Cerco a ônibus será retomado

 

ELENILCE BOTTARI, LUIZ ERNESTO MAGALHÃES, MARCO GRILLO E VERA ARAÚJO 

O globo, n. 29996, 22//09/2015. Rio, p. 9

 

Depois das reações provocadas pelos arrastões em série no fim de semana, o secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, elevou o tom e disse que, se não tiver o apoio de outros órgãos, a polícia voltará a fazer cerco a adolescentes que vão de ônibus para a Zona Sul com a intenção de praticar crimes. No dia 10, a Justiça proibiu a apreensão de jovens sem flagrante delito. O juiz Pedro Henrique Alves, da Vara da Infância e da Juventude, defendeu a medida, que não impediria os policiais de agirem. Os conflitos envolvendo adolescentes infratores deixaram as areias e chegaram aos gabinetes. O secretário estadual de Segurança, José Mariano Beltrame, elevou ontem o tom e disse que, sem a colaboração de outros órgãos, como o Ministério Público e as secretarias de Assistência Social, a PM voltará a montar cercos nos mesmos moldes que fazia no mês passado e que foram proibidos por decisão judicial. Na ocasião, as apreensões de jovens dentro de ônibus que seguiam para a orla levaram a Justiça a expedir um habeas corpus coletivo, impedindo a polícia de deter grupos sem flagrante de delito. A posição de Beltrame recebeu críticas de várias partes, inclusive de representantes da Justiça. A forma legal de abordar a questão dividiu opiniões, e o problema visto no fim de semana, quando praias da Zona Sul se tornaram palcos de arrastões em série e de cenas de guerra, ainda parece estar longe de uma solução.

GABRIEL DE PAIVACrueldade. O barraqueiro Jesiel Cruz segura objetos que, segundo ele, grupos de assaltantes usaram para agredir ou ameaçar suas vítimas, durante um arrastão no Arpoador

Para Beltrame, o Executivo e o Judiciário não podem ignorar a vulnerabilidade de crianças e adolescentes que viajam “quilômetros até as praias sem dinheiro para se locomover, comer ou mesmo beber água, sem documentos e sem a companhia de responsáveis”. O secretário fez críticas a órgãos que, segundo ele, deveriam estar engajados na prevenção do crime, afirmando que outras esferas do poder público não atenderam aos seus “chamamentos”. Beltrame destacou que a responsabilidade de encontrar uma saída para a questão não pode ser deixada apenas nas mãos da PM.

— O que nós vamos fazer, mais uma vez, é trazer os órgãos de fiscalização municipal para que façam a sua função, a qual a polícia foi tolhida de fazer, que é a percepção de jovens em situação de vulnerabilidade. Então, nós estamos fazendo mais uma vez uma solicitação à Guarda Municipal, à Secretaria da Ordem Pública e à Secretaria de Desenvolvimento Social, para que atuem juntamente com as polícias Militar e Civil.

AÇÃO PARA EVITAR ‘‘ TRAGÉDIA MAIOR’’

Após dizer que “a polícia terá que agir para evitar uma tragédia maior”, como um “linchamento”, Beltrame afirmou que os órgãos listados numa sentença judicial, determinando a realização de um trabalho conjunto de prevenção do crime, foram os primeiros a descumprir a decisão. O secretário disse ainda que o serviço de inteligência de sua pasta já detectou a movimentação de grupos que pretendem fazer “justiçamentos” nas ruas.

— Nós vamos voltar a fazer as ações que hoje entendemos que são mais do que preventivas. Se nós não fizermos algo, podemos estar suscitando um problema maior mais à frente. Na prática, vamos montar os mesmos cercos que a polícia sempre fez em lugares e horários inopinados — enfatizou Beltrame.

O governador Luiz Fernando Pezão também disse que o combate ao problema “vai além das forças de segurança”. E garantiu:

— A polícia vai continuar trabalhando com firmeza, principalmente com ações de inteligência. Não vamos tolerar a barbárie. Vamos atuar com rigor. Não vamos fugir da nossa responsabilidade.

No último dia 10, o juiz Pedro Henrique Alves, titular da 1 ª Vara da Infância e da Juventude, determinou que a polícia não poderia conduzir adolescentes para delegacias, a não ser em caso de flagrante de delito. A decisão atendeu a um recurso impetrado pela Defensoria Pública. O juiz Pedro Henrique Alves disse ontem que a polícia não foi impedida de fazer abordagens.

— Eu promovi as reuniões ( com autoridades de vários órgãos) justamente para fazer esse trabalho conjunto em prol da sociedade. No final, a culpa é do juiz? Eles têm que agir. Obviamente, o policial não pode prender se não houver suspeita, se não houver indícios de um crime. A ideia é que trabalhem a Secretaria municipal de Desenvolvimento Social, o Conselho Tutelar, a Guarda Municipal e a Polícia Militar de forma conjunta — frisou o juiz. — É importante separar o infrator do não infrator. Mas isso dá trabalho.

No sábado, o presidente do TJ, desembargador Luiz Fernando Ribeiro, enfatizou que a decisão do juiz Pedro Henrique Alves apenas reforçou o que está na Constituição. Ele afirmou que policiais não têm como adivinhar quais jovens podem vir a cometer crimes.

— A decisão da 1 ª Vara da Infância e da Juventude foi absolutamente correta. Não se pode supor que alguém, um grupo de adolescentes, vai à praia para cometer arrastões só porque está num ônibus. Não pode haver essa adivinhação, essa suposição de que haverá um arrastão — disse o magistrado ao “RJ- TV”, da Rede Globo, acrescentando que “não é por um exercício de adivinhação que se pode privar os adolescentes do direito à liberdade”.

Ontem, por meio de nota, a Defensoria Pública estadual informou que está tomando as medidas cabíveis para garantir a integridade física da coordenadora de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, Eufrásia Maria Souza das Virgens, que recorreu à Justiça contra a atuação da polícia. Ela, que teria sofrido ameaças por meio de redes sociais, também se manifestou sobre a abordagem a grupos de jovens nas praias.

— A polícia não está sendo impedida de fazer o seu trabalho. Se, nas abordagens, alguém for considerado suspeito, ele pode e deve ser conduzido a uma unidade da Polícia Civil para verificação. No caso de adolescentes, eles podem ser levados, sim, para saber se há contra eles mandados de busca e apreensão. Mas não se pode admitir que um ônibus inteiro com jovens que sai da Zona Norte seja levado indiscriminadamente para delegacias — criticou a defensora, que minimizou as ameaças. — Não chegam a ser ameaças, mas o tom das críticas é muito duro.

Também para o presidente da Comissão de Segurança Pública da OAB/ RJ, Breno Melaragno, a PM nunca esteve impedida de entrar nos ônibus e revistar os passageiros.

— Essa fala ( sobre a PM ter sido tolhida de fazer a prevenção) do secretário ( Beltrame) não só é juridicamente errada, é também perigosa, porque insufla movimentos particulares de gangues da Zona Sul — destacou Melaragno, acrescentando que Beltrame está certo ao exigir a colaboração de outras esferas do poder público. — A política preventiva de fazer abordagens nos ônibus é válida, porque é muito difícil para a Polícia Militar e a Guarda Municipal prenderem alguém no meio do arrastão. No entanto, não se pode prender pela suspeita de que alguém vá cometer um crime. A lei proíbe isso.

VICE- PREFEITO SE DEFENDE

O vice- prefeito Adilson Pires, que também é secretário municipal de Desenvolvimento Social, garantiu que manteve quatro equipes atuando na Zona Sul durante o fim de semana. Em entrevista ao “RJ- TV”, ele disse que a prefeitura já colabora com a polícia.

— Este fim de semana, fizemos abordagens, acolhimento de menores — disse. — Mas o que a gente viu este fim de semana foi um problema na orla do Rio de Janeiro estritamente de segurança pública. Assalto, arrastão, gente correndo, cadeirada, paulada... Esse não é problema para assistente social, é um problema para a polícia. A polícia é que deveria atuar na contenção dessa situação. E aí é uma coisa que o secretario é que tem que explicar que planejamento a polícia tem para evitar que ocorra de novo.

Já a Guarda Municipal reconheceu que ainda não começou sua Operação Verão, nem sabe qual efetivo mobilizará para atuar nas praias. A previsão é que os agentes comecem a trabalhar no primeiro fim de semana de outubro.