'Estrangeiros olham Brasil, mas é para comprar'

Catherine Vieira 

17/09/2015

Os estrangeiros não estão tão contaminados com o pessimismo que prevalece no ambiente interno e olham para o Brasil à espreita da hora certa de garimpar ativos e investir. Essa é a percepção de David Beker, chefe de economia e estratégia para renda fixa do Bank of America Merril Lynch (BofA) para o Brasil. "Eles estão olhando Brasil, sim, mas é para comprar", afirma Beker, que mantém contatos frequentes com investidores de diversas nacionalidades.

Com o atual nível de câmbio e a elevada taxa de juros, o país fica muito atrativo na comparação com outros locais do mundo, que ainda oferecem remuneração bem mais baixa ao investidor. Este pode ser um dos motivos pelos quais a reação dos mercados à perda do grau de investimento do Brasil pela Standard & Poor's, na semana passada, tenha sido considerada moderada.

Segundo Beker, muitos investidores externos mostram intenção de se posicionar no país e avaliam se o câmbio já chegou no ponto certo para tal movimento, seja na renda fixa ou mercado de moedas, e até mesmo ações são cogitadas. Além disso, eles manifestam interesse em ativos reais de vários setores da economia, mas também aguardam ter mais segurança de que o nível de câmbio é o mais favorável.

Ele não acredita que o recente pacote de medidas apresentado pelo governo vá impedir o rebaixamento da nota de crédito soberano por outras agências de classificação de risco, como a Fitch e, principalmente, a Moody's. Beker não vê, no entanto, isso acontecendo ainda este ano.

Na semana passada, após o rebaixamento pela S&P, Beker e sua equipe promoveram uma forte revisão para pior das projeções para os indicadores econômicos brasileiros e passaram a prever encolhimento de 3,3% do PIB, um ponto percentual a menos do que a projeção anterior (-2,3%).

"Não vejo recuperação no horizonte pelo menos até o fim do próximo ano", afirmou Beker. Ele, que tinha até poucos meses uma visão razoavelmente "construtiva" do país, se comparada com a de boa parte de seus pares no mercado, está hoje com a pior previsão de contração do PIB para este ano de que se tem notícia. Para 2016, Beker prevê recuo de 1,4% da economia.

Beker vê os investimentos encolhendo quase na casa dos dois dígitos, numa contração de 9,4% este ano, enquanto o consumo das famílias deve recuar 3,4% e a demanda doméstica como um todo, 4,2%. Todas essas projeções tiveram uma piora de cerca de um ponto percentual em relação às previsões anteriores do BofA.

Para 2016, Beker estima que todos esses indicadores ainda permanecerão no campo negativo, com demanda doméstica em queda de 1,6%; investimento declinando 2,7% e consumo das famílias com recuo de 1,5%.

Para a inflação, ele estima que o próximo ano ainda mostrará o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acima do centro da meta, a 5,2%. Ainda assim, dado o quadro muito deteriorado do mercado de trabalho e da atividade econômica, Beker vê o Banco Central (BC) em movimento de redução da taxa básica, que, de acordo com sua projeção, estará em 11,5% ao fim de 2016, depois de encerrar 2015 em 14,25% ao ano.

O especialista considera ser preciso ficar atento ao movimento de repasse da alta do câmbio para os preços, que ainda parece ter trajetória incerta e de difícil previsão. Para este ano, o BofA prevê IPCA de 9,2%, com dólar encerrando 2015 em R$ 3,80. Embora a previsão seja de que a inflação perca força no próximo ano, a taxa de câmbio deve fechar em R$ 4,10.

Valor econômico, v. 16 , n. 3843, 17/09/2015. Finanças, p. C5