Barreira olímpica

 

Gustavo Piva de Andrade

O globo, n. 29998, 24//09/2015. Opinião, p. 17

 

Tradicionalmente, o espírito olímpico é associado a valores altamente positivos, como excelência, superação, fair play, e à busca de uma maior união entre os povos. Estes são alguns dos princípios fundamentais da Carta Olímpica, documento que estabelece o conjunto de regras relativas aos Jogos.

Uma das regras da Carta Olímpica, contudo, parece não se coadunar com o espírito olímpico. Tratase da regra 40, a qual dispõe que “salvo autorização do COI, nenhum competidor que participe dos Jogos Olímpicos pode permitir que sua pessoa, nome, imagem ou atuações esportivas sejam explorados com fins publicitários durante os Jogos.”

Ou seja, nos termos da regra, o atleta não pode permitir que um patrocinador explore sua imagem durante os Jogos. Embora pareça ter um alcance limitado, a regra 40, na verdade, cria uma restrição significativa na área de patrocínios esportivos, um segmento que movimenta altíssimas cifras, especialmente em anos de Olimpíadas.

A irrazoabilidade da norma decorre da sua própria justificativa. De acordo com o COI, a regra 40 é necessária para evitar a prática do marketing de emboscada por parte de empresas não patrocinadoras dos Jogos.

No entanto, caso a imagem do atleta seja explorada em si mesma, sem transmitir a ideia de que o anunciante possui algum tipo de conexão com o evento, não há ato ilícito. Nesse caso, o que há é a exploração comercial de um ativo legitimamente adquirido, isto é, o exercício regular de um direito.

Ademais, é sabido que a repressão ao marketing de emboscada pode ser realizada através de normas específicas. Por isso, foi promulgado o Ato Olímpico, lei federal que confere proteção aos signos olímpicos e proíbe o uso de expressões suscetíveis de criar associação indevida com os Jogos.

No plano jurídico, a regra 40 também não resiste a uma análise constitucional. A Constituição protege a livre iniciativa e estabelece que é assegurada “a proteção à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas” ( art. 5 º , inciso XXVII). Ora, se a Carta Magna garante a exploração da imagem humana na seara esportiva, uma regra que cria restrição a essa prerrogativa durante os Jogos não parece passar pelo crivo da Constituição.

Por fim, a regra 40 pode influenciar negativamente a decisão de uma empresa de investir na área de patrocínios esportivos, produzindo efeitos nefastos especialmente para atletas desconhecidos do grande público.

Afinal, ao saber que não poderá usar a imagem do atleta durante os Jogos, a empresa pode rever sua estratégia de investimento ou, no mínimo, ganhará um argumento para pagar menos pelo contrato. Em qualquer das alternativas, os atletas serão os grandes prejudicados.

Após receber críticas a esse respeito, o COI havia anunciado que reveria a aplicação da regra 40 na próxima edição dos Jogos. No entanto, para surpresa da comunidade esportiva, a alteração não foi confirmada nas reuniões subsequentes da entidade.

Espera- se que a questão volte à agenda do COI, sob pena de se prestigiar uma regra que não está em consonância com os princípios fundamentais do espírito olímpico, tal como imaginado pelo criador dos Jogos Olímpicos da era moderna, Pierre de Coubertin.