Somos todos Aylan!

 

Osias Wurman

O globo, n. 29995, 21//09/2015. Opinião, p. 15

 

Édramático assistir às cenas dos refugiados que buscam a Europa como porto seguro na tormenta que varre seus países de origem. Milhares têm morrido na travessia dos oceanos, mas não podemos esquecer que mais de 250 mil sírios já foram mortos em seu próprio país, numa guerra deplorável e fratricida.

Vale lembrar que apenas o conflito na Síria já produziu mais de quatro milhões de refugiados desde 2011. A grande pergunta que não quer calar é saber a quem cabe o dever de amparar crianças, mulheres, idosos e, sobretudo, humanos.

Sinto- me suspeito para julgar, pois sou filho e neto de imigrantes poloneses que, na década de 30, tiveram que abandonar seu país atolado em racismo e antissemitismo e só conseguiram abrigo no Brasil de Vargas, apesar de ter havido um período de embargo à imigração. Minha solução seria primeiramente acolhê- los para em seguida realocar as vítimas desta megatragédia.

É dramático ter de sair da terra natal em meio a um conflito devastador, mas, pior é não saber para onde ir, sentir- se renegado por um mundo hostil e egoísta, com raríssimas exceções.

As cenas da polícia húngara atacando civis desarmados com canhão de água e gás lacrimogêneo, muitos dos quais com filhos no colo, chocaram o mundo. Os países europeus começam a sentir o ônus de serem cobrados pela opinião pública por não aceitarem esta onda de imigrantes de forma mais permeável e humanitária.

Alemanha, Áustria, França e Inglaterra se destacam, dentre os 28 países da União Europeia, no acolhimento dos imigrantes.

Causa- nos um profundo questionamento sobre o que motiva os refugiados sírios a não procurarem ou privilegiarem na sua escolha de destino, os países árabes vizinhos da Síria? Por que países como Turquia, Jordânia e Arábia Saudita, que têm profundas afinidades com os retirantes em idioma, religião, hábitos alimentares e culturais, são usados como mero corredor de passagem e preteridos aos países longínquos e desconhecidos da Europa?

A resposta é dura de ser digerida e aceita, mas em grande parte é devido ao fato de os refugiados acreditarem mais nos valores democráticos do mundo ocidental do que nos governos monárquicos, demagógicos ou belicistas do mundo árabe que os circunda.

A Europa pagará um preço alto por assumir o dignificante amparo humanitário aos refugiados. A extrema- direita europeia já se mobiliza nos ataques aos governos democráticos que acolhem os refugiados, jogando lenha na fogueira da xenofobia irracional.

Mas a causa desta tragédia não está sendo atacada: o interminável conflito na Síria. Enquanto as grandes potências não acordarem sobre um futuro de paz e convivência para a devastada realidade na Síria, outrora um país estável, laico e acolhedor, o drama dos refugiados só tende a se agravar.

A cena chocante e estarrecedora do pequeno Alyan, de 3 anos, morto por afogamento ao escapar dos braços de seu pai numa destas travessias desesperadas e suicidas, tende a se repetir enquanto não for estancado o desespero dos retirantes. Enquanto a crise não arrefece, nossos corações exclamam: somos todos Aylan!