STF suspende quebra de sigilo telefônico de jornalista e jornal

 

CAROLINA BRÍGIDO

O globo, n. 29997, 23//09/2015. Opinião, p. 12

 

A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal ( STF) decidiu ontem suspender a quebra de sigilo telefônico do repórter Allan de Abreu Aio e do jornal “Diário da Região”, de São José do Rio Preto, em São Paulo. O repórter e o jornal passaram a ser alvo da Justiça Federal depois da publicação de trecho de um inquérito sigiloso da Polícia Federal. A investigação contra a imprensa foi iniciada a pedido do Ministério Público, com o objetivo de descobrir a fonte que vazou indevidamente a informação. O jornalista se recusou a dizer quem era o informante, alegando o sigilo da fonte, conceito com proteção constitucional.

GIVALDO BARBOSA/ 10- 9- 2015Toffoli. Para ministro do Supremo, jornalista não cometeu o crime de vazar dados, apenas os recebeu de terceiros

A disputa judicial dura mais de um ano. Em 2014, o Ministério Público pediu a quebra de sigilo de todas as linhas telefônicas em nome do repórter e do jornal. A 4 ª Vara Federal de São José do Rio Preto concedeu o pedido. O jornal recorreu ao Tribunal Regional Federal ( TRF) da 3 ª Região, que manteve a decisão. A Associação Nacional de Jornais ( ANJ) apelou ao STF.

IDAS E VINDAS

No início de setembro, o relator do processo, ministro Dias Toffoli, suspendeu decisão do presidente do Supremo, Ricardo Lewandowski, que impedira a quebra do sigilo telefônico. Toffoli afirmou que não era o caso de invocar a Lei de Imprensa, mas que havia indícios “graves de cometimento de atos que podem importar em crime”. Na sessão de ontem, o relator mudou de ideia. Concedeu habeas corpus ao repórter e ao jornal por haver “presença de flagrante constrangimento ilegal”.

Segundo Toffoli, o jornalista só poderia ser investigado se ele fosse suspeito de ter contribuído para o vazamento das informações sigilosas, e não por recebêlas e publicá- las. O ministro afirmou que jornalistas não têm imunidade para praticar crimes no exercício da profissão. Ou seja, um profissional não poderia atuar em conjunto com um agente público no sentido de violar o sigilo de uma investigação. O jornalista não poderia, ainda, promover ele mesmo as interceptações telefônicas.

— Não há o mais tenro indício de que o jornalista tenha concorrido para a quebra de sigilo, ele apenas recebeu de terceiros o material. Falta justa causa para a persecução penal contra o jornalista. Se o jornalista, ao invés de receber ( o material), tivesse concorrido para que um dos titulares do dever de ofício quebrasse o sigilo, ele poderia ser investigado — afirmou o ministro.

O relator também ressaltou que a fonte de informação do jornalista é protegida pela Constituição Federal e também pelo Código Penal. Portanto, uma investigação para tentar descobrir a fonte seria ilegal. Por isso, Toffoli votou para que o inquérito contra o jornal e o jornalista fosse arquivado. Além disso, ele quer que qualquer registro criminal contra o profissional e o veículo de comunicação seja anulado. E também quer anular todos os dados obtidos na investigação judicial. No entanto, as sugestões de Toffoli não foram efetivadas. Essa parte do julgamento foi interrompida por um pedido de vista de Gilmar Mendes.

O primeiro a dar indícios de que era favorável à investigação contra o repórter foi o ministro Teori Zavascki, relator dos inquéritos da Lava- Jato no STF. Vários deles estão sob sigilo judicial.

— Teoricamente, o jornalista que publica uma informação guardada por segredo de Justiça pode sofrer sanção. Será que é possível descartar a participação do jornalista ( na obtenção da informação sigilosa)?

A ministra Cármen Lúcia lembrou que o sigilo da fonte é garantido por lei e pela Constituição; portanto, não poderia ser alvo de investigação criminal.

— Há quase uma tentativa de criminalização da fonte, cujo sigilo é garantido constitucional e legalmente. O jornalista que está exercendo sua profissão e recebe informação não pode indicar a fonte. A gente sabe que é um procedimento muito comum em regimes antidemocráticos de se buscar a fonte forçando o jornalista a fazer algo que ele não pode fazer por lei, que é a entrega da fonte — disse a ministra.

Gilmar criticou o vazamento constante de informações sigilosas para a imprensa e pediu vista para analisar melhor o assunto. Não há previsão de quando o julgamento será retomado.