Dólar sem limites

 

ANA PAULA RIBEIRO

O globo, n. 29996, 22//09/2015. Economia, p. 19

 

A crise política e o temor de um aumento de juros nos EUA ainda este ano levaram o dólar comercial a bater R$ 3,999, mesmo após o BC ter feito um leilão de US$ 3 bilhões. No fim da tarde, a cotação perdeu força e fechou a R$ 3,982, alta de 0,53%. Para turistas, o dólar chegou a R$ 4,45. - SÃO PAULO E RIO- As indicações de que o Federal Reserve ( Fed, o banco central americano) irá elevar os juros até dezembro e a persistente preocupação com o ambiente político e a implementação do ajuste fiscal levaram o dólar comercial a renovar as máximas em 13 anos e ser negociado, ontem, a R$ 3,999. A moeda perdeu um pouco a força e encerrou os negócios a R$ 3,982, em alta de 0,53%, a maior cotação desde o recorde histórico de R$ 3,990, registrado em 10 de outubro de 2002 — nesse mesmo dia, a divisa registrou a máxima intraday de R$ 4,005. Já a Bolsa de Valores de São Paulo ( Bovespa) registrou queda de 1,43% no índice de referência Ibovespa, que encerrou aos 46.590 pontos.

MARCELO CARNAVALTurismo. Nas casas de câmbio, dólar chegou a ser cotado a R$ 4,45, e o euro, a R$ 5,03, ambos no cartão

A alta do dólar se manteve mesmo após o Banco Central realizar, pela manhã, dois leilões de linha ( em que há compromisso de recompra), no total de US$ 3 bilhões. Depois da operação, no início da tarde, a cotação da moeda americana avançou e alcançou a máxima do dia, de R$ 3,999.

— O cenário político e econômico continua contribuindo para a tendência de alta da moeda. Além disso, no cenário externo, o dólar se valoriza com as sinalizações de membros do Fed sobre a alta de juros nos Estados Unidos até dezembro — afirmou Luciano Rostagno, estrategista do Mizuho Bank, acrescentando que não há clareza sobre a reforma ministerial que Dilma poderá promover durante essa semana.

PRESSÃO DA CRISE POLÍTICA

Outro ponto que está preocupando os investidores é a apreciação, pelo Congresso, dos vetos da presidente Dilma Rousseff a medidas que evitam a elevação de gastos públicos. Esse tema tem feito o mercado ficar muito volátil. Ontem à tarde, o dólar só passou a perder força, afastando- se da máxima, depois de o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha ( PMDB- RJ), mostrarse mais favorável à manutenção dos vetos.

— O tom de Cunha foi considerado mais amigável, ao falar que não via mais sentido em derrubar o veto que impediu o aumento no Judiciário — disse Italo Abucater, gerente de câmbio da corretora Icap do Brasil.

“O preço do dólar reflete o grau de dificuldade que o governo enfrentará no decorrer da semana para aprovar junto ao Congresso as importantes medidas de ajuste fiscal, especialmente a que substituirá a extinta CPMF. O pano de fundo do desconforto é a probabilidade de uma segunda agência de classificação de risco acompanhar a S& P no curtíssimo prazo”, afirmou, em nota, Ricardo Gomes da Silva Filho, superintendente da Correparti Corretora de Câmbio.

A cotação do câmbio turismo acompanhou a alta do dólar comercial, chegando a R$ 4,45 no Rio. Nas agências do Bradesco, o dólar era vendido por R$ 4,246 ( espécie) e R$ 4,457 ( cartão prépago), e o euro, a R$ 4,778 e R$ 4,999, em papelmoeda e cartão, respectivamente. Na DG Câmbio, o dólar em espécie saía a R$ 4,095, e no plástico, a R$ 4,393. O euro era vendido a R$ 4,607 ( papel) ea R$ 4,936 ( cartão). Todos os valores incluem a incidência de IOF, de 0,38% para moeda em espécie e de 6,38% no travel money.

A Western Union cobrava pelo dólar R$ 4,145 ( espécie) e R$ 4,382 ( cartão), enquanto a moeda europeia era cotada a R$ 4,647 e R$ 4,936, respectivamente. Na Cotação, o dólar em espécie saía a R$ 4,246. Para recarga de cartão, era vendido a R$ 4,457. O euro custava R$ 4,758 ( espécie) e R$ 4,999 ( plástico). Na TOV Corretora, a moeda americana era vendida a R$ 4,105 no papel- moeda ea R$ 4,34 no travel money. A agência cobrava R$ 4,607 pelo euro no papel e R$ 4,872 no cartão. A Ultramar Viagens cobrava R$ 4,10 e R$ 4,34 pelo dólar, em espécie e no cartão, respectivamente. O euro fechou em R$ 4,64 ( papel- moeda) e R$ 4,90 ( pré- pago). O Banco do Brasil cobrava R$ 4,075 e R$ 4,319 pelo dólar ( papel e cartão, respectivamente); já o euro era vendido a R$ 4,587 ea R$ 4,861, em espécie e no plástico. No Itaú, moeda americana fechou o dia a R$ 4,215 ( espécie) e R$ 4,446 ( travel money), e o euro, a R$ 4,717 ( cash) e R$ 5,031 ( cartão).

AVANÇO GLOBAL DA DIVISA

Mas a escalada da moeda americana, ontem, ocorreu em nível global. Segundo Bernard Gonin, analista de macroeconomia e gestor da Rio Gestão de Recursos, entre economistas e investidores aumentou a expectativa de que o Fed eleve os juros na reunião de dezembro:

— O presidente do Fed de Atlanta, Dennis Lockhart, afirmou que o mais importante para a alta dos juros é a economia americana e que ela está forte, o que foi interpretado como uma sinalização para dezembro. Outros integrantes do Fed fizeram o mesmo no fim de semana. Então, a possibilidade está maior, o que faz com que o real perca valor junto com outras moedas.

Na semana passada, ao manter as taxas de juros próximas a zero, o Fed citou a economia global como um dos motivos. Investidores e analistas interpretaram isso como um sinal de que o BC americano estava levando em conta a desaceleração da China em seu processo de tomada de decisão.

Por uma cesta de 16 moedas calculada pela Bloomberg, todas perderam para o dólar ontem. As maiores desvalorizações foram registradas pela coroa sueca, pelo dólar neozelandês e pelo rand sul- africano. O real teve o sétimo pior desempenho entre essas 16 divisas. Já o Dollar Index, que mostra o comportamento da divisa americana frente a uma cesta de dez moedas, subia 1,06% no momento do encerramento dos negócios no Brasil.

PETROBRAS VOLTA A TERRENO NEGATIVO

De acordo com o boletim Focus, compilação das expectativas de analistas e economistas feita pelo Banco Central, a projeção para o dólar é de R$ 3,86 para dezembro de 2015 e de R$ 4 para o final do ano que vem. É a primeira vez que esse levantamento aponta a moeda americana nesse patamar em 2016. O cenário político também contribuiu para deixar o Ibovespa pressionado. Com as incertezas do ajuste fiscal, projeta- se uma recessão cada vez maior este ano, que se prolongaria em 2016. Com isso, a perspectiva de lucro para as empresas fica menor, o que afeta o preço dos papéis negociados em Bolsa.

A queda foi puxada pelas ações do setor bancário, que têm o maior peso na composição do Ibovespa. As ações preferenciais ( PN, sem direito a voto) do Itaú Unibanco recuaram 2,22%, e as do Bradesco, 3,08%. O Banco do Brasil registrou queda de 3,20%.

No caso da Petrobras, os papéis voltaram para o terreno negativo. Os PN caíram 3,94%, negociados a R$ 7,30, e os ordinários ( ON, com direito a voto) recuaram 3,25%, a R$ 8,62. Também caíram as ações PN da Vale ( 0,56%). Mas as ON da mineradora subiram 0,10%.

No exterior, as Bolsas fecharam em alta. O índice Dow Jones, de Nova York, teve ganho de 0,77%, e o S& P 500 subiu 0,46%, impulsionados por declarações de integrantes do Fed de que a China não teria um pouso forçado. Já na Europa, o CAC 40, de Paris, avançou 1,09%, o FTSE 100, de Londres, fechou com leve valorização de 0,08%, e o DAX, de Frankfurt, subiu 0,33%. O alemão Bernd Berg é um dos analistas mais pessimistas quanto ao futuro do real. Um dia após o rebaixamento do Brasil pela Standard & Poor’s, no início deste mês, o diretor da equipe de mercados emergentes do banco francês Société Générale divulgou relatório prevendo que o dólar custaria R$ 4,40 dali a oito semanas. Para ele, a disparada da moeda será desencadeada pelo iminente downgrade da nota brasileira por uma das duas outras grandes agências globais. O economista não vê espaço no horizonte para o fortalecimento do real e acha que, caso a situação política degringole ainda mais, o dólar tem potencial para atingir, no fim do ano, a até então impensável cifra de R$ 5.

O Société Générale é talvez o mais pessimista dos bancos quanto ao real, prevendo o dólar a R$ 4,40 em novembro. O que levaria a isso?

Depois do downgrade da Standard & Poor’s, vi que o real excederia o nível de R$ 4, nossa previsão anterior. Acredito que é inevitável que Fitch ou Moody’s rebaixem a nota do Brasil. Em julho, quando o dólar atingiu R$ 3,30, eu já previa uma desvalorização do real por uma série de fatores. Do lado externo, a deterioração da China e uma crise no mercado de commodities atingiria os países emergentes. Na parte doméstica, minha opinião já era a de que o Brasil não seria capaz de entregar a meta fiscal para 2016. Além disso, já observávamos uma deterioração no campo político, com o Congresso bloqueando tentativas de aumento de impostos, por exemplo.

O que aconteceria com o Brasil caso seja rebaixado de novo?

Isso intensificaria a venda de ativos, motivada pelo pânico de investidores internacionais, porque fundos de pensão e grandes investidores estrangeiros terão de se desfazer de aplicações se mais uma agência rebaixar o Brasil. Muitos têm índices de benchmark com procedimentos internos que determinam que, caso um país perca o grau de investimento por duas grandes agências, precisam tomar medidas para reduzir sua exposição a esses mercados. Eu também espero a intensificação da turbulência, especialmente para a moeda, que é a parte mais vulnerável. No dia de um segundo downgrade, veremos imediatamente uma depreciação de 5% do real.

O novo pacote fiscal do governo muda sua perspectiva?

Dá para ver que o governo está em pânico, tentando evitar um segundo downgrade, porque sabe que isso resultará em uma grande saída de capitais do país. Daí o pacote fiscal anunciado recentemente. Mas eu sou cético quanto à aprovação dessas novas medidas no Congresso, sobretudo da CPMF. Então, vejo pouco efeito prático nesse pacote.

O real tem alguma chance de recuperar seu valor nos próximos meses?

Mesmo que não vejamos um rebaixamento já nas próximas semanas, o ambiente geral para o real é muito negativo. Não vejo qualquer potencial de recuperação da moeda. Tenho plena convicção de que vai se deteriorar ainda mais devido a fatores domésticos, inclusive por causa da circulação de rumores, como uma possível insatisfação de ( Alexandre) Tombini ( presidente do BC) ou uma demissão do ministro Joaquim Levy.

É possível vermos um dólar aR$ 5?

O momento é negativo para os mercados de moedas emergentes, e essa situação vai piorar nas próximas semanas. O Fed adiou mais uma vez a elevação dos juros. Isso pode dar certo alívio, mas permanece a incerteza de quando acontecerá. Os dados econômicos chineses continuam a se deteriorar. As próximas semanas serão muito turbulentas. E o real é a moeda mais vulnerável hoje. Então, repito que é possível vermos o câmbio em R$ 4,40 a curto prazo. Já o dólar aR$ 5 é, sim, uma possibilidade para o fim do ano, se virmos uma intensificação da crise política.

O que levou à mudança na relação dos investidores com o Brasil?

A situação política é muito turbulenta. Investidores internacionais não têm hoje confiança no governo. O Brasil recebeu muito fluxo de capitais por causa do Lula, porque os investidores confiavam em seu governo. Agora, a confiança foi perdida porque diversas reformas necessárias prometidas nos últimos dois anos não foram entregues.

O que o Brasil precisa fazer para recuperar confiança, crescimento, grau de investimento e a taxa de câmbio que tinha no passado?

É muito importante implementar as reformas estruturais que foram prometidas. A sensação que se tem hoje é que todas essas reformas estão adormecidas, não se vê qualquer avanço. Colocálas em prática é a única forma de o Brasil recuperar seu grau de investimento.

 

Novo rebaixamento é visto como inevitável

 

MARCELLO CORRÊA

RENNAN SETTI 

 

OBrasil não deve escapar de um rebaixamento por mais uma agência de classificação de risco, possivelmente ainda este ano, e o cenário interno tem pesado mais que o externo, afirmam especialistas. Ou seja: a turbulência se mantém a curto prazo. Cristiano Oliveira, economista- chefe do banco Fibra, considera que o Brasil tem pouco a fazer para evitar um novo rebaixamento, porque a ação da Standard & Poor’s foi resultado do afastamento, nos últimos cinco anos, do modelo econômico baseado em metas de inflação, câmbio flutuante e responsabilidade fiscal — o chamado tripé macroeconômico.

— O rebaixamento é inevitável, não há nada a ser feito. As pessoas têm feito confusão, acreditando que o Brasil foi rebaixado pelo que aconteceu nos últimos meses. Na verdade, o downgrade foi pelo conjunto da obra nos últimos cinco anos — afirma Oliveira.

Italo Lombardi, economista sênior do banco Standard Chartered em Nova York, vê como inevitável um segundo rebaixamento da nota do Brasil, provavelmente pela Moody’s, até o fim do ano.

INCERTEZA SOBRE AJUSTE FICAL

Já Luiz Eduardo Portella, sócio e gestor do Modal Asset, não descarta um rebaixamento também pela Fitch, que ainda mantém o Brasil a dois degraus de perder o grau de investimento. Na Moody’s, está apenas a um degrau, ou seja, um corte na nota fará o país perder o investment grade.

— As agências estão de olho na resposta do ajuste fiscal. O esperado é que a Moody’s rebaixe também, e a Fitch corte em uma nota — diz Portella.

Levantamento do Itaú Unibanco mostra que o ajuste fiscal foi um dos fatores determinantes para que países que perderam o grau de investimento recentemente recuperassem o selo de bom pagador. O estudo, assinado pela economista Julia Gottlieb, analisou 13 economias rebaixadas na última década. Das seis que ganharam a chancela de volta, Coreia do Sul, Eslováquia e Romênia voltaram ao grupo de bons pagadores em três anos, enquanto Indonésia, Uruguai e Colômbia demoraram, em média, uma década.

— O que é mais importante é ter o ajuste nas contas públicas, nas contas externas, e manter a inflação sob controle. Em outros episódios, isso ajudou. Essa é a lição que a gente tira — explica Julia.

O problema é que há incertezas sobre a capacidade de o governo brasileiro fazer isso a curto prazo, principalmente diante das dificuldades políticas que vem enfrentando para aprovar as medidas do ajuste fiscal.

— Se o governo conseguisse aprovar rapidamente todo o Orçamento, ele ganharia tempo. A questão é que isso é muito pouco provável. São tantos detalhes envolvidos, que é impossível que nenhum seja objeto de discussão acirrada. Infelizmente, quando a situação econômica depende da política, o resultado é imprevisível — afirma Lombardi, do Standard Chartered.

ALÍVIO MOMENTÂNEO DO FED

A economia brasileira ainda vem amargando a alta da cotação do dólar. O fato de o Federal Reserve ( Fed, o banco central americano) ter mantido a taxa básica de juros dos Estados Unidos próxima de zero, na semana passada, adiou a temida fuga de dólares dos mercados emergentes. Com um juro maior nos EUA, os investidores internacionais devem retirar recursos de mercados de maior risco, preferindo a segurança dos títulos americanos. Mas esse alívio momentâneo — a expectativa é que o Fed aumente a taxa em dezembro — não foi o suficiente para contrabalançar a turbulência doméstica da crise política no Brasil.

José Júlio Senna, chefe do Centro de Estudos Monetários da Fundação Getulio Vargas ( FGV), ressalta que, desde julho, as variáveis- chave do dólar estão associadas a fatores domésticos. Essa pressão interna já faz com que o real seja a moeda com maior desvalorização este ano frente ao dólar, de 33,31%, considerando as 32 principais divisas do mundo.

— No caso de outros emergentes, o Fed será um fator prevalecente no câmbio. No Brasil, não. Isso mostra a relevância que as questões domésticas estão exercendo — afirma Oliveira, do banco Fibra.

Fábio Silveira, diretor de pesquisas econômicas da GO Associados, vê no momento uma oportunidade para aproveitar o dólar alto e estimular exportações:

— A única saída que eu vejo no plano macroeconômico é tentar acelerar a exportação, aproveitando esse embalo no câmbio de R$ 4. Pode ser nosso grande sustentáculo em 2016.