.

Porém, há informações relevantes não disponibilizadas ao contribuinte por nenhum meio. O exemplo mais contundente é o SAPLI - Sistema de Acompanhamento de Prejuízo, Lucro Inflacionário e Base de Cálculo Negativa da CSLL. Esse sistema reúne tanto dados fornecidos pela empresa quanto outros lançados por autoridades fiscais (como a redução de prejuízos em virtude de lançamentos de ofício ou utilização em programas especiais de pagamento de débitos) com objetivo de controlar os prejuízos fiscais.

Sem acesso permitido aos dados do sistema, o contribuinte tem dificuldade de verificar o montante de prejuízos aceitos pelas autoridades. Isso lhe daria a opção de utilizar somente créditos absolutamente incontroversos na liquidação de débitos fiscais e evitaria questionamentos desnecessários, já que, sobretudo em anistias fiscais, o governo federal oferece a oportunidade de liquidar esse saldo, mas impõe severas sanções caso os prejuízos fiscais utilizados nesse processo não sejam confirmados.

Entre as outras situações que merecem destaque, vale citar que no e-CAC não há informação sobre o valor dos débitos suspensos e, mesmo que seja feita solicitação expressa, a orientação geral é a de não divulgar esse dado atualizado. Ou seja, o contribuinte não consegue obter Darf de pagamento de um débito suspenso por impugnação administrativa, por exemplo.

O acesso a todas essas informações - e todas as demais detidas pelas autoridades fiscais - é realmente um direito constitucional dos contribuintes, mas também pode ser favorável à administração tributária, já que os contribuintes terão mais mecanismos e instrumentos para garantir o cumprimento de suas obrigações.

Dessa forma, partindo do pressuposto (que deveria ser geral) de que contribuintes e Fisco não são inimigos, mas partes essenciais do Estado Democrático, espera-se que a decisão do STF seja aplicada amplamente, sempre com o objetivo de aumento de transparência nas relações entre os contribuintes e administradores públicos.

Valor econômico, v. 16, n. 3831, 31/08/2015. Legislação e Tributos, p. E2