Título: Perto do fim
Autor: Tranches, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 23/08/2011, Mundo, p. 18

Com Kadafi desaparecido, rebeldes anunciam que o regime "acabou" e ganham mais reconhecimento internacional. Brasil ainda "aguarda uma definição"

Enquanto a batalha em Trípoli parecia caminhar para um desfecho, mas ainda sem informações confiáveis sobre o paradeiro do ditador Muamar Kadafi, os opositores líbios já anunciavam o fim de uma era no país, e começavam a atuar como um governo de fato. Durante o dia, o Conselho Nacional de Transição (CNT, coalizão rebelde) colecionou apoios de peso: foi reconhecido pela Liga Árabe, pelo Egito, pela Autoridade Palestina e pela Turquia, que acompanham assim a posição já tomada por Estados Unidos, União Europeia e mais de 25 governos, no total. O Brasil, que mantém silêncio desde o recrudescimento dos combates, no fim da semana passada, continuava aguardando "uma definição" do impasse, mas acenou com a possibilidade de reconhecer uma "composição de forças" na Líbia.

"Temos analisado a questão com vários governos, e algumas vozes mundo afora nos sugeriram apoio a uma coalizão de forças, não apenas a um grupo (como o CNT)", afirmou o porta-voz do Itamaraty, Tovar da Silva Nunes. "O ideal seria um governo de maioria, de unidade nacional", completou. Em especial, a diplomacia brasileira intensificava as consultas com Índia e África do Sul, parceiros no Fórum Ibas. Os três países ocupam atualmente cadeiras não permanentes no Conselho de Segurança das Nações Unidas.

Saif Al-Islam, filho caçula de Kadafi, cumprimenta simpatizantes em Trípoli: "Estou aqui para desmentir as mentiras"

Enquanto isso, as potências ocidentais ampliavam os contatos e articulações com o CNT, inclusive marcando reuniões e encontros com representantes dos rebeldes para esta semana. Os EUA e a UE já anunciaram a disposição de liberar fundos líbios congelados como represália ao ditador. Mustafah Abdeljalil, presidente do CNT, anunciou de seu quartel-general, em Benghazi, que "a era de Kadafi chegou ao fim". Abdeljalil disse esperar que ele seja capturado vivo, para ser julgado por seus crimes. Mais cedo, o líder rebelde tinha reiterado o apelo às forças rebeldes para que se abstivessem de ações de revanche, respeitassem os direitos humanos e evitassem excessos de violência. Desaparecido Continuaram a circular rumores sobre o paradeiro do coronel: ele teria sido visto no complexo de quartéis de Bab Al-Aziziya, ainda em poder de suas tropas, ou estaria tomando o rumo do exílio. De acordo com o Departamento de Defesa dos EUA, Kadafi continuava em solo líbio. Igualmente desencontradas eram as informações sobre os filhos do ditador, tidos como capturados na noite de domingo. Ontem, o mais velho, Mohammed, que estaria em prisão domiciliar, teria "escapado". Já Saif Al-Islam, sucessor designado do pai, falou à imprensa no Hotel Rixos, próximo a Bab Al-Aziziya. "Estou aqui para desmentir as mentiras", proclamou. "Trípoli está sob nosso controle." Ele garantiu que seu pai estava na capital e a salvo.

Os porta-vozes do CNT afirmavam controlar 90% da capital, além das principais cidades do país. Durante o dia, colunas rebeldes continuaram a entrar na cidade, em especial na Praça Verde, antes um reduto do regime e agora rebatizada como Praça dos Mártires, em memória aos mais de 1,7 mil mortos na batalha pela capital. A Anistia Internacional exigiu de ambas as partes que preservem os civis. O chefe da ONG World Medical Camp for Libya, o líbio Ghasan Atiga, disse ao Correio, de Londres, sua preocupação com os feridos. Segundo ele, Trípoli está cercada há seis meses e não restam suprimentos e medicamentos na quantidade necessária. "Se a situação continuar assim nesta semana, chegaremos a uma crise humanitária."