Título: Estagnação no debate nuclear
Autor: Sassine, Vinicius ; Rothenburg, Denise
Fonte: Correio Braziliense, 22/09/2011, Política, p. 5

Dilma participa de reunião sobre segurança atômica três anos após o Brasil iniciar as discussões de uma agência reguladora que até hoje não saiu do papel

Brasília e Nova York ¿ A presidente Dilma Rousseff chega hoje à reunião da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre segurança nuclear sem ter muito o que mostrar aos outros países. Mesmo com os recorrentes puxões de orelha da Agência Internacional de Energia Atômica (Aiea), o Brasil continua carente de um órgão regulador de energia nuclear. Isso significa que o mesmo colegiado governamental que concede os licenciamentos ¿ a Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen) ¿ é o responsável por regular e fiscalizar o setor, prática condenada pela Aiea.

Quando era ministra da Casa Civil, em 2008, a própria Dilma passou a ser a responsável direta pela criação da agência reguladora. Coube a ela coordenar o Comitê de Desenvolvimento do Programa Nuclear Brasileiro, que deveria tirar a agência do papel. O anteprojeto elaborado no ano seguinte pela Cnen acabou arquivado e, até agora, a nova proposta em discussão não chegou à Casa Civil.

Na reunião da ONU, serão discutidos o futuro da energia nuclear e os procedimentos de segurança depois do acidente em Fukushima, no Japão, em março deste ano. A participação de Dilma no encontro foi um pedido especial do secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon. De forma reservada, circula entre diplomatas brasileiros a ideia de que Ban Ki-moon considera importante a participação brasileira para dissipar qualquer suspeita de que o Brasil apoia, por exemplo, os armamentos nucleares do Irã. Na comunidade internacional, embora não haja dúvidas de que o Brasil é um país pacífico, houve suspeitas sobre a postura em razão da defesa intransigente que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fazia do presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad.

Fins pacíficos No discurso que fez ontem no plenário da ONU, Dilma ressaltou que o Brasil só usa a energia nuclear para fins pacíficos. O programa nuclear brasileiro, porém, está longe de ter uma agência reguladora. Um ofício da Casa Civil à Câmara dos Deputados encaminhado em 3 de maio informou que o anteprojeto de lei sobre a criação da agência reguladora nem chegou a ser encaminhado ao ministério. O anteprojeto, elaborado pela Cnen em 2009, foi alvo de incontáveis críticas. Um dos problemas, segundo a Associação dos Fiscais de Radioproteção e Segurança Nuclear (Afen), era a possibilidade de a Cnen indicar diretores para a futura agência reguladora. Além disso, os fiscais seriam cedidos ao órgão e depois retornariam à Cnen. Segundo o presidente da Afen, Rogério Gomes, a Sociedade Brasileira de Física pede a criação da agência há 35 anos.

Em nota ao Correio, a Cnen confirmou que o projeto de lei ainda está em fase de elaboração e não foi enviado, até o momento, à Casa Civil. "A Cnen está reformulando o texto do projeto de lei." A agência desempenharia as atividades de regulação que hoje estão sob a responsabilidade da Diretoria de Radioproteção e Segurança Nuclear da Cnen. A este órgão caberiam, principalmente, as atividades de pesquisa, dissociadas da regulação e da fiscalização. "A Cnen reconhece a necessidade de se criar órgãos separados. Essa é uma das metas do atual presidente, Angelo Padilha", diz a nota. Padilha assumiu o cargo há dois meses.