Correio braziliense, n. 19083, 25/08/2015. Política, p. 3

Novo inquérito contra Collor

Janot quer a abertura de outra ação contra o senador no STF, desta vez por crimes de licitação e peculato. Às vésperas da sabatina do procurador-geral, político alagoano classifica-o de "fascista" e de "figura tosca"

João Valadares

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) a abertura de um novo inquérito contra um grupo que envolve o senador Fernando Collor (PTB-AL) para apurar a suposta prática de crimes de licitação e peculato, além de corrupção passiva. O pedido chegou à Corte na mesma semana em que Janot ofereceu denúncia contra o senador — acusado de ter recebido R$ 26 milhões em propina — e outras quatro pessoas ligadas a ele pela prática dos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, no âmbito da Operação Lava-Jato. Assim como a denúncia, o inquérito corre sob sigilo na Corte.

Além de senador, a Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu a investigação do ex-ministro do governo Collor Pedro Paulo Leoni, de dois servidores que ocupam cargo comissionado no Senado — Cleverton Melo da Costa e Fernando Antônio da Silva Tiago — e de Luís Pereira Duarte de Amorim, visto como “administrador” de empresas de Collor e ligado à TV Gazeta de Alagoas. Todos já foram denunciados pela PGR ao lado de Collor na última quinta-feira.

A nova investigação é um desdobramento da denúncia oferecida por Janot contra o grupo. Os fatos que a procuradoria considerou que já possuem amadurecimento suficiente de investigação foram incluídos na acusação  formal. Já os crimes que ainda precisam ser investigados com mais profundidade fazem parte do novo inquérito. Os dois procedimentos — tanto a nova investigação como uma eventual ação penal contra Collor, no caso de a denúncia ser recebida pelo STF — devem correr paralelamente na Corte.

As defesas de Collor e de Pedro Paulo Leoni afirmaram ainda não ter conhecimento do teor do novo pedido de inquérito. Os advogados de Cleverton Melo Costa, Fernando Antônio Silva Tiago e Luís Pereira Duarte Amorim não foram localizados.

Ataques. Collor subiu ontem à tribuna do Senado e disparou, mais uma vez, duras críticas ao procurador-geral da República. O político alagoano o classificou, entre outros adjetivos, de “fascista da pior extração”, “figura tosca” e “arbitrário”. Amanhã, Janot será sabatinado pelos senadores, inclusive, por Collor, que já confidenciou a pessoas próximas que deve chegar cedo para sentar na primeira fila — na semana passada, o parlamentar apresentou voto em separado contra a recondução do procurador-geral.

Nos bastidores, diante do clima tenso dos últimos meses, existe uma preocupação com a segurança durante a sessão. Policiais federais vão acompanhar Janot até o Senado. Desde janeiro, quando teve o portão de casa arrombado, o procurador-geral conta com o reforço de agentes da PF em eventos públicos. Nas dependências da Casa, o aparato  de segurança será feito pela Polícia Legislativa.

A assessoria de comunicação da Procuradoria-Geral da República (PGR) informou apenas que Janot contará com o reforço da segurança que já vem sendo utilizando desde o início do ano para eventos públicos. Por uma questão de estratégia, o número de policiais não foi informado.

Procuradores ouvidos pelo Correio afirmaram que existe um certo temor em relação ao ex-presidente. Janot, de acordo com eles, já espera que Collor tente constrangê-lo publicamente, com ataques e questionamentos mais duros.

Na tarde de ontem, o senador atacou a condução do caso por Rodrigo Janot e afirmou que representantes do Ministério Público Federal (MPF) têm agido com “arrogância, prepotência e arbitrariedade” no cumprimento de suas funções constitucionais. No pronunciamento, que durou pouco mais de 32 minutos, o ex-presidente se queixou dos vazamentos de informação e do que chamou de “arrombamento” do imóvel funcional do Senado ocupado por ele, localizado na SQS 309.

“Há meses venho denunciando o perfil dessa figura tosca de Janot. A começar pelos sucessivos vazamentos de informação que correm em segredo de Justiça. Até hoje, sequer fui ouvido para esclarecer mentiras e embustes

politicamente arquitetados pelo senhor Janot. Meu depoimento foi marcado e, por duas vezes, desmarcado, na véspera dos mesmos”, ressaltou Collor. O senador reclamou que seus advogados não tiveram ainda acesso à integralidade dos autos.

Diante de um plenário vazio, o senador exibiu um vídeo de 2 minutos em que mostra a ação da Polícia Federal no cumprimento do mandado de busca e apreensão realizado no imóvel. O senador criticou o fato de as autoridades terem se negado a apresentar o mandado de busca e apreensão. Nas imagens, o diretor da Polícia Legislativa do Senado, Pedro Araújo Carvalho, aparece pedindo aos policiais federais e a um representante do MPF a determinação judicial. Em determinado momento, os ânimos ficam exaltados, e o diretor pede para que alguns policiais fechem as saídas laterais. Uma delegada chega a dizer que ele pode ser preso por cárcere privado. Em seguida, a situação é contornada.

“Poder e autoridade”. “Se assim agem em relação a um representante da população, nas dependências do Senado da República, imaginem o que não fizeram nas minhas outras residências a mando do senhor Janot? Mas tudo bem, vamos em frente”, afirmou. Collor encerrou o discurso com um pensamento do filósofo grego Plutarco: “Nada  revela mais o caráter de um homem do que seu modo de se comportar quando detém um poder e uma autoridade sobre os outros: essas duas prerrogativas despertam toda paixão e revelam todo vício”. A assessoria de comunicação da PGR ressaltou que Rodrigo Janot não se manifestará sobre o discurso do senador. No início do mês, Collor também criticou Janot da tribuna do Senado. Na ocasião, chegou o chefe do Ministério Público Federal de “filho da p...”.

Em julho, no imóvel residencial de Collor, a famosa Casa da Dinda, no Setor de Mansões do Lago Norte, os agentes federais apreenderam, além de documentos, três carros de luxo: uma Ferrari, um Porsche e uma Lamborghini.  A Operação Politeia esteve nas casas do senador em Brasília e em Alagoas.

O ex-presidente é investigado por, segundo o doleiro Alberto Youssef, ter recebido propina para facilitar contratos na BR Distribuidora, uma subsidiária da Petrobras. Em delação premiada, o dono da construtora UTC, Ricardo Pessoa, disse ainda que Collor teria recebido R$ 26 milhões do esquema montado na estatal, entre 2010 e 2012.