O Estado de São Paulo, n. 44497, 16/08/2015. Internacional, p. A16

Controle de Armas teve efeito contrário

RENATA TRANCHES 


Enquanto o presidente Barack Obama reúne vitórias na política externa, internamente amarga o fato de não conseguir avançar em uma das questões mais delicadas para os americanos: a regulação do direito de ter armas e os incontáveis tiroteios que fazem milhares de vítimas todos os anos. 

O relatório anual do Bureau de Álcool, Tabaco e Armas de Fogo (ATF, na sigla em inglês) mostrou que os esforços do presidente para fazer avançar qualquer tipo de lei restritiva, na verdade, tiveram um efeito contrário. A produção de armas durante seu governo - entre 2008 e 2013 - cresceu 140%. 

“Em 2010, foram produzidas mais de 5,4 milhões de armas. Esse número saltou para mais de 10,8 milhões em 2013”, reiterou o documento. 

Os números mostram que a indústria teve um salto de produção em 2013, ano seguinte ao do massacre na escola Sandy Hook, em Newtown, Connecticut. Nesse episódio, 26 pessoas foram mortas - 20 eram crianças entre 6 e 7 anos. 

Após o crime, Obama incumbiu seu vice, Joe Biden, de elaborar um plano de uma reforma nacional sobre porte de armas. No Congresso, diante da rejeição de democratas e republicanos, o projeto naufragou. No país, a venda de armas cresceu. 

O diretor do Independence Institute da Universidade de Denver e especialista em políticas de controle de armas, David Kopel, explicou que isso aconteceu todas as vezes que o presidente ameaçou levar adiante alguma medida restritiva. 

“Algumas pessoas não têm arma hoje, mas elas querem ser capazes de comprá-la no futuro”, afirmou, em entrevista ao Estado. Segundo Kopel, as pessoas que estão apenas pensando na possibilidade de adquirir uma arma acabam comprando imediatamente com medo de que alguma nova política as impeça de fazer isso. 

Com isso, Obama fica cada vez mais distante de seus objetivos. Recentemente, em entrevista à rede britânica BBC, o presidente reconheceu que estava “mais e mais frustrado” por ter falhado em aprovar uma legislação de controle de armas durante sua gestão. 

Em entrevista ao site especializado em política americana The Hill, Erich Pratt, porta-voz do Gun Owners of America, disse, em tom de ironia, que Obama merecia o “prêmio de vendedor de armas da década” nos EUA. Nunca se vendeu tanto como em seu governo. 

Nos EUA, o direito de portar armas é garantido pela Segunda Emenda à Constituição, de 1791. Kopel explica que essa premissa vem da ideia de que cidadãos armados podem impedir um governo de se tornar tirano. “Acreditava-se que a posse de armas poderia, em último caso, ser usada em uma revolução para deter uma potencial tirania”, afirmou o especialista, autor de The Truth About Gun Control (A Verdade sobre o Controle de Armas, em tradução livre). 

Por outro lado, o país vive um drama com uma sucessão de homicídios. Segundo o Center for American Progress, centro de pesquisas sobre políticas domésticas americanas, diariamente 33 pessoas são mortas por arma de fogo nos EUA. 

Kopel afirma que o presidente deve fazer mais uma tentativa antes de deixar a Casa Branca. Ele trabalha em um projeto que tem como base um banco de dados de beneficiários do Social Security - meio, entre outros, de pagamentos de benefícios do governo. 

Nesse sistema, as pessoas que se declaram incapazes de administrar seu dinheiro e delegam essa função a terceiros seriam proibidas de portar armas. Segundo Kopel, a medida atingiria 4 milhões de pessoas. “Isso é terrível. Muito injusto. Há muitas pessoas que talvez não sejam tão boas em gerenciar seu dinheiro, mas isso não as torna perigosas”, avalia. 

Para Kopel, a saída para encontrar um equilíbrio entre esse direito tão caro aos americanos e conter as chacinas é fornecer tratamento mental para as pessoas. “A maioria das pessoas que têm problemas mentais não é criminosa, mas as que cometeram massacres quase sempre tinham alguma doença mental séria.”