Desconstrução do desarmamento ameaça sociedade

 

O globo, n. 29998, 24//09/2015. Opinião, p. 16

 

Em 2013, passados dez anos desde a adoção do Estatuto do Desarmamento, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada ( Ipea) mostrava que a lei fora responsável direta por uma queda de 12,6% na taxa de homicídios do país. Segundo um estudo do Ministério da Saúde, o risco de assassinatos havia dobrado no Brasil entre a década de 1980 e 2003, quando se chegou ao pico da curva de mortes.

Nos três primeiros anos do Estatuto, foram expressivas as quedas nos indicadores de morte violenta. Desde então, manteve- se um nível constante de redução desse tipo de óbito. É um perfil que revela uma relação de causalidade: onde há maior circulação de armas de fogo a taxa de homicídios aumenta ( de 1%a 2%, segundo o Ipea).

Um projeto que, provavelmente hoje, entrará em discussão final em comissão especial da Câmara, última etapa antes de ganhar os plenários das duas Casas do Congresso, pretende desconstruir esse arcabouço responsável por melhorar indicadores de violência no país. Trata- se do mais amplo ataque, comandado pela chamada bancada da bala, contra o Estatuto, por meio de um substitutivo ( do deputado Laudívio Carvalho, do PMDB mineiro) a outro projeto, igualmente deletério.

Entre as muitas aberrações que a flexibilização do Estatuto consagraria, com o claro propósito de descaracterizá- lo como anteparo contra a proliferação das armas de fogo, estão propostas como reduzir de 25 para 21 a idade mínima para a compra de armamento, ampliação do prazo de validade do porte, aumento do número de categorias profissionais às quais se estende o direito de se armar, extinção da obrigação de civis comprovarem a necessidade de ter armas. Na prática, uma liberação generalizada. A lei em vigor fixa em três anos a validade do registro da arma; o substitutivo propõe que seja permanente.

Ataca- se o princípio inibidor do Estatuto com argumentos tendenciosos, como assegurar ao cidadão o direito de se defender. A ideia de que alguém, pelo simples fato de estar armado, possa levar vantagem contra um assaltante não resiste à realidade. Pesquisa feita na capital paulista antes da aprovação da lei atual, citada em reportagem do “Profissão repórter”, da TV Globo, apontava a falácia desse tipo de raciocínio: em casos de latrocínio ( roubo seguido de morte) contra vítimas armadas, 27% conseguiram evitar o crime, 26% ficaram feridas e 46% foram mortas.

Mortes por motivação fútil, brigas conjugais que terminam em homicídio, acidentes com crianças são episódios em que armamento em mãos indevidas leva a fins trágicos. Por ano, morrem no Brasil 40 mil pessoas vítimas de armas de fogo. O país tem uma taxa obscena de homicídios, praticados, em grande parte, com artefatos comprados no mercado legal e desviados para a criminalidade. São fatores que não podem deixar de ser levados em consideração neste momento em que se busca desconstruir o Estatuto, um crime que se perpetra contra a sociedade.