Após 44 anos, metade dos orelhões no país pode desaparecer

Ivone Santana 

21/09/2015

Em 1980, o filme publicitário "Vandalismo", criado pela agência DPZ (atual DPZ &T), ganhou um prêmio internacional por mostrar um orelhão 'morrendo' após 'agonizar' em praça pública. Era uma campanha contra as depredações. Agora, a realidade aproxima-se da ficção: metade desses aparelhos, que começaram a ser instalados no país há 44 anos, pode desaparecer.

Segundo registros históricos, a implantação inicial e experimental do orelhão ocorreu ao fim de 1971, à rua Sete de Abril, no centro da cidade de São Paulo, nas instalações da CTB (a atual Telesp, sob controle da Telefônica Vivo). O projeto, criado pela arquiteta Chu Ming Silveira, originou o serviço.

O número de orelhões caiu de 1,2 milhão em 2010 para 836,7 mil em 2015, uma queda de 30,27%. Na conta entram as concessionárias Oi, Vivo, CTBC (Algar), Embratel e Sercomtel, que têm obrigações de implantação e manutenção dos telefones de uso público. Oi, com contratos para telefonia fixa em nível nacional, e Vivo no Estado de São Paulo, são as maiores concessionárias do serviço.

Mas todas as operadoras discutem com a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) o fim da universalização dos telefones públicos nos contratos de concessão que devem ser renovados em 31 de dezembro para vigência de 2016 a 2020. A universalização é o direito de acesso de toda pessoa ou instituição, independentemente de sua localização e condição socioeconômica, ao serviço de telefonia fixa, individual ou coletivo.

As teles não veem mais a necessidade de implantar esses aparelhos com a densidade rigorosa exigida pelos reguladores. Argumentam que o celular substituiu a função do orelhão. No Estado de São Paulo, por exemplo, a média de chamadas diárias por terminal público da Vivo é de 1,3 ante 21,7 em 2008. A queda de ligações foi de quase 95% em sete anos.

A receita média anual da Vivo por aparelho recuou mais de 97% no período, embora a empresa não revele números absolutos.

A Oi informa que tem receita de R$ 17 milhões por ano com telefones públicos, mas que investe de R$ 300 milhões a R$ 400 milhões por ano nesses aparelhos. "Com esse valor, seria possível investir em 800 mil acessos de banda larga por ano, afirmou recentemente Bayard Gontijo, presidente da Oi.

Hoje, cerca de 35% dos orelhões da Oi fazem chamadas e estas duram menos de um minuto por dia, de acordo com a operadora. Com a queda do uso, "apenas 0,5% da base de telefones públicos da Oi gera receita suficiente para o pagamento do seu próprio custo de manutenção". Além disso, a tele destaca que 48% de seus orelhões não geram chamadas tarifadas e 38% não são sequer utilizados.

A Algar informa que o número de chamadas em seus orelhões caiu 40% nos últimos quatro anos. A redução, diz a empresa, espelha tendência nacional, de aumento do uso de celulares. A tele registrava, em julho deste ano, 3,37 mil orelhões ativos em sua área de concessão, número 33% menor do que o registrado em 2008.

Sensível à reclamação das concessionárias de telefonia fixa, o presidente da Anatel, João Rezende, disse em audiência pública na Câmara dos Deputados, em agosto, que pretende reduzir em cerca de 50% o número de orelhões. O assunto é discutido no âmbito do Plano Geral de Metas para Universalização do Serviço Telefônico Fixo Comutado prestado no regime público (PGMU), que reúne parte das obrigações das concessionárias, em análise pela agência.

Uma opção discutida pela Anatel é a concentração dos telefones públicos em áreas estratégicas, fora dos grandes centros, e a modernização dos terminais com a instalação de acesso à internet com tecnologia Wi-Fi.

Algumas das mudanças previstas pela Anatel e discutidas em consulta pública são a permanência de todos os orelhões adaptados e obrigatórios; a permanência em todas as localidades com menos de 300 habitantes; e obrigação de 50% dos terminais estarem instalados em locais acessíveis ao público, 24 horas por dia. Na época da consulta, ano passado, isso poderia representar a retirada de cerca de 60% dos aparelhos, segundo a agência.

Pelo plano de metas criado em 1998 para vigorar de 2011 a 2016, a densidade dos telefones públicos deve chegar a 4 aparelhos/1.000 habitantes em cidades com mais de 100 moradores.

A Proteste Associação de Consumidores é contra a redução do número de orelhões que as teles são obrigadas a manter e favorável a que passem a oferecer outros serviços nesses aparelhos, como acesso sem fio à internet (Wi-Fi). A organização diz que os telefones públicos não perderam a importância em países mais desenvolvidos, mas sim no Brasil, onde "a ociosidade dos orelhões pode ser justificada pela falta de manutenção adequada e de fiscalização para que não fiquem sem funcionar, por falta de reparos. E o consumidor tem dificuldades para adquirir os cartões".

De fato, segundo a Anatel, a empresa que era responsável pela fabricação dos cartões indutivos, que substituíram as fichas, suspendeu a produção por causa da queda da demanda anual, que passou de 120 milhões para 20 milhões de unidades. Sem saída, as concessionárias tiveram de assumir a produção.

"A importância dos telefones públicos é incontestável", opina a Proteste, especialmente porque 74,61% das linhas de celulares são pré-pagas e estão concentradas nas classes C, D e E, que utilizam o serviço mais para receber chamadas do que para originar."

Valor econômico, v. 16 , n. 3845, 21/09/2015. Empresas, p. B6