Título: A bronca de Dilma
Autor: Rothenburg, Denise
Fonte: Correio Braziliense, 22/09/2011, Política, p. 2/3

Presidente defende a Palestina, cobra a reforma do Conselho de Segurança e alerta sobre a crise econômica

Enviada especial

Nova York ¿ Num discurso de 24 minutos, interrompido seis vezes por aplausos, a "primeira voz feminina" a abrir uma Assembleia Geral das Nações Unidas distribuiu puxões de orelhas por todos os lados. Dilma Rousseff, em sua estreia diante de 130 chefes de Estado e outros representantes, num total de 193 países, passou um pito em todos os comandantes do primeiro mundo ao citar a crise econômica mundial e o aumento do desemprego. "Não é por falta de recursos financeiros que os líderes dos países desenvolvidos ainda não encontraram uma solução para a crise. É, permita-me dizer, por falta de recursos políticos e de clareza de ideias", afirmou, alertando que "ficam presos na armadilha que não separa interesses partidários daqueles interesses legítimos da sociedade".

A presidente brasileira aproveitou para lançar a todos o desafio "de substituir teorias defasadas, de um mundo velho, por novas formulações para um mundo novo". E citou na delicada questão do emprego, enumerando 44 milhões de desempregados na Europa e 14 milhões nos Estados Unidos. "Enquanto muitos governos se encolhem, a face mais amarga da crise, a do desemprego, se amplia", falando da sensibilidade das mulheres, que sabem que o desemprego "golpeia famílias, nossos filhos e maridos. Tira a esperança e deixa a violência e a dor".

Ao elencar as saídas para a crise, Dilma mencionou a necessidade de países altamente superavitários (ela não citou, mas um exemplo é a China) estimularem os mercados internos. E entrou no tema cambial. "Quando for o caso, flexibilizar suas políticas cambiais, de maneira a cooperar para o reequilíbrio da demanda global", afirmou.

Dilma defendeu controles à guerra cambial, com adoção de regimes de câmbio flutuante. "Trata-se de impedir a manipulação do câmbio tanto por políticas monetárias excessivamente expansionistas como pelo artifício do câmbio fixo", afirmou, num recado direto aos chineses. Em seguida, pregou novamente a reforma das instituições financeiras multilaterais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e criticou o protecionismo.

"Todas as formas de manipulação comercial devem ser combatidas, pois conferem maior competitividade de maneira espúria e fraudulenta", afirmou, ao lembrar que o Brasil está fazendo a sua parte mantendo gastos sob controle e precauções adicionais para reforçar a capacidade de resistência à crise.

Mais ao final do discurso, depois de citar que a melhor política de desenvolvimento "é o combate à pobreza" e convidar a todos para a Conferência sobre Desenvolvimento Sustentável em 2012, a Rio+20, a presidente terminou com a voz embargada: "Como mulher que sofreu tortura no cárcere, sei como são importantes os valores da democracia, da Justiça, dos direitos humanos e da liberdade. É com esperança de que esses valores continuem inspirando o trabalho desta Casa das Nações que tenho a honra de iniciar o debate desta Assembleia", completou.

Palestina Um dos momentos mais aplaudidos do discurso foi quando Dilma falou que a legitimidade do Conselho de Segurança da ONU "depende cada dia mais de sua reforma". Dilma lembrou que esse debate existe há 18 anos e "não é possível protelar mais". Não faltou ainda uma cutucada em Israel e naqueles que, como os Estados Unidos, tentam protelar o ingresso da Palestina na ONU.

Ao comentar a entrada do Sudão do Sul como integrante das Nações Unidas, ela lamentou não poder, naquela tribuna, saudar o ingresso pleno da Palestina na ONU, provocando mais uma sucessão de efusivos aplausos. "Apenas uma Palestina livre e soberana poderá atender aos legítimos anseios de Israel por paz com seus vizinhos, segurança em suas fronteiras e estabilidade econômica em seu entorno regional", disse Dilma, para alegria do líder palestino, Mahmoud Abbas, sentado na plateia. O israelense, Benjamin Netanyahu, não estava. Ele encontrou Dilma quando descia do carro e ela saía da ONU. Os dois trocaram um frio cumprimento.

Obama O presidente dos Estados Unidos não estava na plateia quando Dilma discursava. Fazia parte do protocolo. Ele só foi conduzido quando chegou a sua hora de falar. Em um discurso um pouco maior do que o da presidente brasileira, ele lembrou que a "paz é difícil". E foi direto: "A paz é um trabalho duro. Não virá por meio de discursos e resoluções das Nações Unidas", completou, olhando na direção de onde estava a delegação brasileira e o destacado vestido azul de Dilma. Abbas, que estava nas laterais, balançava a cabeça em sinal de descontentamento.

Nesse momento, a presidente Dilma tirou o fone do ouvido e fez um comentário com o chanceler Patriota, sentado ao seu lado.

Dilma não disse o que conversou com Patriota, mas o governo brasileiro considerou normal o discurso de Obama em defesa de Israel e da negociação direta entre israelenses e palestinos, sem constrangimentos. Em conversas reservadas, comentaram que o discurso de Obama já estava pronto quando Dilma subiu à tribuna da ONU para abrir os trabalhos da 66ª Assembleia.