Educação sem produtividade

Naercio Menezes Filho

18/09/2015

Como tem sido ressaltado por vários analistas, para que o Brasil possa sair da crise é necessário aumentar a produtividade dos nossos trabalhadores. Mas, como a produtividade é determinada conjuntamente por vários fatores, o que devemos fazer primeiro? Uma das prioridades que é sempre citada é melhorar a educação. Nós sabemos que os trabalhadores mais escolarizados ganham salários melhores, provavelmente porque são mais produtivos, ou seja, aumentam a produtividade das empresas em que trabalham. Assim, como o Brasil aumentou muito a escolaridade dos trabalhadores no período recente, esperaríamos que a nossa produtividade também tivesse aumentado, o que nos daria fôlego para sair dessa crise quando a macroeconomia e a política permitirem. Será que isso realmente aconteceu?

A tabela nesta página mostra a relação entre a escolaridade média e a produtividade entre 1965 e 2010 no Brasil e na Coreia do Sul. É uma versão ultra-resumida da história econômica recente desses dois países. Podemos notar que no caso coreano a escolaridade média da população aumentou continuamente entre 1965 e 2010, o mesmo ocorrendo com a produtividade do país (medida pelo PIB por trabalhador empregado). Entre 1965 e 1995 a Coreia aumentou a escolaridade à taxa de dois anos por década, um ritmo impressionante. Já a produtividade dobrou entre 1965 e 1985 e depois dobrou novamente entre 1985 e 2005, atingindo US$ 43 mil por trabalhador em 2010.

Crescimento se deu pelo avanço de setores menos produtivos, que geraram empregos sem aumento da produtividade

No caso brasileiro, a figura mostra que, infelizmente, nunca foi possível conciliar crescimento da educação com crescimento da produtividade. Entre 1965 e 1980 houve um fantástico crescimento da produtividade, que atingiu US$ 20 mil por trabalhador no final desse período. Isso foi conseguido com a transferência de grande parte dos nossos trabalhadores da agricultura familiar no campo para trabalhar na indústria e nos serviços nas grandes cidades. Nessa época nossa produtividade era bem maior do que a coreana e o Brasil era considerado o país do futuro.

Entretanto, não houve avanço educacional nesse período. Achávamos que bastaria treinar nossos trabalhadores para as ocupações específicas que iriam desempenhar na indústria (os famosos cursos técnicos) que tudo daria certo. Enquanto isso, a Coreia avançava lentamente sua produtividade, mas não se esquecia de educar sua população. Assim, a partir de 1985, quando a competitividade internacional passou a basear-se em inovações tecnológicas, a produtividade coreana disparou, ultrapassando a brasileira que, por sua vez, se estagnou complemente.

A partir de 1980, nossa educação começou a melhorar bastante, adotamos o ritmo coreano de dois anos a mais de estudo por década. Entretanto, nossa produtividade agregada recusa-se a aumentar. Por que será isso ocorre?

Será que nossa educação é improdutiva, por ser de baixa qualidade? É difícil acreditar nisso, já que as pessoas com mais educação ganham salários maiores. Quem tem ensino médio completo ou superior ganha duas vezes mais do que quem não completou ensino médio no Brasil. Além disso, os dados da Prova Brasil mostram que os alunos do 3º ano do ensino médio sabem mais matemática e ciências do que os do 9º ano do ensino fundamental. Sabem bem menos do que os alunos coreanos, é claro, mas ainda assim há um acréscimo de aprendizado.

Assim, a educação dá um retorno que é apropriado privadamente. Como a proporção de pessoas com pelo menos o ensino médio completo aumentou de 20% para 44% nas últimas duas décadas, deveríamos observar um aumento significativo da produtividade do país. Por que isso não aconteceu?

Isso não ocorreu porque os demais fatores que determinam o crescimento da produtividade atuaram na direção contrária e impediram que esse aumento educacional se traduzisse em maior crescimento. Por exemplo, o setor que mais empregou os trabalhadores mais educados foi o comércio. Entretanto, um trabalhador no comércio brasileiro, apesar de mais educado, produz o mesmo valor adicionado que há 20 anos. A nossa indústria, que poderia gerar grandes aumentos de produtividade com esses trabalhadores mais escolarizados, através de inovações tecnológicas no produto e na forma de produzir, acomodou-se e passou a importar bens manufaturados quase prontos da China para revender no mercado interno.

Assim, nosso crescimento recente se deu pela expansão de setores menos produtivos, que geraram empregos sem crescimento da produtividade. Em suma, sem concorrência, inserção nas cadeias globais, melhor infraestrutura e racionalização tributária, continuaremos a desperdiçar nossos ganhos educacionais e ficar cada vez mais para trás dos nossos concorrentes internacionais.

Valor econômico, v. 16 , n. 3844, 18/09/2015. Opinião, p. A11