Governo é de direita

 

RANDOLFE RODRIGUES 

O globo, n. 29994, 20//09/2015. Opinião, p. 19

 

Voltou o debate sobre o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Como se impopularidade ou incompetência fossem justificativas para a medida. A crise se agrava. A crise de confiança na presidente agrava a crise econômica, ajudando as expectativas inflacionárias a subirem e as previsões sobre o PIB a caírem.

A crise de hegemonia política faz grandes empresários se movimentarem. Afinal, uma situação em que não há governo prejudica os lucros. Dilma é, a cada momento, posta contra a parede. E cede sempre, como no caso da Agenda Brasil, um receituário neoliberal. Mas a debilidade do governo é tal que a trégua não dura 15 dias. Quanto mais cede, mais Dilma se enfraquece e perde credibilidade. E mais exigências são feitas.

Manifestações da velha direita pedem a cabeça de Dilma, mas apoiam sua política. Sindicatos de trabalhadores, a maioria apelegados, sustentam Dilma, mas criticam sua política. Surrealismo puro. Os escândalos de corrupção — que não começaram com o PT — corroem o apoio ao partido e ao governo, em especial na classe média.

PT, PMDB e PSDB não buscam solução para a crise. Procuram atender a seus interesses. O primeiro aferra-se ao poder (e aos cargos). Poupa Dilma, vota a favor das medidas de arrocho, mas critica Joaquim Levy, como se fosse o ministro, e não a presidente, o responsável por elas.

O PSDB tenta ganhar no tapetão a eleição que perdeu. Seus parlamentares votam contra o arrocho que sempre defenderam. E o PMDB faz cálculos na esperança de que o poder lhe caia no colo.

As trapalhadas do governo não cessam. Ninguém sabe até quando vão durar os dois principais ministros: Levy e Aloizio Mercadante. Fala-se em recriar a CPMF sem discutir com o principal aliado, o PMDB. Retira-se dos comandantes militares a decisão sobre promoção de oficiais, sem comunicação prévia a eles. Anuncia-se o corte de dez ministérios, sem dizer quais são, semeando insegurança e acirrando a guerra nos bastidores do governo.

A crise exige um ajuste? Sim. Os trabalhadores é que devem pagar a conta, enquanto setores como os bancos multiplicam seus lucros? Claro que não.

A indústria recuou mais de 6% no primeiro semestre deste ano, e o comércio teve a maior queda nas vendas desde 2003, mas o lucro dos quatro maiores bancos cresceu mais de 40% no primeiro semestre deste ano, em comparação com os primeiros seis meses de 2014. Ora, por que não se aumentam os impostos pagos pelos bancos?

E, como cada ponto percentual de aumento nos juros básicos tem um impacto de mais R$ 30 bilhões na dívida pública, por que manter as maiores taxas de juros do mundo? Que teoria econômica determina isso?

A verdade é que o governo Dilma optou por apresentar a conta aos mais pobres. E um governo deve ser julgado por suas políticas. Não pela forma como se autodefine.

Por isso, é forçoso reconhecer: o governo Dilma é de direita. O respeito às regras democráticas e à legitimidade de seu mandato não pode nos cegar para a realidade.