MPF já monta estratégia para enfrentar fatiamento da Lava-Jato

 

JAILTON DE CARVALHO E THIAGO HERDY

O globo, n. 29999, 25//09/2015. País, p. 8-9

 

Após o STF decidir fatiar inquérito da Lava- Jato, reduzindo poder de Sérgio Moro, do Paraná, o juiz voltou a criticar a lentidão da Justiça, mas se recusou a comentar a decisão dos ministros. Os procuradores que atuam no caso vão se oferecer para ajudar outros estados em inquéritos que sejam retirados da Justiça Federal no Paraná. - BRASÍLIA E SÃO PAULO- O procuradorgeral da República, Rodrigo Janot, deve se reunir nos próximos dias com procuradores da força- tarefa de Curitiba para definir uma estratégia de atuação do grupo depois da decisão do Supremo Tribunal Federal ( STF) de fatiar a Operação Lava- Jato e transferir um dos inquéritos para São Paulo. Os procuradores da força- tarefa vão se colocar à disposição para ajudar em outras investigações que, a partir de agora, poderão ser transferidas do Paraná para outros estados.

— O objetivo é continuar com as investigações, auxiliando os procuradores que vão receber os casos em outros estados — disse ao GLOBO um dos procuradores.

A ideia da força- tarefa é manter o ritmo das investigações e não deixar que, depois de eventuais transferências, os inquéritos filhotes da Lava- Jato caiam na burocracia dos inquéritos locais. O histórico das grandes operações indica que, quase sempre depois de fatiamentos dos inquéritos principais, as apurações perdem fôlego e, muitas delas, acabam sem qualquer resultado prático.

Os procuradores entendem também que, a esta altura, não dá para desprezar a experiência adquirida nas negociações dos acordos de delação premiada.

Os acordos para que réus abram o jogo e relatem crimes cometidos por eles e por cúmplices são uma das principais razões do sucesso das investigações até o momento. Em menos de dois anos, os inquéritos da Lava- Jato desvendaram o esquema de corrupção na Petrobras e começam agora a desmontar estruturas criminosas em outras áreas da administração pública.

Os procuradores que lideram a Lava- Jato acumulam experiência em investigação sobre corrupção e lavagem de dinheiro desde a Operação Farol da Colina, iniciada em 2004.

Ontem, na primeira decisão pós- fatiamento de inquérito da Lava- Jato, o ministro Dias Toffoli, do Supremo, manteve preso o ex- vereador do PT Alexandre Romano, detido na Lava- Jato sob a suspeita de ser o operador de fraudes na empresa Consist. A empresa teria pago propina para funcionários do Ministério do Planejamento e também para a campanha da senadora Gleisi Hoffmann ( PT- PR).

Na decisão, Toffoli lembrou que, na quarta- feira, o STF considerou que o esquema da Consist não integra a Lava- Jato e mandou o processo para a Justiça Federal de São Paulo. Por isso, o ministro não aceitou conceder a liberdade ao acusado como pediu a defesa de Romano. Toffoli informou que o investigado terá de recorrer ao juiz paulista que for sorteado para conduzir o caso.

“Não cabe mais ao Supremo Tribunal Federal, em razão da declinação de sua competência, apreciar o pleito de revogação da prisão preventiva de Ale-

xandre Corrêa de Oliveira Romano, o qual deverá ser renovado perante o juízo competente da Seção Judiciária de São Paulo”, escreveu o ministro.

Romano está preso na carceragem da Polícia Federal em Curitiba. Segundo Toffoli, ele deverá ser transferido para São Paulo, onde correrá o processo.

MORO EVITA COMENTÁRIOS

Durante evento em São Paulo, o juiz Sérgio Moro evitou comentar a decisão do STF de fatiar a Lava- Jato e tirar um dos processos de suas mãos. Para ele, não cabe ao juiz falar sobre “decisões tomadas por outras cortes”. Mas, em sentença publicada antes da sessão de anteontem do STF, Moro escreveu que a dispersão de ações “não serve à causa da Justiça, pulveriza o conjunto probatório e dificulta o julgamento”.

— O juiz tem uma série de limitações sobre o que ele pode e o que não pode falar, sobre casos pendentes e em relação a decisões tomadas por outras cortes. Vou pedir extrema vênia àqueles que formularam a pergunta, mas não me sinto confortável para responder — disse Moro para uma plateia de empresários, durante almoço organizado pelo Grupo Lide.

Na última segunda- feira, Moro tratou do assunto na sentença que condenou o ex- tesoureiro do PT João Vaccari. No texto, ele afirmou que a manutenção de ações em um único juízo “não é fruto de arbitrariedade judicial”, nem do desejo de “estender indevidamente a competência do julgador”.

“Há um conjunto de fatos conexos e um mesmo conjunto probatório que demanda apreciação por um único Juízo”, escreveu. Para ele, a “dispersão das ações penais” pelos estados “não serve à causa da Justiça, tendo por propósito pulverizar o conjunto probatório e dificultar o julgamento”.

CRÍTICAS À LENTIDÃO

No encontro com empresários ontem, Moro disse ser contra o foro privilegiado para investigados que ocupam cargos com prerrogativa de função, apesar de dizer que havia tido ainda menos simpatia pelo instituto no passado, antes do julgamento do mensalão, pelo Supremo Tribunal Federal. Para Moro, a condenação de membros da alta cúpula do governo e ex- parlamentares por crimes graves é exemplo de que “o foro privilegiado não é mais sinônimo de impunidade”.

Ainda assim, ele disse acreditar que o foro provoca lentidão processual, por causa das paralisações para identificação de quais investigados que, por terem foro, devem ser processados em outra jurisdição.

— Perde- se a oportunidade ideal de se prosseguir em uma investigação de uma maneira mais efetiva — afirmou, mencionando também como um problema do foro o que chamou de “agressão à crença fundamental de que todos devem ser tratados igualmente perante a lei”.

O juiz disse receber cumprimentos constantes por sua atuação na Lava- Jato, mas afirmou duvidar que o trabalho represente novo paradigma para o país, caso não ocorram “mudanças reais no âmbito da iniciativa privada e das instituições públicas”.

 

Ex- secretário de Roseana tem prisão decretada no Maranhão

 

Chico de Gois

 

A Justiça do Maranhão decretou a prisão preventiva de João Guilherme Abreu, ex- secretário da Casa Civil da ex- governadora Roseana Sarney. Também mandou prender o operador Rafael Ângulo Lopes e o corretor Marco Antonio Ziegert. Abreu é acusado de receber R$ 3 milhões de propina do doleiro Alberto Youssef para facilitar o pagamento de um precatório de R$ 113 milhões da construtora Constran/ UTC.

De acordo com a delação premiada de Youssef, o dinheiro foi entregue em partes para o exsecretário de Roseana: duas parcelas de R$ 800 mil foram entregues por Adarico Negromonte, irmão do ex- ministro das Cidades Mario Negromonte, e por Ângulo. O R$ 1,4 milhão restante seria entregue diretamente por Youssef.

Ele estava com o dinheiro no dia em que foi preso, por conta da Operação Lava- Jato, em um hotel em São Luís. No dia de sua prisão, Youssef contou que entregou o dinheiro a Ziegert e mais uma caixa de vinhos para que este entregasse a Abreu.

O delegado- geral da Polícia Civil do Maranhão, Augusto Barros, disse que, nos depoimentos, Abreu negou que tenha recebido propina ou participado de irregularidades no caso Constran/ UTC. Mas, segundo Barros, Ziegert e Ângulo confirmaram o pagamento.

 

‘Claro que a investigação acaba sofrendo’, diz Dallagnol

 

CATARINA ALENCASTRO

 

O procurador Deltan Dallagnol, coordenador da forçatarefa da Lava- Jato, disse ontem que a decisão do Supremo de fatiar as investigações da operação foi uma derrota para o Ministério Público Federal. Segundo ele, as investigações sofrem com essa decisão, pois um novo grupo de procuradores, policiais e juízes terá de tomar pé do trabalho que vem sendo feito pela equipe de Curitiba há mais de um ano:

— É claro que a investigação acaba sofrendo com a sua divisão. Nós vamos lutar e trabalhar arduamente para que não haja grandes perdas. Pelo contrário, para que consigamos agregar, a partir dessa derrota que nós tivemos no Supremo.

O procurador citou até a derrota da Alemanha na Segunda Guerra Mundial como exemplo de país que se reergueu e disse que a equipe da Lava- Jato também vai “se reinventar”, colaborando com os novos investigadores dos casos que forem distribuídos para outros estados:

— Agora, temos que aprender a nos reinventar, nós devemos nos adaptar à realidade. E como pessoas, como países que sofrem derrotas, como a Alemanha que sofreu derrotas na 1 ª Guerra e na 2 ª Guerra, nós devemos ser capazes de ser maleáveis e de nos reerguer e lutar para continuar construindo um país melhor para nós e para as futuras gerações.

Dallagnol e mais dois procuradores — Carlos F. dos Santos Lima e Roberson Henrique Pozzobon — são finalistas do prêmio Global Investigation Review, representando o MPF na categoria de órgão investigador do ano.

 

Operação também será prioridade em SP, diz PF

 

Ao tomar posse ontem, o novo superintendente da Polícia Federal em São Paulo, delegado Disney Rosseti, afirmou que dará prioridade às investigações desmembradas da Operação Lava- Jato e transferidas para São Paulo. Segundo ele, delegados da PF que trabalham na apuração do escândalo de corrupção em Curitiba poderão contribuir com os policiais paulistas.

Caberá à PF de São Paulo parte da investigação que envolve contratos da empresa de informática Consist com o Ministério do Planejamento. Anteontem, o Supremo Tribunal Federal decidiu que esse caso, que também envolve a senadora Gleisi Hoffmann ( PT- PR), será desmembrado da Operação Lava- Jato por não ter ligação direta com os desvios de dinheiro na Petrobras.

— Vamos avaliar, assim que chegarem os inquéritos desmembrados, qual a efetiva situação e como iremos priorizálos. Mas que vamos priorizá- los não há dúvida — disse Rosseti.

O novo chefe da PF paulista sugeriu um intercâmbio com agentes federais que já participam da força- tarefa montada para a Lava- Jato.

— Podemos contar com o intercâmbio de delegados e policiais que já atuavam em uma determinada investigação, por exemplo. Eles podem vir para cá ( São Paulo), pelo menos em uma etapa inicial, para auxiliar no trabalho até que os policiais de São Paulo estejam familiarizados com o caso.

Após a cerimônia em que assumiu a superintendência, Rosseti disse que o combate à corrupção é uma das prioridades da PF, e que pretende levar recursos para unidades que trabalham com esse tipo de crime no estado.

— ( A corrupção) É uma sangria de dinheiro que poderia estar sendo utilizado em programas sociais, projetos sociais, habitação, saúde, segurança. E fora a sangria moral, que é muito ruim para o país e para a sociedade como um todo.

Além do combate à corrupção, o novo chefe da PF paulista elegeu como prioridades o atendimento ao público e o combate ao crime organizado.

Rosseti começou sua carreira na PF em 1999. Trabalhou no Mato Grosso, foi superintendente regional no Distrito Federal, diretor da Academia Nacional de Polícia, coordenadorgeral do Centro Integrado de Inteligência Policial e Análise Estratégica e adido na embaixada brasileira na Itália.

O novo chefe da PF substitui o antigo superintendente Roberto Troncon, que assumira o cargo em maio de 2011. Troncon foi nomeado adido policial na embaixada do Brasil no Reino Unido.