BC pode usar reservas e Selic não sobe

Alex Ribeiro, Leandra Peres, Eduardo Campos e Edna Simão 

25/09/2015

O presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, indicou que considera a opção de vender reservas internacionais para "garantir que o mercado de câmbio funcione de forma eficaz" e manteve a estratégia de manutenção da taxa de juros em 14,25% ao ano por um bom tempo, a despeito da piora no cenário inflacionário provocado pela crise fiscal.

Num gesto inédito, Tombini abriu ontem pessoalmente a entrevista de divulgação do Relatório de Inflação, para tentar acalmar os mercados, que registravam de manhã novos picos nas cotações do dólar e juros. A decisão do governo e do próprio Tombini partiu de um diagnóstico de que o mercado estava perdido e não organizado. A avaliação inicial é que a estratégia funcionou e o governo conseguiu conter parte da volatilidade.

Segundo fontes da equipe econômica, a falta de parâmetros tem sido o principal motivo por trás dos movimentos considerados excessivos de altas nas taxas de juros e no dólar. O governo não aceita a tese de que há um movimento especulativo em torno da moeda americana. A visão dos economistas do governo é a de que a volatilidade ficou tão grande que se perderam parâmetros mínimos de preços.

O diretor de Política Econômica do BC, Luiz Awazu Pereira, subscreveu a mensagem geral de manutenção dos juros, mas não descartou um novo aperto, se a inflação se desviar significativamente da meta ao fim de 2016.

Ele pregou, porém, "calma e discernimento analítico" para separar a volatilidade passageira dos mercados do que afetará de forma perene a inflação. "Discernimento e calma não são nenhuma manifestação de complacência ou de cegueira", afirmou.

Tombini e Awazu enfatizaram a importância de o governo e o Congresso atuarem para cumprir a meta fiscal. Também procuram argumentar que, assim como a alta do dólar e prêmios de riscos afetam negativamente as projeções de inflação, estão presentes também fatores que atuam na direção contrária, como o grau de ociosidade da economia maior do que o esperado.

O relatório projeta inflação de 5,3% em 2016, ano que se tornou alvo principal da política monetária, acima do centro da meta, de 4,5%. Os exercícios usam como hipótese a cotação do dólar em R$ 3,90 vigente na data de corte de sua redação, no dia 18, e certamente projetariam uma inflação ainda mais alta com a cotação do dólar superior a R$ 4,00 dos últimos dias.

"O BC irá assegurar que mercado de câmbio, nas suas diversas modalidades, funcione de forma eficaz", disse Tombini. Questionado se o Banco Central cogita fazer vendas de dólares das reservas internacionais, Tombini disse que "certamente todos os instrumentos estão à disposição do BC e estão no seu raio de ação".

Tombini explicou que, ao avaliar se o mercado está funcionando de forma satisfatória, o BC vai considerar "as questões de liquidez, os eventuais excessos de volatilidade no mercado" e atuar para garantir que "haja compradores e vendedores" de moeda.

Tombini também renovou a estratégia de manter a Selic estável por um período de tempo suficientemente prolongado, num momento em que, devido à crise fiscal, o mercado já embutia uma alta de cerca de três pontos percentuais.

"A elevação da taxas de juros nos mercados não servirá de guia para a condução da política monetária", disse. Na visão dele, "a recente elevação na taxa de juros reflete o aumento nos prêmios de riscos nos mercados". Tombini disse ainda que BC e Tesouro atuam de forma coordenada para reduzir volatilidade no mercado de juros

Apesar de enfatizar a estratégia de manutenção da Selic, Tombini, Awazu e o próprio Relatório de Inflação renovaram a mensagem de vigilância da política monetária, que de forma prática se traduz numa ameaça de apertar de novo os juros.

O BC, disse ele, reconhece uma piora no balanço de riscos para a inflação. "A política monetária necessita ancoragem fiscal para assegurar a convergência da inflação à meta de 4,5% ao fim de 2016", disse Awazu. No relatório, o BC trabalha com a hipótese de cumprimento da meta de superávit primário de 0,15% do PIB em 2015 e de 0,7% do PIB em 2016. E renova o discurso de que a política se desloca para a zona de neutralidade, com chances de se tornar contracionista.

Awazu argumentou, porém, que é necessário sangue frio para identificar os possíveis excessos nos prêmios de risco e, assim, evitar uma "reatividade excessiva" da política monetária.

No relatório, o BC passou a projetar uma queda ainda maior do PIB em 2015, de 2,7%, ante um recuo de 1,6% no relatório anterior. No período de um ano até o segundo trimestre de 2016, a queda prevista é de 2,2%. Em junho, o BC previa queda de 0,8% até o primeiro trimestre de 2016.

Valor econômico, v. 16 , n. 3849, 25/09/2015. Finanças, p. C1