Câmbio político

 

JOSÉ PAULO KUPFER

O globo, n. 29999, 25//09/2015. Opinião, p. 17

 

Énotória a sensibilidade social às variações da taxa de câmbio. Talvez como nenhum outro preço na economia, a cotação do dólar mexe com tudo e com todos — as pessoas, as empresas, o governo e… a política. Apesar de presente no dia a dia de todo mundo, seu funcionamento não é intuitivo e dá margem ao senso comum de desenvolver noções e relações distorcidas.

O primeiro desses mal- entendidos vem da ideia de que moeda forte é sinônimo de economia forte. Uma moeda valorizada ante o dólar, de fato, aumenta o poder de compra dos salários, faz a economia parecer mais sólida e a vida muito melhor. Mas esse típico fogo de palha ajuda a acender a fogueira da perda de competitividade da produção local e o desemprego, em consequência, aparece ali na esquina.

Isso sem falar nas crises externas, bastante frequentes em economias que não emitem moedas conversíveis, caso das emergentes. Insufladas pelo câmbio valorizado, os déficits externos vão se acumulando até a asfixia da economia por escassez de divisas internacionais. A história econômica brasileira, até os anos 2000, foi a narrativa de situações recorrentes de colapso externo, com a entrada em cena do FMI e de suas vexatórias imposições de política econômica aos governantes de turno.

Outra falha de compreensão do que possa verdadeiramente explicar os movimentos cambiais de curto prazo deriva da tentação de vincular, automaticamente, esses movimentos aos chamados “fundamentos" da economia. Se há desequilíbrios em variáveis macroeconômicas, segundo essa noção, a taxa de câmbio tende a subir. Há aí, sem dúvida, uma verdade, mas essa verdade é, normalmente, parcial.

Ocorre não ser nada incomum que, em seguida a movimentos bruscos de alta na taxa de câmbio, sucedam recuos também bruscos das cotações, sem que se tenha passado tempo suficiente para a correção dos “fundamentos”. Assim, pode- se concluir que, além dos fundamentos econômicos, o câmbio também pode ser afetado por eventos alheios à economia doméstica ou por ações especulativas específicas. Estas últimas, em certas circunstâncias, são impulsionadas não só por motivos estritamente econômicos, mas muitas vezes também refletem ambientes políticos conturbados.

Os acontecimentos das últimas semanas, no mercado cambial brasileiro, retratam uma conjuntura como a acima descrita. A ameaça de novos rebaixamentos da nota de crédito brasileira, a partir das dificuldades do governo de aprovar no Congresso um ajuste fiscal suficiente para conter a escalada da dívida pública, se combina com a crescente desenvoltura do movimento pró- impeachment da presidente Dilma Rousseff para produzir um ambiente propício a exageros nas cotações.

Apesar da tentação de comparar, existem diferenças entre o momento atual e a explosão do dólar na passagem de FHC para Lula, às vésperas da eleição em 2002 até meados de 2003. Uma delas é o próprio valor da taxa de câmbio — eles equivalem, em termos nominais, nas alturas de R$ 4, mas, em termos reais, a cotação de hoje representa pouco menos da metade da outra. Além disso, não só o arsenal à disposição do Banco Central para enfrentar o bombardeio dos operadores é agora muito maior como não há sinais de fuga de capitais. O fluxo cambial tem se mantido positivo, com entradas superando saídas e as contas externas registram, com recessão e câmbio desvalorizado, recuperação acelerada.

Em um ponto crucial do momento — o fator político —, no entanto, a semelhança é inescapável. Naquela época, as turbulências no câmbio só cessaram quando Lula não deixou mais dúvidas de que não atearia fogo à política econômica do antecessor. Agora, só devem estancar quando Dilma sair ou ficar claro que não sairá.