Nordeste pode sofrer apagões no verão

Rodrigo Polito 

21/09/2015

Com a queda acentuada do consumo de energia ao longo do ano, a situação geral do sistema elétrico brasileiro é satisfatória, mas o panorama do Nordeste, isoladamente, é alarmante. De acordo com dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), o nível médio de armazenamento das hidrelétricas da região já recuou mais de 2,5 pontos percentuais em setembro, ficando abaixo de 16%. A hidrelétrica de Sobradinho, no rio São Francisco, responsável por 58,2% da capacidade de acumulação de água das usinas do Nordeste, está com 10% de armazenamento.

Com a formação do fenômeno climático "El Niño", cuja uma das características é a falta de chuvas no Nordeste, não há previsão de qualquer chuva significativa na região nos próximos meses. Diante desse cenário, segundo especialistas ouvidos peloValor, há risco de os reservatórios hidrelétricos nordestinos chegarem a novembro com estoque abaixo de 10% - patamar em que não há condições operacionais para as usinas funcionarem - e de apagões pontuais na região.

 

 

Nessas circunstâncias, o fornecimento de energia para o Nordeste seria feito basicamente por termelétricas e eólicas da região e por importação do Sudeste e do Norte. Há, porém, limites técnicos de intercâmbio entre as regiões. Para alguns técnicos, existe o risco de o sistema elétrico nordestino entrar em colapso, com a ocorrência de blecautes, principalmente durante o verão. O governo descarta essa possibilidade.

O problema é que as duas principais medidas para minimizar o quadro são negativas do ponto de vista político: religar térmicas mais caras na região ou determinar um racionamento apenas no Nordeste, principal base eleitoral da presidente Dilma Rousseff.

Na última semana, o ONS reduziu a previsão de chuvas no Nordeste em setembro, de 56% para 47% da média histórica para o mês. O operador projeta que o nível médio de armazenamento dos reservatórios da região cheguem ao fim de setembro com apenas 14%.

Diante do cenário preocupante, o operador vem adotando medidas de preservação de água para atendimento aos usos múltiplos na bacia do rio São Francisco. Para atenuar a redução de armazenamento do reservatório de Sobradinho durante o período seco, o ONS elevou a defluência (escoamento) da hidrelétrica de Três Marias, na cabeceira do São Francisco, para 400 metros cúbicos por segundo.

"O El Niño já está dado e vai 'machucar' o Nordeste. A única certeza que temos é a de que não vai chover [na região]", disse o executivo de uma empresa de energia, que pediu anonimato. Na avaliação dele, o Nordeste sofrerá apagões pontuais no verão.

Segundo o meteorologista Alexandre Nascimento, do Instituto Climatempo, com o "El Niño" formado, não há previsão de chuvas no Nordeste nos próximos meses. Além disso, o período chuvoso na região, que historicamente começa em novembro, pode atrasar, devido ao fenômeno. "Não há luz no fim do túnel. O Nordeste, por si só, não vai se manter aceso", explicou.

Para Pedro Machado, sócio diretor da consultoria GV Energy e Associados, o sistema elétrico do Nordeste não corre risco de sofrer um apagão estrutural. "Podem ocorrer pontos isolados de restrição, mas não sistêmico", disse. O especialista, no entanto, chama a atenção para a possibilidade de aumento do custo da energia na região. Segundo ele, o preço à vista de energia no Nordeste deve subir, se deslocando das demais regiões.

"Caso as projeções de chuvas para a região Nordeste se mantenham abaixo da média histórica em 2016, poderá haver um descolamento do PLD [preço de liquidação das diferenças, ou o preço à vista de energia] no início do próximo ano", completou Machado.

Procurado, o Ministério de Minas e Energia informou que acompanha continuamente a situação de suprimento energético do país e que o risco de déficit de energia no Nordeste é zero, assim como nas demais regiões. "O atendimento energético da região Nordeste, bem como nos outros subsistemas do SIN [Sistema Interligado Nacional], é garantido pela geração própria na região, bem como por intercâmbios de energia gerada, pelas diversas fontes, em outras regiões", informou o MME, em nota.

Alguns Estados, como Acre e Rondônia, tem enfrentado problemas de fornecimento de energia elétrica desde o mês de agosto, mas informações iniciais indicam problemas na área de transmissão. Neste fim de semana, as capitais Rio Branco e Porto Velho e regiões próximas sofreram com novos apagões. Procurado pelo Valor, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) informou, por meio da assessoria de imprensa, que irá se pronunciar nesta segunda-feira sobre os apagões nos dois estados.

Em nota, a Eletrobras Distribuição Acre informou que as interrupções de energia, na sexta-feira e no domingo, foram provocadas pela perda da conexão ao Sistema Interligado Nacional (SIN), atingindo as Capitais Porto Velho e Rio Branco e regiões adjacentes. Ela atribuiu as informações a dados preliminares do ONS. De acordo com a assessoria de imprensa da empresa, os problemas são na parte de transmissão de energia em Rondônia e afetam o Acre.

Moradores da capital do Acre, Rio Branco e de regiões próximas ficaram sem energia por cerca de três horas na sexta e de novo ontem. No domingo passado, a região havia ficado sem luz no início da tarde. O Estado de Rondônia sofreu com o quarto apagão em 40 dias na sexta-feira. 

Valor econômico, v. 16 , n. 3845, 21/09/2015. Brasil, p. A4