Congresso: histórico de poucas punições

 

DANIEL BIASETTO

O globo, n. 29994, 20//09/2015. País, p. 6

 

Desde o processo de redemocratização, em 1988, mais de 500 parlamentares foram investigados ou respondem a ações penais no Supremo Tribunal Federal (STF). Desses, apenas 16 foram condenados no exercício do mandato por crimes como corrupção, lavagem de dinheiro e desvio de verba pública; oito cumpriram ou ainda cumprem pena; outros três recorreram da condenação e cinco conseguiram escapar da pena por prescrição. Os únicos presos hoje são os ex-deputados Natan Donadon (ex-PMDB-RO), cuja pena é cumprida em regime semiaberto; e, em prisão domiciliar, Asdrúbal Bentes (PMDB-PA), João Paulo Cunha (PT-SP), Pedro Henry (PP-MT) e Valdemar Costa Neto (PR-SP), os três últimos condenados no mensalão.

Levantamento do Congresso em Foco obtido pelo GLOBO, que já leva em conta a nova legislatura, revela que hoje tramitam no Supremo um total de 358 investigações entre inquéritos e ações penais contra ao menos 172 parlamentares, aproximadamente um terço do Congresso Nacional. No total, 141 deputados e 31 senadores são investigados ou respondem a processos em quase 60 tipos de crimes. Entre eles, 56 parlamentares são réus em ações penais que correm no STF (cinco senadores e 51 deputados). Um mesmo parlamentar pode ser alvo de mais de um inquérito e ainda réu em outros processos. Esse número pode ser maior, uma vez que há casos que correm em segredo de Justiça e outros sobre os quais ministros não disponibilizam informações a respeito do investigado no sistema de registros do STF.

De acordo com os dados, apenas sete partidos, dos 28 representados nas duas Casas legislativas, estão com a ficha limpa. Entre as siglas com mais investigados, o PP está à frente com folga: quase 70% de sua bancada é alvo de investigação. Em segundo, vem o PR (39%), seguido de PMDB e PDT ( 35%), PSDB ( 24%) e PT ( 21%). As acusações mais comuns são, nesta ordem: crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos ou valores ( 75), crimes da Lei de Licitações (71), corrupção passiva (69), peculato, quadrilha, crimes eleitorais, de responsabilidade, contra o sistema financeiro e a ordem tributária.

De todos os casos do levantamento, só dois deputados (Nelson Marchezan Junior/PSDB-PR e Rocha/PSDB-AC) e um senador (Roberto Requião/PMDBPR) têm pendências no Supremo exclusivamente por crimes de opinião.

A grande quantidade de processos distribuídos por ministro, aliada à morosidade do trâmite judiciário e à infinidade de recursos possíveis para protelar as decisões judiciais, estão entre as justificativas para a lentidão dos julgamentos.

CASOS EMBLEMÁTICOS

Entre os casos mais emblemáticos do levantamento está o do senador Ivo Cassol (PP-RO). Condenado em agosto de 2013 a quatro anos e oito meses de prisão por fraude em licitação quando era prefeito de Rolim de Moura ( RO), entre 1998 e 2002, o parlamentar — primeiro e único integrante do Senado a ser punido pela mais alta Corte do país — vem protelando o quanto pode o cumprimento da pena para não acabar atrás das grades.

Cassol é o senador com mais pendências no Supremo. Ele aparece em dez investigações: duas ações penais por calúnia e crime eleitoral e outros oito inquéritos por peculato, improbidade administrativa, falsidade ideológica, lavagem de dinheiro, corrupção passiva, crimes contra o meio ambiente, sistema financeiro e Lei de Licitações.

Réu em quatro ações penais e alvo de oito inquéritos por delitos como peculato, corrupção passiva e crimes contra o meio ambiente, o deputado Roberto Góes (PDT-AP) lidera a lista na Câmara. Ele teve seu mandato de prefeito de Macapá cassado em 2008 e chegou a ficar preso na Penitenciária da Papuda em decorrência da Operação Mãos Limpas, que apurou esquema de desvio de verbas federais por servidores públicos e políticos.

Já o deputado Veneziano Vital do Rêgo (PMDB-PB) — irmão do ministro do TCU Vital do Rêgo — aparece na segunda colocação com mais processos: são dez inquéritos e uma ação penal. Durante o período em que foi prefeito de Campina Grande, de 2005 a 2012, ele acumulou processos por violação à Lei de Licitações e vantagem indevida. O GLOBO tentou contato com Cassol, Góes e Veneziano, mas nenhum deles retornou as ligações.

Fundador do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral e um dos mentores da Lei da Ficha Limpa, o juiz Marlon Reis ressalta que o baixo número de condenações de parlamentares está diretamente ligado à impunidade contra autoridades no país. Segundo ele, diversos fatores podem explicar a morosidade da Justiça nas análises dos processos e eventuais condenações:

— Esse número é a mais cabal demonstração da impunidade. A institucionalidade brasileira não consegue aplicar a lei penal contra altos mandatários e deixa a impressão de que a Procuradoria-Geral da República é formada por incompetentes que não têm o mínimo crivo para apresentar elementos que sustentem uma ação penal — afirma o juiz.

Na opinião de Reis, o fato de os ministros do STF estarem sobrecarregados colabora também para essa lentidão se arrastar:

— Os ministros estão com suas mesas lotadas de processos, e os tribunais de primeira instância não têm vocação institucional para instruir processos e auxiliar na coleta de provas — avalia o juiz.

 

Ministro com mais processos sobre parlamentares critica privilégio de foro

 

BRUNO GÓES

 

Marco Aurélio Mello é o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) com mais processos sob sua responsabilidade envolvendo parlamentares. Relator de 43 ações, ele se diz contra o foro privilegiado. Marco Aurélio reclama dos casos que se avolumam na Corte. Esses casos se somam a diversas outras questões importantes e sobrecarregam os ministros: “algo inimaginável”, avalia.

NELSON JR/DIVULGAÇÃOMarco Aurélio. Ministro critica acúmulo de ações que sobrecarrega o STF

— Sou contra a prerrogativa de foro (para parlamentares). Acho que não se julga o cargo. Julga-se o cidadão que ocupa o cargo e comete o desvio de conduta. Ele deve ser julgado como um cidadão comum. Por mim, todos seriam julgados pela primeira instância, na pedreira da magistratura que é a primeira instância. Na medida do possível, o Supremo, evidentemente, atua. E atua sem perceber a capa do processo. Atua considerando o conteúdo do processo.

O ministro afirma que o STF vem “sentenciando, processando, julgando, cumprindo sua função”, mas ressalta a perplexidade com tantos casos de corrupção:

— Nós estamos passando o país a limpo. Hoje, as coisas não são mais escamoteadas. Não são mais varridas para debaixo do tapete. Graças a uma imprensa vigilante, graças à Polícia Federal, ao Ministério Público, aos órgãos do Judiciário, isso está mudando. Isso é muito bom e sinaliza dias melhores.

Segundo ele, a transferência dos julgamentos de parlamentares do plenário do STF para as turmas deu agilidade aos processos, mas ainda é preciso aprimorar a legislação para que a Corte não fique asfixiada.

— O que nós enfrentamos nos dias atuais é impensável: a gente receber por semana mais de cem processos. Isso não ocorre em país algum. É algo para se resolver em termos de reforma legislativa.

Professor da FGV Direito Rio, o advogado Thiago Bottino também considera imprópria a função exercida atualmente pelo Supremo.

— Acho que a existência do foro privilegiado é ruim para o próprio Supremo porque é um tipo de julgamento que o STF não está acostumado a fazer. Os juízes de primeiro grau são muito mais preparados para isso.

Para Bottino, além de serem ruins para o STF, os julgamentos também não são bons para os réus, pois eles perdem o direito de recorrer. Os casos são julgados só pelo Supremo.

— Um julgamento como o das células-tronco, uma discussão agora como a da descriminalização da maconha, toma muito tempo dos ministros. Eles têm que se preparar, preparar o voto, discutir, e isso toma várias sessões. Então, o trabalho do Supremo deveria privilegiar esse tipo de ação — diz.

Logo depois de Marco Aurélio, o segundo ministro responsável por mais casos envolvendo parlamentares é Teori Zavascki, com 41 processos. Teori é relator de casos de parlamentares citados em delações na Operação Lava-Jato. Com as investigações, o número de processos analisados por ele deve aumentar.

Dias Toffoli aparece em terceiro lugar no ranking, com 35 processos; Luiz Fux tem 32 casos; Celso de Mello, 30; Gilmar Mendes, 28; Cármen Lúcia, 28; Luís Roberto Barroso, 27; Rosa Weber, 27; e, por último, Edson Fachin, com 25 processos.